Transferência de popularidade

Em 2018, Bolsonaro ganhou no 1o e no 2o turnos no Macapá, com 44% e 55% dos votos, respectivamente. Dois anos depois, tentou transferir seu prestígio para o irmão de David Alcolumbre.

A “afinidade” com o presidente não serviu de muito: Josiel Alcolumbre perdeu a eleição para prefeito da cidade por 56% a 44%. O adversário é do Cidadania, mas apoiado pelo senador Randolfe Rodrigues, do Rede.

Ah, mas trata-se de uma eleição municipal fortemente influenciada pelo apagão, não tem nada a ver com a popularidade do presidente.

Verdade. Fica então a pergunta: se é desse modo, por que raios o presidente se incomodou em gravar um vídeo em apoio, se o que vale são “questões locais”? Em nome de sua aliança com Alcolumbre, um senador cujo poder tem data de validade?

Bem, qualquer que seja a explicação política por trás desse apoio, não deixou de ser um teste para a popularidade do presidente. No mínimo, não conseguiu reverter o efeito das “questões locais”. Coincidentemente, os resultados de Bolsonaro no Macapá em 2018 foram muito semelhantes à média nacional. Claro, seria um chute monumental afirmar que os resultados de 2020 seriam uma proxy do que vai acontecer em 2022. Primeiro, porque faltam dois anos. E, segundo, porque não sabemos se haverá um adversário viável. A única coisa que podemos afirmar é que a magia do bolsonarismo, que elegeu muitos governadores, senadores e deputados em 2018, perdeu a sua força. É definitivo? Só o tempo dirá.

Definição de chicana atualizada com sucesso

O STF já definiu que subsidiárias de estatais não precisam de autorização do Congresso para serem vendidas. Por exemplo, a Petrobras alienou o controle da BR Distribuidora e não houve nenhum questionamento a este respeito.

A BR Distribuidora já era uma subsidiária quando se decidiu abrir o seu capital. Pergunto: qual seria a diferença entre vender a subsidiária e transformar uma unidade de custo em uma subsidiária para vendê-la? Por que, em um caso, o STF permite a venda e, no outro, não permite? Não há lógica nenhuma nisso.

Quando uma empresa vende um negócio, esse negócio precisa estar debaixo de um CNPJ, para a segurança jurídica da transação. O CNPJ controla todos os ativos e passivos que estão sendo vendidos, além dos empregados, marcas, etc. O cerne da venda é a operação em si. Caso contrário, a Petrobras estaria vendendo a refinaria como ferro velho e o terreno para a construção de outra coisa. A lógica é exatamente a mesma da venda da BR Distribuidora.

Não no entendimento de, até agora, 3 ministros do STF e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que liderou o questionamento da operação. Para eles, a Petrobras estaria usando de “chicanas” para burlar o crivo que o Congresso tem sobre a venda de estatais. Como se uma refinaria fosse a própria estatal!

De chicanas o presidente do Senado entende bem, pois está, nesse exato momento, procurando uma para justificar sua reeleição. O STF, que também entende de chicanas, vai dar a palavra final para a pretensão da otoridade. Se for aprovada, as definições de chicana precisarão ser atualizadas.

Falta oposição

Destaco editorial do Estadão e duas notícias no mesmo jornal na página seguinte.

No editorial, o jornal pede candidamente que a oposição “se apresente”. Selecionei apenas o primeiro e o último parágrafos, que resumem a ideia. A angústia do editorialista é que, por mais que Bolsonaro não preencha o figurino do líder de que a nação precisa, não surge uma alternativa viável na oposição.

O diagnóstico do editorial está correto: é preciso um líder que “dialogue de verdade com a população”. Pois é. Para haver algum diálogo, é necessário que o interlocutor esteja disposto a ouvir. Não parece ser o caso da oposição a Bolsonaro.

Articular uma mensagem minimamente inteligível supõe não brigar com a realidade. Aqueles que poderiam ser a tal “oposição que se apresenta” fazem vista grossa para articulações no Congresso para burlar a Constituição (no caso da reeleição para as presidências das casas) e para a cada vez mais próxima suspeição de Moro no condenação de Lula.

Peguei esses dois casos particulares porque são notícia hoje, mas poderia fazer uma capivara muito mais longa com fatos que se acumulam e que justificam a eleição de Bolsonaro. Podemos dizer que as “instituições brasileiras” se esforçam para se auto dinamitarem. Bolsonaro é apenas o cara que dá risada quando tudo explode.

Concordo com o editorial do Estadão: a oposição precisa encontrar um discurso. Desde que esse discurso não colida com a realidade.

O sonso do ano

FHC é realmente inacreditável.

Gravar um vídeo para as Centrais Sindicais, em “evento” que contaria com a presença do condenado solto, é realmente do balacobaco.

Mereceu a notinha, que informa que ele só teve permissão para aparecer porque Lula deixou. Rindo litros.

Maia e Alcolumbre também foram convidados, mas gentilmente declinaram do convite, deixando FHC sozinho no pódio de sonso do ano.

Depois a popularidade de Bolsonaro não cai e não sabem porquê.

Bomba de fumaça

Ia comentar isso aí ontem, acabou não dando tempo.

Alcolumbre, não custa lembrar, foi a solução encontrada por Onyx Lorenzoni para tirar a presidência do Senado das mãos de Renan Calheiros. Foi o nome, portanto, que menos rejeição levantou por parte dos vários grupos que formam o Senado da República do Brasil. Alcolumbre é o Severino Cavalcanti do Senado, um Zé Ninguém do baixo clero que conseguiu reunir os desafetos de Renan.

A ideia de uma nova Constituinte é obviamente uma bomba de fumaça para distrair o nobre público diante das discussões sobe a PEC da 2a instância. Alcolumbre, como representante do baixo clero, representa o pensamento médio do Senado. Ou seja, a brilhante ideia não foi dele, mas do grupo que representa. Além de uma boa parte dos que apoiaram Renan. A maioria do Senado (e provavelmente da Câmara) não quer a PEC da 2a instância. Esta é a realidade, por mais triste que seja.

Pode até ser que a pressão popular faça alguma diferença. Tendo a duvidar.

Velha política a todo vapor

A história é a seguinte (leia aqui): Bolsonaro indicou dois conselheiros técnicos para o CADE, um indicado por Sérgio Moro e o outro por Paulo Guedes. No entanto, o presidente do Senado, o pequeno Davi, não gostou de não ter sido “consultado” antes das indicações. Como é o Senado que tem a prerrogativa de aprovar os nomes, criou-se um impasse.

Mas aí, acontece o plot twist: Bolsonaro, interessado na aprovação do 03 como embaixador em Washington (o que também depende de aprovação do Senado), retirou os nomes indicados para o CADE. Resultado: tudo parado, aguardando a “negociação” entre Bolsonaro e o pequeno Davi.

Nunca pensei que escreveria as palavras “negociação” e “Bolsonaro” na mesma frase. “Negociação” sempre foi sinômino de corrupção no léxico do capitão. Entretanto, bastou que estivesse envolvido algo realmente importante para o presidente, algo de muito significado, para que velhas convicções fossem jogadas ao mar.

Se era para negociar, que se fizesse desde o início. Não estaríamos com o CADE parado há um mês, com efeitos deletérios sobre a atividade econômica (recomendo a leitura do artigo no link). Mas não: Bolsonaro, como sempre, deu uma de durão, indicou sem negociar com ninguém, e agora resolveu recuar porque seus interesses pessoais foram contrariados.

Quem me acompanha aqui sabe que sempre considerei a negociação como parte da Política. Negociação não precisa necessariamente estar identificada com corrupção. Minha ficha caiu com relação a este governo no início da tramitação da reforma da Previdência, quando finalmente entendi que Bolsonaro não fora eleito para negociar com o Congresso. Seu exercício da Política seria feito através da imposição de uma agenda suportada pelo “povo nas ruas”, e pela indicação de quadros técnicos sem o aval de congressistas. Esperar que Bolsonaro adotasse a “velha política” da negociação era pura perda de tempo.

Descobrimos agora que a “nova política” serve somente para assuntos secundários, como a reforma da Previdência. Quando se trata de algo realmente importante, como a indicação de seu filho para a embaixada dos EUA, a “velha política” serve muito bem.