O difícil caminho da terceira via

O Valor Econômico pediu ao Instituto Atlas uma pesquisa eleitoral entre os eleitores do Rio Grande do Sul. Como sabem, sou cético com relação a este tipo de pesquisa a mais de um ano da campanha eleitoral. A essa altura, é mais uma pesquisa de “recall de marca” do que verdadeiramente de intenção de voto. Mas, tendo dito isso, essa pesquisa traz algumas informações interessantes, que gostaria de comentar aqui.

O dado que mais me chamou a atenção foi a coincidência das intenções de voto em Bolsonaro em qualquer cenário: 1/3 dos votos. Sendo que este percentual coincide com a avaliação positiva do presidente. Parece até uma constante física: 1/3 dos gaúchos aprovam o presidente e pretendem votar nele, independentemente de qualquer cenário eleitoral.

Apesar da resiliência, o copo meio vazio para o presidente é que o RS deu 53% de seus votos no 1o turno de 2018 para o então candidato Bolsonaro. Ou seja, nesses dois anos, 40% desses votos foram perdidos. Mas, como disse acima, estamos distantes da campanha eleitoral, que pode recuperar esses votos ou minar ainda mais a posição.

Com 1/3 firme e forte ao lado do presidente, os outros 2/3 se dividem entre os outros candidatos. Na pesquisa aberta a todos os candidatos, Lula consegue os mesmos 1/3 de Bolsonaro, e os outros 1/3 se dividem entre todos os outros candidatos. O governador gaúcho Eduardo Leite (com bom nível de aprovação e de recall entre os gaúchos) e Ciro Gomes lideram as intenções dessa “terceira via”. Até aqui, nenhuma novidade, a não ser o fato de Eduardo Leite aparecer bem, o que mostra o poder do recall.

O interessante acontece quando a pesquisa fecha em 4 candidatos: Lula, Bolsonaro, Ciro Gomes e um 4o candidato do PSDB, representando a tal “terceira via”. Achei inteligente não ter excluído Ciro Gomes desse cenário, pois torna a pesquisa mais realista. Ciro Gomes não vai desistir de seu projeto e, na verdade, trata-se de uma falsa “terceira via”. Ciro, apesar de suas desavenças com Lula, tem muito mais similaridades do que diferenças com o PT, de modo que, na minha opinião, não se qualifica como “terceira via”.

Vamos aos resultados: quando esse 4o candidato é Eduardo Leite, consegue amealhar metade do 1/3 dos votos da “terceira via”. A outra metade vai para Lula e Ciro Gomes. Ou seja, mesmo no RS, com bom índice de aprovação e alto recall, o candidato da “terceira via” não consegue ameaçar os dois primeiros colocados.

Os resultados de Doria e Tasso são piores do que os do governador gaúcho, mas aí atribuo mais à falta de conhecimento (novamente, o recall) do que pela intenção de voto. Na campanha, os números dos dois poderiam se aproximar do que tem hoje Eduardo Leite. De qualquer modo, continua sendo apenas metade dos 1/3 dedicados à “terceira via”.

Vale notar que, no cenário fechado a 4 candidatos, praticamente nenhum voto migra para Bolsonaro. Se o presidente tem 1/3 de eleitores fiéis, sua grande desaprovação impede aumentar este contingente. Ou seja, na foto de hoje, Bolsonaro tem votos suficientes para ir ao 2o turno mas não para ganhar a eleição. Não estão nesses gráficos, mas a pesquisa também mediu intenção de voto no 2o turno e, sem surpresas, Bolsonaro perde de praticamente todos os outros candidatos relevantes. Digo sem surpresas porque esta é a conclusão que se chega ao analisar a migração de votos nos vários cenários eleitorais do 1o turno.

Essa pesquisa tem limitações importantes: trata-se de um microcosmo (o estado do RS) e está sendo feita a mais de um ano do início da campanha eleitoral. Mas por ser feita na terra de um dos favoritos a assumir a bandeira da “terceira via”, é útil para medir a força dessa ideia. E as notícias definitivamente não são boas para quem está buscando este Santo Graal.

O marqueteiro volta à ativa

João Santana foi contratado por Ciro Gomes.

João Santana foi o marqueteiro do PT nas campanhas de 2006, 2010 e 2014. É um gênio. Logo após um dos debates entre Dilma e Aécio, em que Dilma foi tratorada pelo adversário, a presidente passou mal. Dizem que simulou a mando do marqueteiro, mas isso é difícil de provar. De qualquer forma, Santana viu ali a oportunidade para reposicionar a candidata: sai a mulher forte, entra a mulher frágil, maltratada por um homem. Dali em diante, Aécio precisou se defender a respeito da questão. Também foi dele a peça que destruiu Marina Silva, aquela em que a comida desaparece da mesa do pobre. Um soco abaixo da linha da cintura e, por isso mesmo, muito eficaz.

João Santana e sua esposa foram condenados por Sérgio Moro. Lavagem de dinheiro, foi o crime. Santana recebeu dinheiro de corrupção para prestar os seus serviços, tendo consciência de sua origem, segundo o suspeitíssimo juiz.

Obviamente nada daquilo aconteceu, foi tudo perseguição de um juiz suspeito. Ciro fica, assim, livre para contratar o marqueteiro e ainda posar de 2o ser humano mais honesto do planeta (o 1o todos sabem quem é). Tudo isso graças à máquina de lavagem de reputações que funciona em uma das pontas da praça dos 3 poderes.

O anúncio de Ciro se deu no mesmo dia em que o pleno do Supremo confirmou a suspeição de Moro. Mas foi só uma coincidência.

A busca pela terceira via

Tenho observado com vivo interesse o movimento para encontrar uma terceira via para enfrentar os “extremos” representados por Bolsonaro e Lula. Muitos não querem (eu me incluo) ter que escolher entre os dois no 2o turno de 2022.

Para tanto, muito se tem falado em unificar a candidatura de centro, pois a chance seria maior de passar para o 2o turno contra um dos dois. Será?

Fiz uma pesquisa em todas as eleições desde a redemocratização. As duas únicas eleições em que a soma das votações de todos os candidatos que não os dois mais votados excedeu a votação do 2o colocado (ou seja, esse hipotético “tercius” teria ido ao segundo turno) foram as eleições de 1989 e 2002.

Em 1989, a soma das votações de Brizola, Covas, Maluf, Afif, Ulysses e uma longa lista de outros candidatos somou 50,8%, bem mais do que os 16,7% obtidos por Lula, o segundo colocado. Na verdade, em tese, se somente Brizola e Covas tivessem se unido, os seus 27,2% de votos teriam tirado Lula do 2o turno. Em tese.

Em 2002, as votações de Anthony Garotinho e Ciro Gomes somaram 29,8%, contra 23,2% de José Serra, o 2o colocado naquele ano. Vamos analisar este caso mais de perto.

Digamos que Garotinho tivesse aberto mão de sua candidatura em favor de Ciro. Será que Ciro Gomes teria herdado todos os votos de Garotinho? Não será que uma parte desses votos teria ido para Serra, mantendo-o no 2o turno?

Tivemos uma experiência semelhante na eleição de 2014. Marina Silva era esse “tertius” contra a “polarização” entre PT e PSDB, a que mais chegou perto de tirar um dos dois partidos do 2o turno, tanto em 2010, quando teve 19,3% dos votos, quanto em 2014, quando teve 21,3% dos votos. Mas em 2014, ao contrário de 2010, Marina Silva declarou apoio formal à candidatura de Aécio Neves. Tivemos, então, a oportunidade de observar a migração de votos causada por esse apoio. Foi como se Marina tivesse aberto mão de sua candidatura em favor de Aécio.

Para acompanhar melhor o que aconteceu, vejamos os números desse eleição (os números se referem às votações no 1o e 2o turnos, respectivamente):

  • Dilma: 41,6% / 51,6%
  • Aécio: 33,6% / 48,4%
  • Marina: 21,3%
  • Outros: 3,5%

O resultado: dos 21,3% recebidos por Marina, no mínimo 6,5 pontos percentuais foram para Dilma, que aumentou a sua votação de 41,6% no 1o turno para 51,6% no 2o turno (estou assumindo que os outros 3,5 pontos percentuais que faltam para completar os 10 pontos vieram dos outros candidatos). O restante (no máximo 14,8 pontos percentuais) foi para Aécio. Ou seja, a migração não foi suficiente para dar a vitória a Aécio.

Digamos que, desses 6 que assinaram o tal “Manifesto pela Democracia”, se encontre um candidato único. Quanto dos votos que os outros candidatos teriam migrarão efetivamente para o “candidato escolhido”? Vou dar um exemplo concreto: digamos que esta terceira via seja Ciro Gomes. Quantos votos o coronel vai herdar dos supostos eleitores de Doria ou de Moro? E vice-versa?

Parece-me que aqueles que estão preocupados em encontrar uma terceira via que unifique todas as candidaturas fariam melhor em encontrar um candidato, qualquer um. O triste fato é que há um deserto de opções com chances reais de desafiar o presidente e o ex-presidente. Eu iria além: mesmo que Lula não possa concorrer, não há, hoje, opções com chances reais de desafiar o presidente e qualquer candidato do PT.

Um candidato com chances reais, qualquer que seja, saberá encontrar o seu caminho para ganhar corações e mentes dos eleitores, sem precisar construir estruturas artificiais. O desafio não é encontrar um candidato único. É encontrar um candidato.

A performance de Lula em São Paulo

Pesquisa do instituo Ipespe, patrocinada pela XP, trouxe números de intenção de voto no estado de SP.

Fiquei um pouco desconfiado da intenção de voto em Lula em um dos estados mais anti-petistas da Federação, cerca de 28% já no 1o turno, a depender dos seus concorrentes. Fui olhar o histórico, para tentar entender a probabilidade de isso, de fato, ocorrer. O resultado está resumido no gráfico abaixo.

O PT obteve esse nível de votação no Estado nas eleições da década de 90 e, depois, com Dilma em 2014. Nas eleições em que Lula participou, teve votações expressivamente mais altas, aí incluindo a eleição de 2010, em que Dilma era a “mulher do Lula”.

Ou seja, há um potencial sim de votos em SP para Lula. Claro, há uma Lava-Jato no meio do caminho, o Petrolão e tudo o mais. A pergunta é: esse fator continuará pesando em 2022 como pesou em 2018, quando Haddad (que não era Lula) teve pífios 16% no Estado? É provável que sim, mas com menor intensidade. Muita coisa aconteceu depois, e essas lembranças vão se esmaecendo com o tempo. Lembrando que Dilma teve 26% dos votos no 1o turno em SP em 2014, mesmo já com o início do desgaste do Petrolão. E Dilma, assim como Haddad, não era Lula.

Tendo dito tudo isso, continuo com a tese de que pesquisas a um ano e meio das eleições são, na verdade, pesquisa de recall. Coloco aqui a pesquisa de intenção de voto feita em maio de 1993, em que Sarney aparece em segundo lugar, somente atrás de Lula. José Sarney, um dos presidentes mais impopulares da história!

Claramente, as pessoas se lembravam do nome e já haviam se passado 3 anos desde o fim do seu governo, com um impeachment no meio. Enfim, a lembrança de seu desastroso governo começava a se esmaecer.

Por outro lado, a pesquisa aproximou muito bem a votação de Lula no 1o turno.

Entre o ‘bandido’ e o ‘genocida’

Em 2018, fiquei rouco de dizer aqui que Alckmin estava polarizando com a pessoa errada. Em uma eleição marcada pelo anti-petismo, o candidato do PSDB deveria convencer o eleitorado de que era tão ou mais anti-petista do que Bolsonaro. Essa era a única (pequena) chance de chegar ao 2o turno, fosse contra Bolsonaro, fosse contra o candidato do PT. A campanha de Alckmin, na época, escolheu bater em Bolsonaro, inclusive mimetizando a agenda de costumes do PT. Sozinho no campo do anti-petismo, Bolsonaro nadou de braçada.

Em 2022, o anti-petismo terá um papel bem menor, mas ainda terá um papel. O papel será bem menor porque o tempo passa, as lembranças se confundem na memória, e hoje Bolsonaro é a vidraça. Mas, mesmo sendo menor, terá o seu papel. Muitos votarão em Bolsonaro para não devolver o poder ao PT.

Nesse sentido, a análise do professor Carlos Pereira é perfeita, e me lembra a análise que fiz sobre Alckmin em 2018. Essa tal “frente do Centro”, ao bater somente em Bolsonaro, implicitamente considera que Bolsonaro já está no 2o turno. Pretende, portanto, roubar a vaga de Lula. Mas essa é uma aposta arriscada, mesmo considerando que o anti-petismo perdeu força na sociedade. O risco é o candidato desse polo ser considerado uma “quinta coluna” do petismo e deixar o campo anti-petista novamente todo para Bolsonaro.

Esses “candidatos do centro” começariam bem, por exemplo, ao reconhecer que Bolsonaro não é a única ameaça à democracia. Lula e seu partido minaram as instituições democráticas de várias maneiras, e isso deve ser igualmente explicitado em seu posicionamento. Mas o seu “manifesto pela consciência democrática” passa a ideia de que somente agora a nossa democracia estaria sob risco. Ou ajustam o discurso, ou o seu candidato, qualquer que seja, terá os mesmos votos de Alckmin em 2018.

Entre Lula e Bolsonaro

“Entre Bolsonaro e Lula, eu voto no Lula”.

Ouvi esta frase hoje de uma senhora de seus mais de 70 anos, classe média baixa paulistana, que votou em Bolsonaro em 2018 meio desconfiada. Sua nova convicção nasceu dessa confusão toda da epidemia/vacinação.

Claro, faltam ainda muitos meses até colocar o voto na urna. Muita água vai rolar. Mas essa manifestação me fez pensar: uma parte daquele eleitorado que deu a vitória a Bolsonaro no 2o turno se foi. E pior, se virou para o seu adversário, qualquer que seja ele, até Lula. Isso indica rejeição.

Bolsonaro pode virar esses votos? Pode. Como? Adotando uma nova postura, mais conciliadora, mais colaborativa, menos beligerante. Sendo mais, digamos, presidencial. Vai adotar? Só o tempo dirá se o escorpião mudará sua natureza.

A exemplo do PT, que entregou o país a Bolsonaro de tanto errar, Bolsonaro entregará o país de volta ao PT, de tanto errar.

PS.: não adianta dizer que, por mais que ele faça, a mídia será contra ele, nada vai mudar. Bolsonaro ganhou a eleição de 2018 com essa mídia que está aí. E a explicação era que a velha mídia estava morta, o que importava era a presença nas redes sociais. Por que agora a vitória de Bolsonaro em 2022 dependeria de uma cobertura favorável da mídia?

Stuhlberger me representa

Luís Stuhlberger, gestor do fundo Verde, é um dos mais bem sucedidos gestores de recursos do Brasil. Se tem alguém que traduz o sentimento da tal “Faria Lima”, é ele. Esse trecho de sua entrevista destacado abaixo resume o que pensam os “farialimers” que não têm compromisso ideológico com nenhum dos dois lados, que desejam apenas ter um bom ambiente de negócios: tanto faz Lula ou Bolsonaro, ambos são igualmente ruins.

Stuhlberger me representa.

Sinal amarelo

A popularidade do presidente caiu aos menores níveis de seu mandato, equivalente ao patamar que prevaleceu entre os meses de maio e julho do ano passado, coincidentemente, o período em que vimos o número de óbitos subir de maneira relevante e permanecer em patamar elevado.

O número de óbitos começou a cair a partir de agosto, o que, em conjunto com o auxílio emergencial, fez com que a popularidade se recuperasse nos meses seguintes.

Não se trata ainda de um nível desesperador para o governo, mas acende uma luz amarela. Neste nível de popularidade, dificilmente um governo se reelege ou elege seu sucessor, é o que mostra a história. A boa notícia para Bolsonaro é que as eleições estão a um ano e meio de distância e a pandemia tem data para terminar, com o avanço da vacinação.

A questão que fica é o rescaldo da crise: quanto cresceremos e qual será a velocidade de recuperação do emprego, considerando a resposta lenta da vacinação. São estes os fatores que determinarão as chances de reeleição, por mais que a resposta à crise sanitária tenha sido um desastre.