40 anos da tragédia do Sarriá

Outro dia fiquei surpreso ao ser lembrado, por matérias em jornais, que fazia exatos 20 anos que havíamos sido pentacampeões. Simplesmente não guardei a data. Assim como não guardei a data de outras emoções no futebol, positivas ou negativas, que tive durante meu mais de meio século de vida. Só uma data, no entanto, resta indelével na minha memória futebolística: 05/07/1982.

No dia 5 de julho de cada ano, a memória daquele jogo me vem à mente. Ao contrário dos outros jogos do Brasil na Copa, havia decidido assistir a este com minha família, ao invés de com meus amigos. Certamente foi esse detalhe que fez toda a diferença. Cada um terá a sua própria explicação esotérica para o inexplicável, a minha é essa. Só assim para entender como aquele time mágico pode ter perdido para uma tosca Itália, que havia se classificado aos trancos e barrancos na fase de grupos.

Raras vezes vi um time que jogasse como uma companhia de balé em perfeita performance no palco, como aquela seleção. Tenho lembrança do Santos de Neymar e Ganso em 2010, e cada torcedor terá a lembrança de um ano de ouro de seu time de coração. Mas não, nada se compara à química absolutamente mágica de três gênios do futebol, que colocariam Neymar no bolso: Zico, Sócrates e Falcão. E todos os outros coadjuvantes, à exceção, talvez, do goleiro, seriam titulares hoje em suas posições. E sobre o técnico, não há o que comentar.

Aquele time imbatível perdeu. Alguns dizem que poderia ter jogado com a regra debaixo do braço, já que o empate era suficiente para a classificação. Eu já acho que aquele dia era da Itália. Paulo Rossi fez 3 gols, e faria tantos quantos fossem necessários para arrancar aquela vitória improvável. Futebol é essa coisa misteriosa, em que os deuses entram em campo para derrubar as mais profundas convicções. Ex-post são muitas as explicações para o ocorrido. Nenhuma delas realmente convence. Foi, porque tinha que ser.

O futebol é um esporte de resultados. O derrotado normalmente cai no esquecimento. A seleção de 82, por algum estranho motivo, quebra essa regra. A Itália foi a campeã, mas é da seleção brasileira que se tem lembrança. O Brasil já saiu derrotado de muitas Copas e, de todas essas seleções derrotadas, mal se tem lembrança. Eu não consigo repetir a escalação da seleção de 2018, mas, com algum esforço, a seleção de 82 brota da minha memória, como figurinhas de um álbum de recordações amargas e doces a um só tempo. Não, futebol não é só resultados.

Depois de Sarriá, a seleção já foi campeã duas vezes. Vibrei muito com os gols de Ronaldo contra a Alemanha há 20 anos, mas nada se compara à minha emoção com o gol de empate de Falcão. Na minha memória seletiva, a Copa de 82 acaba ali, naquela sensação indescritível. Obrigado Zico, Socrates, Falcão, Telê e companhia.

A Copa a cada dois anos

Até 1978, a Copa do Mundo era disputada por 16 seleções a cada 4 anos. A partir de 2026, o torneio contará com 48 seleções e poderá ser disputada a cada 2 anos. O que mudou nesses quase 50 anos? Simples: a FIFA está estressando o seu principal produto para testar até onde ele aguenta.

Qual o ponto ótimo de uma Copa do Mundo do ponto de vista financeiro? Um número maior de seleções traz novos espectadores, sem dúvida. Mas pode deixar uma boa parte do torneio, incluindo as eliminatórias, sem apelo para os espectadores tradicionais. Um exemplo são as próprias eliminatórias sul-americanas. Antigamente, a seleção brasileira corria o risco real de ficar fora da Copa do Mundo. No entanto, com 5 seleções classificadas e mais uma na repescagem contra uma seleção da Oceania (!), a seleção só não se classifica por um desastre de proporções cósmicas. Resultado: as eliminatórias perderam muito do apelo que tinham antigamente. Com 48 seleções, as eliminatórias na Europa devem perder o apelo também. Mas a FIFA deve ter feito o cálculo e concluído que vale a pena do ponto de vista financeiro.

Agora, vamos aumentar a frequência da competição. O raciocínio é o mesmo: o interesse na competição se dá pela sua raridade. O país para pra ver os jogos. Ocorreria o mesmo se a competição ocorresse de dois em dois anos? Qual seria a audiência? A FIFA deve estar considerando que as duas copas a cada 4 anos terá mais público do que uma copa no mesmo período, mesmo que cada uma delas tenha menos público do que a copa “normal”. O público de cada uma delas não deve cair pela metade, o que representa um ganho adicional. Neste ponto, a FIFA está agindo racionalmente.

No entanto, apesar de poder fazer sentido do ponto de vista estritamente financeiro, não faz nenhum sentido do ponto de vista esportivo. A Copa do Mundo tem essa aura mítica justamente por ser um evento raro. Uma Copa do Mundo bienal com 48 seleções se tornará um torneio comum. Terá algum interesse, mas longe do que representa hoje. Uma pena.