Ideias perigosas

Estes são tuítes do nosso chanceler, Ernesto Araújo, o rosto de nossa diplomacia. Escolhi esses três, mas poderia ter escolhido quaisquer outros para ilustrar meu ponto.

Vamos ao primeiro. Ninguém diz que é um “atentado à democracia” quando há críticas ao legislativo e judiciário. Críticas todos fazemos a tudo o tempo inteiro. Isso é uma coisa. Outra coisa bem diferente é pedir o fechamento do Congresso e do STF ou, como no caso em foco, invadir o Congresso para fazer justiça com as próprias mãos. Assim como seria retirar o presidente do seu posto à força. É óbvio que o chanceler usa o direito de criticar, que é universal, para justificar atos que nada tem a ver com críticas.

O segundo tuíte é mais ardiloso. Começa com uma condenação dos atos, ok. A seguir, no entanto, vem o “mas”. Qualquer um com algum treino de interpretação de texto sabe que essa conjunção adversativa guarda para o final a verdadeira convicção do orador, a prioridade número 1 em sua ordem de prioridades, a cláusula inegociável. Tente mudar a ordem e veja o efeito. “Sou contra o aborto, mas…”, por exemplo, trás depois do “mas” as exceções à regra geral ou a verdadeira convicção do autor da frase. No caso, o chanceler justifica a invasão como reação ao “desrespeito ao povo”.

Já o terceiro é o mais perigoso de todos. Opõe o “povo” às instituições democráticas. Quem é o “povo”? Quem fala em nome do “povo”? Em uma democracia representativa liberal, o “povo” fala através das instituições democráticas, executivo, legislativo e judiciário, com seus pesos e contrapesos. Ernesto Araújo quer nos fazer crer que essas instituições passaram por cima da vontade do “povo”. E quem fala pelo “povo” se não forem essas instituições? Só pode ser o líder ungido. No caso, Trump. Ernesto Araújo, o chanceler brasileiro, está sugerindo que o líder popular é a encarnação da vontade do “povo”, justificando, assim, que as instituições da democracia representativa sejam ultrapassadas. Trump com o “povo”, sem mais nada. Bem, não vou aqui listar todas as experiências pelas quais a humanidade passou com esse tipo de arranjo político.

Na época do PT, passei muita vergonha com o nosso chanceler Celso Amorim, e seu alinhamento automático a figuras como Fidel, Chávez e Maduro. Mesmo as coisas mais abjetas eram recebidas com um “mas”, justificando, na prática, o alinhamento. Bem, o mesmo nível de vergonha sinto agora do nosso chanceler Ernesto Araújo.

Vender a alma

Eu realmente gostaria de entender essa frase do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Se alguém tem uma boa explicação, agradeço.

De que forma um país “vende a sua alma” em uma relação de comércio? Isso aqui está parecendo as diatribes dos petistas contra os EUA (lembra da diplomacia “altiva” do Celso Amorim?). Uma bobagem, que agora só troca de alvo.

“Os chineses podem comprar coisas do Brasil, mas não comprar O Brasil”. Esta é outra frase, cunhada pelo próprio presidente, que a rigor não significa porcaria nenhuma.

Parece-me que Bolsonaro se referia a terras e infraestrutura. Como se o risco fosse dos brasileiros e não dos chineses. Não, os chineses não vão pegar as terras e as usinas hidroelétricas, colocar debaixo do braço e ir embora no dia seguinte, deixando os brasileiros no escuro. Na verdade, quem corre risco são os chineses, em terras onde o que está escrito em contrato não vale a tinta gasta, e o histórico de desapropriações forçadas é longo.

Faria bem o governo Bolsonaro ter uma abordagem pragmática em relação ao comércio exterior e ao fluxo internacional de capitais. Como dizia Deng Xiao Ping, o premiê chinês que revolucionou aquele país no final da década de 70 e permitiu que a China se tornasse a 2a maior potência do mundo, “não importa a cor do gato, desde que cace os ratos”.