Conhecimento de causa

É, sem dúvida, muito grave o que está acontecendo no INEP, às vésperas do ENEM. Isso traz muita insegurança com relação a um dos maiores exames vestibulares do mundo.

Muitos especialistas têm se manifestado. O maior deles é o ex-ministro da educação, Fernando Haddad.

Haddad não tem experiência só de ouvir dizer não. Ele era o ministro da educação nas duas únicas ocasiões conhecidas em que houve vazamento da prova, e que levaram ao cancelamento do certame: um geral em 2009 e outro circunscrito a estudantes de uma escola, em 2011. Taí alguém que pode falar com propriedade sobre segurança da prova.

Quando Haddad se candidatou à prefeitura de São Paulo em 2012, pensei com meus botões: não tem a mínima chance, essas falhas administrativas do ENEM colaram nele, não vamos entregar a direção da cidade a um incompetente desse quilate. Bem, não só o fizemos, como fomos capazes, os brasileiros, de colocar o incompetente no 2o turno das eleições presidenciais 6 anos depois.

Não gosto de “whataboutismo”, vício de pensamento que tem sua mais típica expressão no “e o PT?”, para justificar o injustificável. No caso, não há desculpa para o que está acontecendo no INEP. Mas Haddad certamente não é a pessoa que pode sair por aí dando lição de moral sobre segurança da prova.

Enem e o “jeitinho” brasileiro

Minha filha voltou irritada da prova do ENEM ontem. Pelo segundo domingo consecutivo, o mesmo rapaz vizinho a ela abriu a prova antes de começar o tempo da prova. Como se trata de uma competição por vagas, como garantir que aquele rapaz não iria conseguir uma vaga que era de alguém que respeitou as regras?

A irritação da minha filha se deu não tanto pela atitude do rapaz, mas pela dos monitores que estavam acompanhando a prova. Segundo ela, viram e fizeram de conta que não viram.

A leniência dos monitores pode ser explicada por dois motivos. O primeiro é o temor de criar um barraco e, no limite, colocar em risco a sua própria integridade física. Nunca sabemos qual será a reação da pessoa que teve a sua prova suspensa. O segundo é a leniência própria do brasileiro com relação às leis: ok, tem horário pra abrir a prova, mas não vamos levar assim tão a ferro e fogo, não vai fazer tanta diferença assim.

O antídoto para o primeiro é simples: basta deixar o candidato fazer a prova toda, entrega-la, e anular depois. Este procedimento seria informado de antemão, de modo que ninguém deveria ficar surpreso se sua prova fosse anulada por trapaça. É assim que funciona, por exemplo, na prova para a obtenção do CFA (Chartered Financial Analyst), a maior certificação internacional de finanças. Essa prova é um grande ENEM global, e os monitores vêm de outros países. Como seria impossível discutir com os candidatos no momento da prova, aqueles que tentam trapacear são marcados e recebem uma cartinha posteriormente informando de sua desclassificação e o motivo.

Com relação à leniência, infelizmente não existe antídoto. Faz parte do DNA do brasileiro. “É assim mesmo, não vamos fazer uma tempestade em copo d’água”. O brasileiro é cordato e não quer entrar em conflito. E assim, o jeitinho e a malandragem preenchem o vácuo criado pela passividade e pela leniência.

Tenho quase certeza que as fotos da prova do ENEM vazaram por uma combinação de farra dos candidatos com leniência dos monitores, que certamente viram a coisa acontecer mas não quiseram interferir. O ministro minimizou o fato porque provavelmente não se trata de um esquema elaborado de fraude, mas apenas uma brincadeira boba de alguns imbecis.

No entanto, ao invés de minimizar o fato, o ministro deveria pensar em modos de treinar e dar poder aos monitores, para que candidatos cumpridores das regras não tenham desvantagem em relação àqueles que trapaceiam. Afinal, este é um governo que diz dar valor à meritocracia.

O governo acha que os pais são idiotas

O MEC do Temer decidiu não mais divulgar a nota do ENEM por escola. Quando comentei essa decisão há um ano, apostei que as próprias escolas o fariam, sem nenhum critério.

BINGO!

Reportagem de hoje no Estadão mostra que já tem consultoria fazendo o ranking. E que o próprio jornal elaborou o seu, que não bate com a nota autoatribuída pelo Colégio Objetivo, por exemplo. Uma confusão!

O ministro da Educação, ao justificar a decisão, afirmou que a nota serve como um “falso” marketing, e que outros critérios devem ser usados pelos pais para escolher a escola dos filhos. Fazem coro ao ministro os “especialistas” de sempre.

Esse pessoal realmente acha que os pais são uns idiotas, que precisam ser tutelados em suas escolhas.

O ranking é UM critério utilizado. Outro é a distância do colégio. Outros podem ser a filosofia do ensino, esportes, atividades extra-curriculares etc.

Os pais, ao escolherem a escola dos seus filhos, têm uma escala de prioridades. Alguns dão valor à socialização. Outros, à facilidade logística. E outros, à possibilidade de o filho ser aprovado nos melhores vestibulares.

Ao negar o ranking, o governo deixa à pé aqueles pais que dão valor ao vestibular. Gostaria que algum “especialista” me explicasse porque é errado dar prioridade para o vestibular. Por que raios eu não posso querer que meu filho tenha mais chance no vestibular?

Esse viés paternalista caía bem no governo do PT, que infantiliza o povo. Vindo de um governo dito liberal não dá para entender.

“Ah, mas os grandes colégios manipulam os resultados! O Objetivo coloca o nome dele lá em 1o lugar segregando uma classe especial!”

Novamente: o governo acha que os pais são uns idiotas? Que não notam essas manipulações?

“Ain, mas essa prática instrumentaliza o ensino, que é muito mais do que uma nota numa prova!”

Então porque o governo brasileiro não propõe à ONU o fim do PISA? Afinal, aquela nota, que nos faz passar vergonha todo ano, não traduz todo o potencial do estudante brasileiro! Falta aí a “socialização”, o “ziriguidum” e a “malemolência”, características do brasileiro que não são captadas por uma simples nota.

Faça-me o favor!

Os pais não são idiotas, e sabem o que é melhor para os seus filhos. Conseguirão, de uma forma ou de outra, essa nota do ENEM. Melhor seria se fosse de uma fonte oficial.

Parabéns, Temer!

O ENEM não vai mais publicar a média da nota por escola.

O que vai acontecer?

1. Vazamentos. A nota continua existindo, só não vai ser divulgada “oficialmente”.

2. Cada escola vai divulgar a “sua” média, sem um auditor externo, que era o próprio ENEM.

3. As escolas medíocres poderão continuar em sua mediocridade sem serem mais incomodadas.

Parabéns governo Temer, por desmontar uma das raras iniciativas positivas do governo do PT.