Uma escolha difícil

Governar é fazer escolhas. É muito fácil e agradável prometer tudo para todos. No entanto, os recursos são escassos e finitos, então é precisa fazer escolhas.

O primeiro ato do novo governo, antes mesmo de assumir, foi o de prorrogar a isenção dos impostos federais sobre combustíveis. Essa decisão, aparentemente definitiva, sucedeu a uma série de idas e vindas, reflexo de uma escolha difícil.

– Na segunda-feira, Haddad e Guedes deixam tudo certo para a prorrogação da isenção.

– Na terça-feira, Lula veta a prorrogação.

– Na quinta-feira, Lula acusa o governo Bolsonaro de “acabar com a desoneração”

– E, na sexta-feira, Lula ”bate o martelo” pela prorrogação da desoneração, voltando ao início.

É compreensível que o governo Lula esteja confuso com esse assunto. São várias as necessidades a serem atendidas. Vejamos.

1) A não prorrogação da desoneração afetaria a inflação logo no início do governo, algo nada bom.

2) Por outro lado, a sua prorrogação tira impostos de um governo muito necessitado de recursos para atender as necessidades dos mais necessitados.

3) A desoneração, por outro lado, permite que a Petrobras pratique preços de mercado sem aumentar a inflação, o que é bom para a geração de caixa da empresa, permitindo o investimento, por exemplo, em novas refinarias.

4) Mas, o futuro presidente da Petrobras já informou que vai rever a política de preços da Petrobras (certamente não será para aumentar os preços), de modo que a desoneração não seria mais necessária para manter os preços baixos.

5) Mas, se os preços praticados pela Petrobras forem baixos, ficará mais difícil fazer os investimentos necessários para aumentar a produção de petróleo e derivados, objetivo declarado do novo governo.

6) E, até o momento, a ministra do meio-ambiente não foi chamada a dar a sua opinião sobre subsídios aos combustíveis, energia sabidamente suja e que contribui para as mudanças climáticas.

Como se vê, trata-se de uma escolha difícil. Por isso, esse ar de improviso e amadorismo é só uma impressão. Certamente, quando o novo governo começar de fato, todos esses objetivos conflitantes serão atendidos a contento.

Autoritarismo do bem

Um abaixo-assinado publicado hoje no Estadão (na verdade é um artigo, mas tem tantos autores que virou abaixo-assinado) dá um conselho à Petrobras: ao invés de investir em uma fonte de energia que será abandonada em breve, a empresa deveria investir em “alternativas neutras em carbono”.

O abaixo-assinado é uma reação a um artigo do presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, em que se defende a aceleração da exploração do pré-sal enquanto o petróleo ainda tem algum valor. O interessante é que tanto o abaixo-assinado quanto o artigo de Silva e Luna concordam no essencial: um dia, o petróleo deixará de ser uma fonte importante de energia. A divergência está no timing: para os abaixo-assinados, “em menos de 100 meses” as emissões de gases de efeito estufa terão de ser cortadas pela metade para que tenhamos alguma chance de limitar o aquecimento global em 1,5o, ao passo que, para o presidente da Petrobras, ainda teremos um bom tempo antes que isso aconteça, tempo suficiente para ganhar algum dinheiro com o petróleo do pré-sal.

Não vou entrar no mérito de quem está certo, mas esse artigo é, no mínimo, estranho. Será que os abaixo-assinados estão realmente preocupados com o futuro da Petrobras enquanto empresa e estariam dando um conselho de amigo? Pouco provável. Parece mais uma tentativa de empurrar uma profecia auto-realizável: sem produtores de petróleo daqui a alguns anos, o consumo cairá por falta de oferta, não de demanda. Ou seja, por trás desse “aviso amigo” de que a demanda despencará no futuro, está a tentativa de reduzir a oferta. Nice try, abaixo-assinados.

Além disso, soa patético o pedido de que a Petrobras se dedique à produção de “energias limpas”. É um pouco como pedir para um ortopedista realizar uma cirurgia cardíaca. “Mas não é tudo médico?”, perguntará o leigo. Com essa “proposta”, os abaixo-assinados demonstram a sua completa ignorância de como funciona o mercado de energia. Em determinado trecho, é mencionado que a empresa chegou a investir em etanol e biodiesel anos atrás, mas “deixou as renováveis de lado para focar no petróleo”. Fica difícil de saber de onde tiraram isso. A Petrobras tem papel marginal na produção de etanol e biodiesel, indústrias dominadas pelos grandes conglomerados do agronegócio, como Cargill e Raízen. O máximo que a petrolífera faz é comprar o etanol e o biodiesel e misturar na gasolina e no diesel. E só faz isso por determinação legal, não por estratégia de negócio.

O que se tem aqui é uma tentativa de introduzir um elemento estranho ao balanço da demanda/oferta de petróleo: o “custo ambiental”. Diminuindo a oferta artificialmente, teríamos um novo equilíbrio, com o preço do petróleo nas alturas (porque a demanda continuará lá) viabilizando fontes alternativas de energia. O resultado será menos gases de efeito estufa e energia bem mais cara do que a que temos hoje. Claro, as energias alternativas ficarão mais baratas com o tempo. Mas o caminho para o céu é a morte, e por mais que gostemos da ideia do paraíso, ninguém está a fim de morrer para chegar lá. Se energias alternativas mais baratas estivessem no horizonte, não estaríamos tendo essa conversa.

Esse abaixo-assinado seria cômico se não fosse trágico. Se a Petrobras seguisse o seu conselho, passaríamos a depender cada vez mais de petróleo importado. E, na heróica hipótese de que as metas para o clima fossem cumpridas, teríamos um petróleo cada vez mais caro no mercado internacional. Apostar que ”daqui a menos de 100 meses” teremos energia limpa a preços competitivos é jogar com a sorte dos mais pobres, que dependem de energia barata para sobreviver. Os abaixo-assinados dirão que o meteoro do aquecimento global está se aproximando, e não adiantará nada ter energia barata se todos estivermos mortos sob os escombros do seu impacto. É uma forma de ver a coisa. Fariam melhor, neste caso, se voltassem suas baterias para promover a diminuição da demanda. Atacar a oferta é uma forma autoritária de atingir o seu objetivo, na medida em que se colocam como aqueles que sabem o que é melhor para a humanidade, sem se dar ao trabalho de convencer a humanidade sobre a sua verdade.

Subsídios never die

Texto extraído do jornal O Estado de São Paulo

Subsídios never die.

Subsídios sempre nascem com um bom propósito. Pode ser o de estimular uma determinada região (ex. ZF Manaus), uma determinada indústria (ex. automobilística) ou simplesmente aliviar as dores do povo (alimentos, gasolina).

O problema dos subsídios é sua própria definição: sustentar uma atividade econômica que, por si só, seria insustentável. A esperança é que se torne sustentável após um certo tempo, mas isso raramente acontece. Quando muito, os lucros incorporados pelos agentes privados com os subsídios tornam-se a razão de ser daquela indústria.

O problema dos subsídios diretos a bens de consumo é ainda pior: as pessoas ajustam seus orçamentos àquele nível de preços, e a volta à normalidade é muito dolorosa. Quando esse subsídio já dura duas gerações então, como no caso dos combustíveis no Equador, a coisa torna-se irreversível.

Brincamos de subsidiar combustíveis aqui no Brasil durante alguns poucos anos, utilizando o orçamento da Petrobras, o que já foi suficiente para abrir um rombo multibilionário no balanço da empresa, perto do qual o roubo descoberto pela Lava-Jato é troco de pinga. A empresa até hoje está tentando se recuperar vendendo ativos. O fim dos subsídios aqui resultou na famigerada greve dos caminhoneiros.

No caso do Equador (e também da Venezuela), o subsídio é patrocinado pelo Estado. Acabou o dinheiro, o Equador fez um acordo com o FMI e eliminou os subsídios no âmbito desse acordo. Ao contrário da Venezuela, no entanto, a economia do Equador é vinculada ao dólar. É mais ou menos como a Grécia, não dá pra brincar de desvalorizar e hiperinflacionar a moeda, pois o país não tem soberania monetária (não manda na própria moeda).

Resta saber quanto tempo o país aguenta: ao contrário da Grécia, não há um arcabouço institucional externo que torne mais caro sair da moeda do que se manter nela. A Grécia teve que fazer ajustes draconianos para se manter no Euro, mas a alternativa era pior. Para os equatorianos, a alternativa de desvincular-se do dólar pode não parecer tão ruim assim. Foi o que pensou a Argentina em 2001, quando abandonou a paridade oficial com o dólar ao invés de fazer a lição de casa. Deu no que deu.

A lição é sempre a mesma: as “bondades” de governos populistas acumulam distorções na economia, que acabam cobrando o seu preço mais cedo ou mais tarde. A economia é uma ciência humana, o que não quer dizer que não tenha leis. Ninguém desafia a lei da oferta e da demanda impunemente.

Distorções

Dólar e petróleo em alta são uma mistura explosiva para os preços dos combustíveis.

O que os caminhoneiros querem é que o governo “faça alguma coisa” para segurar os preços. Há somente duas coisas “a fazer”: diminuir impostos que incidem sobre os combustíveis ou obrigar a Petrobras a ter prejuízo na venda de combustíveis. Ambas as “soluções” implicam subsídios da sociedade brasileira em prol da margem de lucro dos caminhoneiros.

Imagine o caos se cada segmento econômico que tivesse aumento de preço de seus insumos se achasse no direito de bloquear uma estrada. A vida ficaria um pouco mais difícil do que já é.

Vivemos, durante o governo Dilma (e, para ser justo, em vários outros governos) a experiência de tabelar preços de combustíveis em níveis não compatíveis com as condições internacionais. A Petrobras reconheceu em seus balanços R$6 bilhões de prejuízo causado pela corrupção. Pois bem: as perdas com o tabelamento de combustíveis foram da ordem de dezenas de bilhões de reais. Várias dezenas. O que quebrou a Petrobras não foi a corrupção, foi o tabelamento de preços.

Na Venezuela, o dinheiro para comprar um pote de sorvete é suficiente para encher várias dezenas de tanques de combustível. Obviamente, trata-se de uma economia disfuncional. E sabemos como começa esse processo: tabelando preços em nome da “justiça”, do “bem-estar social”, ou de qualquer balela do gênero. Vivemos isso na década de 80 e início da década de 90, com os vários “planos econômicos” que congelaram preços.

Baixar impostos é outra “solução”. Mas por que baixar impostos dos combustíveis e não, por exemplo, dos remédios, dos alimentos, das escolas?

“Ah, mas o aumento dos combustíveis afeta toda a logística, encarecendo todos os produtos”. E daí? Os produtos vão ficar mais caros porque o petróleo ficou mais caro, é assim em qualquer lugar do mundo que funciona. Baixar impostos é bom, desde que haja superávit nas contas públicas, e desde que seja horizontal, e não para preservar as margens de lucro de um punhado de empresários.

Os caminhoneiros têm três saídas possíveis para o aumento do preço dos combustíveis: aumentar o preço do frete ou diminuir suas margens de lucro ou uma combinação das duas. Qualquer “solução” fora disso não soluciona nada, apenas introduz uma distorção adicional na economia, que cobra o seu preço em menor crescimento potencial.