Levando com a barriga

Willliam Waack acerta na mosca ao analisar a atual conjuntura do governo Bolsonaro.

Inaugurando uma “nova forma de fazer política”, Bolsonaro, na prática, cedeu poder ao Congresso. Que, por sua vez, não se fez de rogado. Bolsonaro esperava governar “com a força das ruas”, pressionando os congressistas a fazer a “coisa certa”. Dizem que funcionou com a Reforma da Previdência, ainda que, na minha humilde opinião, os congressistas, neste caso, agiram conforme suas próprias conveniências. Afinal, era isso ou o precipício. E, no precipício, todos perdem.

Agora, como nos afastamos do precipício, cada um está cuidando de seus próprios interesses. Neste momento, a convicção do chefe faz toda a diferença. E é isso justamente o que está faltando. Reportagens como a do Estadão de hoje, mostrando insatisfação da equipe econômica, não são fruto de perseguição da “extrema-imprensa”. Foram sopradas de dentro do ministério da Economia. Parece que o pessoal anda meio cansado.

Claro, os técnicos deveriam saber que é o presidente quem tem a sensibilidade política para avançar com esta ou aquela agenda no Congresso. Mas fica difícil defender a ideia de poupar desgaste político ao governo, quando se decide pela capitalização da Emgepron ou por uma reestruturação de cargos militares que anula os ganhos da reforma da Previdência. Parece que Bolsonaro escolhe a dedo as pautas que vão lhe causar desgaste político.

Além disso, por mais que Bolsonaro tenha essa preocupação, que é legítima, isso tem um limite. E o limite é dado pela percepção dos agentes econômicos de que o governo já está satisfeito com o que foi feito. Esta percepção ainda é baixa, mas está crescendo. Se se tornar majoritária, aí é que a porca vai torcer o rabo.

Um governo verdadeiramente liberal

Em uma página, ficamos sabendo que a Infraero consumiu R$13 bi em 7 anos, incluindo os 49% de participação nas concessionárias que estão administrando os aeroportos. E daí, pensamos: “esse governo Dilma, incompetente, com ideias jurássicas sobre economia, queimando recursos com estatais que só servem como cabides de emprego, etc etc etc”

Aí, na página seguinte, temos uma matéria sobre a Emgepron, a estatal que foi capitalizada com R$7 bi no apagar das luzes do ano passado. Expressões como “fomento à indústria nacional”, “criação de empregos”, “efeito multiplicador”, estão todos na reportagem, o que me fez olhar de novo para a data do jornal, para conferir se não estava, por engano, lendo uma entrevista do Luciano Coutinho ou do Márcio Pochmann nos tempos do governo Dilma.

O governo Bolsonaro não só não privatizou nenhuma estatal diretamente controlada pela União nesses quase 14 meses de governo, como criou mais uma, a NAV, para substituir a Infraero. Como a Infraero ainda não foi embora, as duas estão convivendo. E consumindo recursos.

Mas está tudo bem, este é o primeiro governo verdadeiramente liberal em 500 anos de história. Eu estou tranquilo.

Falta de vergonha na cara

Adriana Fernandes, colunista de economia do Estadão, levanta uma bola que eu queria ter comentado nessa semana mas não o fiz por falta de tempo: a capitalização de uma estatal chamada Emgepron, vinculado ao Ministério da Defesa. Foram R$7,6 bilhões autorizados por Bolsonaro no finalzinho do ano passado.R$7,6 bilhões para construir 5 navios de guerra! Sério que esta é a prioridade do Brasil?

Em reportagem de hoje (abaixo), o Estadão traça um quadro deprimente sobre os conflitos por água no Nordeste. No trecho que destaquei, ficamos sabendo que as obras de transposição do São Francisco consumiram R$10,8 bilhões nos últimos 13 anos. Desses, o governo Bolsonaro empenhou R$1,3 bilhão. São números com a mesma ordem de grandeza da construção de 5 navios de guerra.

O problema do Brasil não é falta de recursos. É falta de vergonha na cara.