Entrevista com o governador do RS, Eduardo Leite. Em determinado momento, o repórter pergunta a respeito da privatização da Corsan, a estatal de saneamento do Estado. Leite justifica a privatização dizendo o óbvio: nem a empresa e nem o Estado dispunham de recursos suficientes para os investimentos requeridos pelo novo marco do saneamento. Então, a única alternativa era vender a empresa para algum grupo capitalizado e disposto a realizar os investimentos.
Foi exatamente para isso que foi aprovado o novo marco do saneamento: aumentar os investimentos no setor por meio da exigência de capacidade mínima de investimento por parte das empresas do setor.
O que está acontecendo agora? O governo do PT busca fazer mudanças no marco, de modo a acomodar mais de 500 contratos entre governos e empresas estatais, que já deveriam estar extintos por falta de capacidade de investimento. O resultado, se a iniciativa tiver sucesso, será o atraso no cronograma de universalização da cobertura de saneamento básico no País. No mínimo estranho, para quem se diz tão preocupado com as condições de vida do povo.
A notícia da aprovação, por parte da Rede, da composição de uma federação com o PSOL, é o fio da meada que nos permitirá entender a natureza da política partidária brasileira.
Comecemos por Marina Silva. Marina apareceu no cenário nacional nas eleições presidenciais de 2010, quando obteve um surpreendente terceiro lugar sendo filiada ao pequenino PV. Chegou a ser chamada de “Lula de saias” pela sua origem humilde. Empoderada pela sua performance, quis tomar conta do partido, mas não contava com a astúcia do dono do PV, José Luis Penna, que lhe fechou a porta. Assim, Marina Silva deixou o PV em 2011 e se lançou à aventura de formar o próprio partido. Descobriu, a duras penas, que é mais fácil obter 20 milhões de votos em uma eleição do que 500 mil assinaturas para formar um partido. Mas o ponto a que eu queria chamar a atenção é outro: Marina privilegiou seu projeto pessoal em detrimento da fidelidade a um partido.
Marina não está sozinha. A Rede elegeu 5 senadores em 2018. Hoje só resta um, Randolfe Rodrigues. Um desses senadores, Alessandro Vieira, migrou para o Cidadania, certamente de olho em voos mais altos. Com o anúncio da federação entre PSDB e Cidadania, e a óbvia dificuldade de tirar Doria do posto de candidato do agrupamento, Alessandro anunciou a saída da legenda. Seu projeto pessoal foi mais forte do que a fidelidade a um partido.
Fabiano Contarato foi outro senador eleito pela Rede que acabou de anunciar a desfiliação para tocar o seu projeto pessoal de se candidatar ao governo do Espírito Santo. Lula, que de bobo não tem nada, lhe dará a legenda.
Mas projetos pessoais não são monopólio da Rede. O governador Eduardo Leite, derrotado nas prévias do PSDB, deve se desfiliar para tocar o seu projeto pessoal de ser candidato à presidência. Alckmin também se desfiliou do PSDB para tocar o seu projeto pessoal. Bolsonaro, não tendo conseguido fundar um partido para chamar de seu e tendo perdido a briga com Luciano Bivar pelo controle do PSL, migrou para o PL para continuar tocando o seu projeto pessoal. Mesmo o PT não passa de um grande projeto pessoal de Luís Inácio Lula da Silva. No dia em que Lula desaparecer do cenário político nacional, o PT será apenas mais um par de letras na sopa de letrinhas que forma a política partidária brasileira.
Obviamente, o elemento pessoal conta muito em eleições, aqui no Brasil e em qualquer lugar do mundo. Isso é uma coisa. Outra coisa é subordinar os interesses do partido a projetos pessoais. Em democracias consolidadas, por mais carismático que seja um político, ele não sai do lugar se não conquistar corações e mentes de um grande partido, o que lhe dá sustentação para governar depois. Aqui, os partidos são meras fachadas para projetos pessoais. Não à toa, a governabilidade somente é possível na base de mensalões, petrolões e emendas secretas.
Tem jeito? Não. Mesmo políticos com ares modernos, como Eduardo Leite ou Alessandro Vieira, não escapam dessa lógica. É da nossa natureza, está em nosso DNA. Conforme-se, é o que temos para hoje.
Você não comeria salsichas se soubesse como são feitas. Esse velho ditado serve também para as notícias, principalmente políticas. A de hoje é um típico exemplo: o “Planalto” vê com preocupação uma eventual candidatura do governador Eduardo Leite. No entanto, a notícia correta é: o Planalto torce por uma candidatura Eduardo Leite.
Em primeiro lugar, foi o “Planalto” quem plantou essa “notícia”. Não houve um esforço de apuração que desvendou uma notícia que o “Planalto” gostaria de ver oculta. Não. Ocorreu o inverso: alguém próximo de Bolsonaro deve ter soprado no ouvido do repórter a história. Daí, foi só ouvir também os “aliados de Leite”, e o balão de ensaio está aí, pronto para subir.
O interesse do “Planalto” no assunto é óbvio: quanto mais fragmentada estiver a chamada “terceira via”, menor a chance de Lula e Bolsonaro não disputarem o segundo turno. Uma candidatura Leite teria mais chance de roubar votos de Lula, de Bolsonaro ou de um outro candidato? I rest my case.
Nessa linha, o “Planalto” deve estar comemorando a movimentação do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa. Tal qual um Huck de toga, Barbosa aparece de 4 em 4 anos como um nome com “bom potencial de votos”. Daqui a pouco, aparece uma notícia dando conta que o “Planalto” está também “preocupado” com essa candidatura.
O Valor Econômico pediu ao Instituto Atlas uma pesquisa eleitoral entre os eleitores do Rio Grande do Sul. Como sabem, sou cético com relação a este tipo de pesquisa a mais de um ano da campanha eleitoral. A essa altura, é mais uma pesquisa de “recall de marca” do que verdadeiramente de intenção de voto. Mas, tendo dito isso, essa pesquisa traz algumas informações interessantes, que gostaria de comentar aqui.
O dado que mais me chamou a atenção foi a coincidência das intenções de voto em Bolsonaro em qualquer cenário: 1/3 dos votos. Sendo que este percentual coincide com a avaliação positiva do presidente. Parece até uma constante física: 1/3 dos gaúchos aprovam o presidente e pretendem votar nele, independentemente de qualquer cenário eleitoral.
Apesar da resiliência, o copo meio vazio para o presidente é que o RS deu 53% de seus votos no 1o turno de 2018 para o então candidato Bolsonaro. Ou seja, nesses dois anos, 40% desses votos foram perdidos. Mas, como disse acima, estamos distantes da campanha eleitoral, que pode recuperar esses votos ou minar ainda mais a posição.
Com 1/3 firme e forte ao lado do presidente, os outros 2/3 se dividem entre os outros candidatos. Na pesquisa aberta a todos os candidatos, Lula consegue os mesmos 1/3 de Bolsonaro, e os outros 1/3 se dividem entre todos os outros candidatos. O governador gaúcho Eduardo Leite (com bom nível de aprovação e de recall entre os gaúchos) e Ciro Gomes lideram as intenções dessa “terceira via”. Até aqui, nenhuma novidade, a não ser o fato de Eduardo Leite aparecer bem, o que mostra o poder do recall.
O interessante acontece quando a pesquisa fecha em 4 candidatos: Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes e um 4o candidato do PSDB, representando a tal “terceira via”. Achei inteligente não ter excluído Ciro Gomes desse cenário, pois torna a pesquisa mais realista. Ciro Gomes não vai desistir de seu projeto e, na verdade, trata-se de uma falsa “terceira via”. Ciro, apesar de suas desavenças com Lula, tem muito mais similaridades do que diferenças com o PT, de modo que, na minha opinião, não se qualifica como “terceira via”.
Vamos aos resultados: quando esse 4o candidato é Eduardo Leite, consegue amealhar metade do 1/3 dos votos da “terceira via”. A outra metade vai para Lula e Ciro Gomes. Ou seja, mesmo no RS, com bom índice de aprovação e alto recall, o candidato da “terceira via” não consegue ameaçar os dois primeiros colocados.
Os resultados de Doria e Tasso são piores do que os do governador gaúcho, mas aí atribuo mais à falta de conhecimento (novamente, o recall) do que pela intenção de voto. Na campanha, os números dos dois poderiam se aproximar do que tem hoje Eduardo Leite. De qualquer modo, continua sendo apenas metade dos 1/3 dedicados à “terceira via”.
Vale notar que, no cenário fechado a 4 candidatos, praticamente nenhum voto migra para Bolsonaro. Se o presidente tem 1/3 de eleitores fiéis, sua grande desaprovação impede aumentar este contingente. Ou seja, na foto de hoje, Bolsonaro tem votos suficientes para ir ao 2o turno mas não para ganhar a eleição. Não estão nesses gráficos, mas a pesquisa também mediu intenção de voto no 2o turno e, sem surpresas, Bolsonaro perde de praticamente todos os outros candidatos relevantes. Digo sem surpresas porque esta é a conclusão que se chega ao analisar a migração de votos nos vários cenários eleitorais do 1o turno.
Essa pesquisa tem limitações importantes: trata-se de um microcosmo (o estado do RS) e está sendo feita a mais de um ano do início da campanha eleitoral. Mas por ser feita na terra de um dos favoritos a assumir a bandeira da “terceira via”, é útil para medir a força dessa ideia. E as notícias definitivamente não são boas para quem está buscando este Santo Graal.
Eliane Catanhêde é colunista política. Não é analista nem muito menos cientista política. É colunista. E, sendo colunista, tudo o que escreve tem fonte, tenha sempre isso em mente.
Não é à toa que o nome de Luiza Trajano aparece nesta coluna. Noutro dia, o nome da fundadora da Magazine Luiza apareceu em uma outra notinha como vice dos sonhos de Lula.
Luiza Trajano está se preparando para entrar no jogo da sucessão de 2022. A colunista descarta Eduardo Leite, por ter “pouca experiência política” mas acolhe o nome de Trajano como uma alternativa séria. No fundo, o que Catanhêde e todos os jornalistas e analistas buscam desesperadamente é uma alternativa “de centro” viável.
Por algum motivo misterioso, Trajano teria chances reais em um campo onde nomes muito mais consistentes como Doria, Huck, Moro e até Eduardo Leite já não têm chances. O desespero obnubila o raciocínio das pessoas.