A sustentabilidade além do hype

Domingão véspera de Natal, fico imaginando a dificuldade de gerar pautas. Coincidentemente ou não, o Estadão resolveu investir na pauta da sustentabilidade. Ou melhor, na pauta das dificuldades de implementação da agenda de sustentabilidade. São nada menos do que três matérias, sendo que uma delas mereceu o destaque de manchete principal do dia.

Comecemos pela manchete: o mercado de certificados de carbono está tentando se recuperar de uma crise de credibilidade que se iniciou com o escândalo da Verra, a maior emissora de certificados de carbono do mundo, sobre a qual se descobriu, no início do ano, que não certificava como deveria. Ou seja, os projetos certificados não reflorestavam de fato. Eu nem sabia que havia essa tal “crise de credibilidade”.

A segunda reportagem, também merecedora de chamada na primeira página, fala das dificuldades do mercado de carros elétricos usados na Europa e EUA, que têm demanda muito abaixo da dos carros à combustão, pois há uma incerteza grande sobre o comportamento das baterias (30% do custo dos carros) ao longo do tempo. E, como sabemos, não existe mercado primário se não existir um mercado secundário robusto.

Por fim, a terceira matéria repercute levantamento com CEOs de empresas brasileiras, que veem dificuldades na implantação da agenda ESG em sua dimensão de sustentabilidade. Os CEOs reclamam de “falta de políticas públicas que apoiem a sustentabilidade”. Leia-se “subsídios”. Ou seja, ninguém se move nessa direção se não tiver uma compensação financeira, o que desmente a tese de que a “agenda sustentável” seria lucrativa por si só. Não é, é caro ser sustentável.

Enfim, contra a vibe da COP28, o Estadão decidiu mandar a real sobre o duro mundo da implementação das utopias. É muita conversa, muito boa intenção, com resultados bem aquém do desejado. A lógica econômica é implacável, e não há hype que dê jeito nisso.

Da arte de dizer o oposto do que se está fazendo

A “neoinduatrialização” do governo Lula vai mostrando que não passa do bom e velho protecionismo. Atendendo demanda da ANFAVEA, que candidamente admitiu que, sem alíquotas de importação, seria mais vantajoso continuar importando, o governo irá sobretaxar a importação de veículos elétricos.

Para aqueles preocupados com o meio-ambiente, o ministro da Indústria e vice-presidente Geraldo Alckmin, nos tranquilizou a todos. Afinal, o objetivo é “acelerar a descarbonização da frota no País”. Bem, realmente fica difícil entender como sobretaxar veículos elétricos ajudaria a alcançar esse objetivo.

Aliás, Alckmin acionou o seu gerador aleatório de discursos, e se saiu com essa: “É chegada a hora de o Brasil avançar, ampliando a eficiência energética da frota, aumentando nossa competitividade internacional e impactando positivamente o meio-ambiente e a saúde da população”. Palavras grandiloquentes, apontando um futuro de glória e esplendor. A não ser por um pequeno detalhe: o resultado da taxação aponta para o justo inverso.

O que podemos esperar é que 1) o Brasil vai continuar parado, 2) a eficiência energética da frota vai aumentar em ritmo mais lento, 3) a nossa competitividade internacional continuará estagnada, fruto do protecionismo, 4) os impactos no meio-ambiente e na saúde da população serão negativos.

Enfim, esse é o governo do “mais do mesmo”, insistindo no que não deu certo nas últimas décadas. E, para desgosto dos ambientalistas, um governo que não dá a mínima para o meio-ambiente quando se trata de negócios. Só resta esse discurso mumbo-jumbo do vice-presidente, que só os deslumbrados compram a valor de face.

Qual a semelhança entre um carro elétrico e a diarreia?

Sabe qual a semelhança entre um carro elétrico e a diarreia? O medo de não chegar em casa.

Ouvi essa piada ontem, e já purgado do meu sentimento de culpa por ter rido muito, deparo com essa reportagem, justamente sobre a falta de infraestrutura para abastecimento de carros elétricos. E não aqui, mas nos EUA e na Europa. As montadoras estão pedindo prorrogação das metas para o fim da produção de carros movidos a combustíveis fósseis porque 1) faltam postos de carregamento, 2) faltam baterias e 3) os preços começam a ficar muito altos com o início da retirada de subsídios. Em outras palavras, a demanda não está acompanhando o entusiasmo dos reguladores.

Claro, eu sei que as coisas não são 8 ou 80. Qualquer esforço na direção da descarbonização já está valendo. Mas a julgar pelos avisos apocalípticos que, vira e mexe, lemos de especialistas, a vaca já foi para o brejo.

O futuro é do carro elétrico, pois dá menos manutenção, é mais silencioso e polui menos. Mas a transição será muito mais lenta do que desejariam os apocalípticos, pois depende de muitos avanços tecnológicos que estão ainda em futuro não muito próximo. E a indústria automobilística já avisou que não vai carregar o piano sozinha enquanto aguardamos.

O problema que teremos pela frente

O Estadão traz hoje entrevista com Rodrigo Aguiar, sócio fundador da Elev, empresa de projetos voltados à mobilidade elétrica. O entrevistador, claro, procura mostrar o lado claro da força. Mas uma das suas respostas deixa entrever o problema que teremos pela frente.

Com o objetivo de mostrar que os carros elétricos não são uma ameaça ao sistema elétrico brasileiro, o entrevistado afirma que até 2035 a alimentação da frota de carros elétricos prevista para aquele ano (1,3 milhões de veículos) não consumirá mais do que 1,5% da energia elétrica produzida hoje pelo país.

À primeira vista, o problema não parece muito grande. Mas, vamos analisar.

A frota de veículos hoje, no Brasil, totaliza 109 milhões, sendo 58,5 milhões de automóveis e o restante ônibus, caminhões e motocicletas. Uma frota de 1,3 milhões de veículos não faz nem cócegas para diminuir o efeito estufa. Quer dizer, o efeito sobre a demanda de energia elétrica é mínimo, desde que a eletrificação da frota não faça diferença para o dito aquecimento global.

Digamos, por outro lado, que tivéssemos uma frota que fizesse a diferença. Algo como metade dos automóveis, por exemplo, o que significaria mais de 20 vezes o número previsto para 2035. Agora, regrinha de três: se 1,3 milhões de veículos consomem 1,5% da eletricidade ofertada no país hoje, quanta eletricidade seria consumida por 20 vezes mais veículos? Exato! Seria 30% de toda a eletricidade gerada no país! E isso para eletrificar somente metade da frota de automóveis, sem contar ônibus, caminhões e motos, que são muito mais poluentes.

E antes que critiquem a conta, sim, a oferta de eletricidade irá aumentar ao longo dos anos, assim como o tamanho da frota. A conta acima continuará correta se o aumento da oferta de eletricidade acompanhar o aumento da frota. Para que o número acima fosse proporcionalmente menor, seria necessário um crescimento mais rápido de oferta de energia elétrica. E é aí que mora o problema.

Como o meu amigo Barnabe Da Silva Junior explica em seu excelente artigo sobre o sistema elétrico brasileiro, o espaço para aumento de energia de origem hidroelétrica é cada vez menor. Por isso, aumentará a produção de energia de outras fontes, como eólica, solar e, cruz credo, termoelétrica. Como as duas primeiras são intermitentes por natureza, para garantir a segurança do sistema será necessário aumentar a queima de combustíveis fósseis em usinas termoelétricas, não tem jeito.

Assim, enquanto for brinquedo de rico, os carros elétricos não vão pressionar o nosso sistema elétrico. Para realmente fazerem a diferença, os carros elétricos necessitarão de um aumento brutal de oferta de energia elétrica. Precisaremos ter um melhor mix de oferta de energia elétrica no país, caso contrário, estaremos apenas transferindo a queima de combustíveis fósseis de lugar. O que não deixa de ser bom para os pulmões dos moradores das grandes cidades, mas tem pouca utilidade para evitar o tal aquecimento global.