Um debate para lacrar

Minha particular avaliação do debate:

Bolsonaro: começou no modo Ciro Nogueira mas não se aguentou e logo adotou o modo Carluxo hard, o que lhe foi favorável, porque, ao menos, soou mais autêntico, que é a sua característica mais positiva. Seu ataque a Vera Magalhães foi seu ponto baixo ou alto, a depender do ponto de vista. Produziu memes para a sua torcida, mas saiu com alguns arranhões em um debate em que foi o alvo preferencial dos ataques dos outros candidatos e dos jornalistas.

Lula: de maneira geral mantém a sua verve, mas pareceu com sono no final do debate, a sua aparência não negou a passagem do tempo. Não conseguiu ser convincente ao se defender dos ataques pela corrupção nos governos do PT. Tentou se aproximar de Ciro e levou uma invertida. Enfim, sem brilho, considerando quem é.

Ciro: sem novidades, a mesma verborreia de sempre. Seu ponto alto foi a sapatada em Lula.

Tebet: serviu como linha auxiliar de Lula, ao atacar preferencialmente Bolsonaro, principalmente nas questões da pandemia e das mulheres. Ficou difícil saber a que veio a candidata.

D’Ávila: candidato de uma nota só, o não uso do fundo partidário. Até que foi enquadrado pela Soraya Thronicke, que disse o óbvio: nem todos os candidatos têm o patrimônio e os amigos que D’Ávila tem. Seu media training disse para ser firme e olhar fixamente na câmera, o que ele cumpriu obedientemente, mas soou artificial e pareceu um político canastrão. Suas ideias são excelentes, as melhores, mas lhe falta o catch político, aquele jogo de cintura que lhe permite sair do script e aproveitar o momento para se diferenciar.

Soraya Thronicke: a surpresa da noite. No início já disse ao que veio, afirmando que é fácil elogiar o SUS não sendo usuário do sistema. Distribuiu sapatadas em Lula e Bolsonaro igualmente e enquadrou D’Ávila na questão do fundo partidário. Esteve sempre tranquila e pareceu mais autêntica do que Tebet. Não fosse seu vice e a ideia esdrúxula do imposto único, consideraria meu voto. Foi a vitoriosa do debate e deve conquistar alguns pontos nas próximas pesquisas.

Jornalistas: escolheram Bolsonaro como alvo e esqueceram Lula. O debate teve lado.

Resultado final: não creio que o debate mova o ponteiro das pesquisas, a não ser para Soraya Thronicke. Achei que os candidatos e jornalistas exploraram pouco a questão da inflação que, segundo as pesquisas, é o que mais preocupa os brasileiros no momento. Preferiram corrupção e mulheres. Ou seja, foi um debate para lacrar, e não para discutir os reais problemas dos brasileiros.

Impressões sobre o debate no SBT

No #debateSBT vi alguns movimentos interessantes, que indicam a tática para esta reta final no 1o turno, e podem dizer um pouco sobre apoios no 2o turno:

– Álvaro Dias foi o mais vocal contra o PT, chamando o partido de “organização criminosa”. Nem citou Bolsonaro. Surfando na onda anti-petista no sul, pode declarar apoio ao candidato do PSL.

– Ciro também foi agressivo com o PT. Pelo visto, ainda não desistiu de ser visto como uma 3a via, uma alternativa da esquerda para bater Bolsonaro. As pesquisas de 2o turno lhe dão razão.

– Alckmin bate no PT e em Bolsonaro, mas quase en passant. Gasta o grosso do seu tempo com platitudes, do tipo “precisamos investir em infra-estrutura”. Soltou um “resolutividade” no meio de uma resposta, o que deve ter lhe roubado 0,5% das intenções de voto.

– Haddad vai bem. É inteligente, rápido e articulado nas respostas, e tem um script que executa bem, a mistificação dos bons tempos do Lula. Tem um patrimônio para mostrar, e mostra com habilidade. Mas tenho a impressão de que, se pegar o ex-capitão inspirado em um debate no 2o turno, vai ser comido com farinha, pois será tirado de sua zona de conforto, coisa que só Álvaro Dias tentou uma vez, e com relativo sucesso.

– Marina: oi?

– Meirelles: muito ruim. Mas muito ruim mesmo.

– Cabo Daciolo: respondendo a uma pergunta de Guilherme Boulos, proclamou seu amor às mulheres brasileiras e “profetizou” sua vitória em 1o turno, em nome de Deushhhhh. (um debate em que Boulos faz pergunta a Daciolo, ambos com traço nas pesquisas, e deixa Amoedo, tecnicamente empatado com Marina, de fora, tem alguma coisa muito errada).

– Bolsonaro: o grande vitorioso da noite, porque não apanhou muito. Seu nome só foi pronunciado por Boulos e por Carlos Nascimento, que lembrava, no início de cada bloco, que ele não estava presente porque havia sofrido um ataque (propaganda subliminar positiva). O tema das mulheres foi tocado algumas vezes, principalmente pela Marina, o que indiretamente o prejudica. A essa altura, Bolsonaro está tocando a bola no meio de campo esperando o fim do 1o tempo. Quanto menos aparecer, melhor.

Quem lacra não se elege

Só pra relembrar o trecho onde a jornalista Vera Magalhães louva a “lacração” de Marina Silva no debate da RedeTV. Ela não estava sozinha, a performance da candidata da Rede foi cantada em verso e prosa por todo o jornalismo “bem-pensante” do país. Enfim, alguém havia tomado coragem para enfrentar o Ogro!

Deu muito resultado mesmo. Estamos vendo nas últimas pesquisas.

Não há como Bolsonaro vencer um debate

Segundo reportagem do Estadão, estima-se que o debate entre Collor e Lula, em 1989, tenha sido assistido por 100 milhões de pessoas. Já a audiência do último debate entre Dilma e Aécio em 2014 foi de 1,5 milhão de domicílios, ou 6 milhões de pessoas.

As regras rígidas e o crescente cansaço com a política podem explicar essa brutal queda de audiência.

Os debates, portanto, valem pela sua repercussão na imprensa nos dias seguintes mais do que pela audiência em si.

Segundo essa repercussão, Marina foi a grande ganhadora do debate na Rede TV, e Bolsonaro o grande perdedor.

Eu assisti e não vi nada disso. Vi, repito, um embate equilibrado nas ideias e uma vantagem de Bolsonaro na postura, pois Marina mostrou desequilíbrio ao tentar interrompê-lo fora das regras. Fosse uma luta de boxe, eu daria vitória por pontos para Bolsonaro, mas poderia discutir um empate. A imprensa deu vitória de Marina por nocaute.

Bolsonaro sacou que não tem como ser vencedor de nenhum debate. O resultado já está dado.

Ele considerou que é melhor perder de W.O. do que de goleada. Talvez seja uma boa tática para o 1o turno, aliás, tática usada com frequência pelos líderes isolados no 1o turno. Vamos ver.

Inversão de papeis

Ainda sobre salários de homens e mulheres.

Em determinada altura do debate, Bolsonaro é questionado por Meirelles sobre a política salarial para as mulheres. Bolsonaro responde que isso já está na CLT, e a lei precisa ser respeitada. Meirelles insiste na réplica, dizendo que a lei, apesar de existir, não é cumprida, e que, no seu governo, este assunto merecerá especial atenção.

Então acontece, na minha visão, a inversão dos papeis que normalmente associamos a Bolsonaro e a Meirelles. Em sua tréplica, Bolsonaro insiste que a lei deve ser cumprida. Mas chama Meirelles de demagogo, ao querer explorar esta questão para jogar as mulheres contra ele. Insiste, nesse sentido, que o governo não tem nada que se meter na vida das empresas.

Essa questão da diferença salarial entre homens e mulheres é muito complexa. Não conheço estudo que comprove, controlando por todas as variáveis relevantes, esta diferença. Pode existir tal estudo, reconheço minha ignorância neste assunto. E também não estou dizendo que a diferença não exista. Estou apenas supondo que, se existe, pode ser explicada por outras variáveis que não o gênero. Como eu disse, a questão é muito complexa para se prestar a tratamentos demagógicos.

Mas o ponto não é se existe ou não a diferença. O ponto é que, se existe esta diferença, pode haver uma explicação econômica por trás, que deve ser investigada. Acontece que este debate não está no plano econômico, mas sim, sociológico. Os empresários pagariam menos para as mulheres por puro preconceito, e não por razões econômicas. Aí, não tem jeito, só uma lei para resolver.

O que Bolsonaro diz, por incrível que pareça, tem muito mais bom senso do que o que Meirelles diz a respeito do assunto. O capitão afirma que o governo não deve se meter na vida das empresas. Estamos cansados de ver leis que tornam a vida dos empresários um inferno e que, no limite, impedem a atividade econômica. Uma lei que promovesse a igualdade de salários entre homens e mulheres na marra seria tão complexa, envolveria tantas variáveis, seria tão difícil de implementar, que apenas faria a festa dos fiscais do trabalho, sem resolver realmente o problema.

E não resolveria por um motivo muito simples: o problema tem natureza econômica, não sociológica. No limite, o empregador deixaria de empregar mulheres, por absoluta incapacidade de cumprir a lei. O passo seguinte seria criar cotas para mulheres, em mais uma intromissão do Estado na vida das empresas. Curioso que o “estatista” Bolsonaro esteja defendendo a liberdade das empresas de atuarem de acordo com a lógica empresarial, e o “liberal” Meirelles esteja defendendo a intervenção do Estado na vida das empresas apenas para supostamente ganhar alguns votos de mulheres e ficar bem com o politicamente correto.

Não estou aqui defendendo uma ou outra visão. Estou apenas chamando a atenção para a inversão de papeis: o “populista” Bolsonaro assumindo posições pouco populares e indo um pouco além da platitude “não deve haver nenhuma discriminação”, e o “estadista” Meirelles defendendo medidas demagógicas de implementação pra lá de complicada. Muito interessante.

Fake news com pedigree

Curioso como são as percepções.

Eu assisti ao mesmo trecho do debate que Vera Magalhães descreve acima, e tive uma impressão completamente diferente.

Bolsonaro estava respondendo a uma questão sobre as mulheres feita por Marina. Em determinado momento, Marina tenta interromper a fala de Bolsonaro, o que não estava previsto nas regras do debate. Foi o único incidente desse tipo na noite. Bolsonaro interrompeu sua resposta para chamar a atenção de Marina sobre o cumprimento das regras.

Qual foi minha percepção? A de que Marina não aguenta pressão e pode espanar na primeira crise de governo. Já Bolsonaro, descontando-se sua chucrice, se mostrou senhor da situação. Já Vera Magalhães viu “pressão” sobre Bolsonaro, assim como de resto o próprio Estadão, que estampou esse embate na capa.

Bem, “pressão” sofreram todos os candidatos que contam, e não acho que Bolsonaro tenha se saído pior ou melhor ao lidar com isso. Como eu disse ontem, não acho que ele tenha ganhado ou perdido votos depois do debate.

Mas essa é a minha percepção, e Vera Magalhães pode ter outra, sem problemas. O que não pode é espalhar fake news, como destacado no texto acima.

Fui ver o tal programa com a Luciana Giménez. É fácil de achar, está no YouTube. A pergunta era essa: “você disse que mulheres devem ganhar menos que homens porque engravidam. Confirma?”

Bolsonaro então se justificou dizendo que o que ele havia dito para o repórter do jornal é que empregadores haviam dito isso para ele, e que o repórter havia colocado isso na conta dele.”

Ok,Bolsonaro pode estar inventando isso. Ainda que, do jeito que ele defende suas ideias, por mais polêmicas que sejam, parece-me que ele não teria dificuldade em confirmar se fosse verdade. Mas sigamos, o problema vem em seguida.

Não satisfeita, como boa jornalista, Luciana pressiona Bolsonaro, perguntando se ele próprio achava aquilo certo ou errado. Depois de enrolar um pouco, Bolsonaro diz: “Eu pagaria o mesmo sem problemas, tem muita mulher que é competente”. A primeira parte sai mascada porque ele fala rápido e, principalmente, porque a última parte da resposta, “tem muita mulher competente” é repetida alto por Luciana, como se fosse uma confissão de machismo. Ela repete com ênfase: “Tem muita mulher competente! Olha o que você acabou de dizer Bolsonaro! Você é um ogro!” Ora, se ele tivesse dito que pagaria menos, isto é que seria o foco da atenção, e não a frase “tem muita mulher competente”. Luciana pega essa frase porque não há mais nada de concreto.

Podemos até discutir se o que Bolsonaro disse transpira machismo ou não. Mas ele não disse, como afirma Vera Magalhães, que acha certo que mulheres recebam menos que homens, “apesar de” existirem mulheres competentes. Isso é militância sobrepujando-se ao jornalismo, é fake news com pedigree.

A democracia nos garante a escolha do candidato que melhor (ou menos pior) se adeque às nossas convicções e desejos. Mas deixa de funcionar se é baseada na mentira.

PS.: Bolsonaro não é meu candidato. Mas a imprensa, desse jeito, está fazendo um esforço danado para que eu considere essa possibilidade, talkey?