Inúteis

Bélgica e Inglaterra batem um recorde nesta Copa: são as únicas seleções da história que conseguiram jogar dois jogos na mesma Copa que não valeram nada.

Engenheiro de obra feita

O que aparece de engenheiro de obra feita depois da derrota é uma enormidade. Assim como depois da vitória.

Hoje no Estadão aparecem os “7 erros” que a organização da seleção cometeu. Desde “super-proteger” Neymar até deixar famílias e amigos entrarem na concentração, passando pela distância da concentração e assim vai. Todos “motivos” para a derrota como teriam sido “motivos” para a vitória. Basta virar o argumento e todos servem para justificar qualquer coisa. Ou alguém tem dúvida que Tite seria tratado como gênio ao colocar Renato Augusto, se este tivesse feito o gol de empate e tivéssemos ganho nos pênaltis?

Foi um jogo em que o Brasil poderia ter ganho tranquilamente, dadas as chances criadas. A bola simplesmente não entrou. Courtois estava inspirado e defendeu bolas mais difíceis do que os gols que levou do Japão. O Brasil não tinha um time brilhante, mas estava arrumado, e jogou o suficiente para ganhar a Copa contra qualquer adversário. Quem acompanha futebol sabe que o esporte é o que é porque nem sempre dá a lógica. Procurar os “motivos” da derrota é um exercício muitas vezes inútil, que serve para dar emprego aos cronistas esportivos. O motivo mais honesto é que a Bélgica fez dois gols e o Brasil fez um. Uma “explicação” tautológica, tão explicativa quanto todas as outras.

Digo isso porque me parece uma desonestidade tremenda dizer, a essa altura, e depois do jogo encerrado, que estava na cara que o Brasil iria perder por causa disso, disso e daquilo. Não, não foi um resultado óbvio, assim como não teria sido óbvio se o Brasil tivesse ganho, como teria sido igualmente tratado pela crônica.

O trabalho do Tite foi bom e a seleção estava no mesmo nível do próximo campeão mundial. Não será campeã porque o futebol é isso, um dia se ganha, outro dia se perde.

O povo sabe a diferença

“Enquanto o brasileiro se diverte com a Copa, o STF…”

“O Brasil ainda está na Copa, mas a Alemanha continua com a melhor saúde, educação…”

“Enquanto você se preocupa com as canelas do milionário Neymar, zilhões de brasileiros não tem segurança, saneamento básico…”

Frases dessa natureza e suas infinitas variações costumam invadir minha timeline no FB e no Twitter em época de Copa do Mundo. E me irritam.

Irritam-me, em primeiro lugar, porque representam uma visão infantilizada do povo, como se este confundisse as coisas: “Ah! Se o Brasil ganhar, político pode roubar à vontade!”, “Ah! Quando o Brasil joga esqueço que vivo na zerda!” Ora, menos. O povo sabe direitinho que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Só quer se divertir um pouco de vez em quando. É pecado?

Em segundo lugar, tem esse complexo de vira-lata que insistentemente nos lembra que o Brasil é um país medíocre em tantos quesitos. Sim, o povo sabe disso também, não precisa lembrar justamente quando brilha um dos poucos quesitos em que o país se destaca. Como se o povo não pudesse se orgulhar de nada enquanto o país não for perfeito. A seleção é uma das poucas instituições nacionais que fazem o povo se sentir “importante”, “melhor que os gringos”, “vencedor”.

“Ah, mas é só futebol”. Como assim, “é só futebol”???? O futebol é uma indústria de entretenimento que movimenta seguramente algumas centenas de bilhões de dólares anualmente. É o único esporte em que o dinheiro faz diferença, mas não toda a diferença. Fosse como outro esporte qualquer, os EUA seriam campeões mundiais há muito tempo. Então, conseguimos estar entre os melhores em algo importante na economia global, e tratamos isso com desprezo.

Por fim, a questão dos jogadores. Outro dia vi uma frase que dizia mais ou menos o seguinte: “enquanto você assiste 11 milionários correndo atrás de uma bola, o país continua com 12% de desempregados”. É a tradução perfeita do culto à mediocridade.

Cada um desses 11 milionários chegou lá por seus méritos. Não há atividade em que menos se possa esconder a falta de talento do que o futebol. A marcação a mercado é imediata. Jogou 3, 4 jogos mal, já começa a cobrança. O posto que Neymar conquistou é almejado por milhões de garotos no mundo inteiro. Lembro quando começou no Santos ao lado de Ganso. Eu achava Ganso melhor, mas foi Neymar que decolou. Quantas promessas não naufragam diante da pressão? Quem chega lá, chega porque foi mais competente em lidar com a pressão. Se são milionários é porque geram lucros para quem os financia. Seu sucesso vende produtos, suas imagens passam credibilidade. Os 11 milionários chutadores de bola são a imagem do sucesso, e o sucesso no Brasil, como já disse Tom Jobim, é ofensa pessoal.

Encerro com a antológica resposta que Joãozinho Trinta, carnavalesco da Beija-Flor por muitos anos e ganhador de vários carnavais, deu certa vez em uma entrevista. Questionado sobre o luxo de seus desfiles em contraste com a pobreza dos favelados que desfilavam, Joãozinho sapecou: “O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Gente, vamos parar de querer ser os “intelectuais” do futebol, aqueles que querem “abrir os olhos do povo” para as suas mazelas. O povo sabe muito bem o que sofre no dia a dia. Só quer se divertir um pouco e se sentir importante de 4 em 4 anos.