O mea-culpa de Eros Grau

No dia 22/11, espinafrei o ex-ministro do STF Eros Grau por um artigo escrito no Estadão defendendo que seria necessária uma Constituinte para mudar o entendimento da prisão após o trânsito em julgado. Eros Grau foi o ministro que, em 2009, relatou o voto que mudou o entendimento do STF a respeito da prisão após condenação em 2a instância.

E não é que, apenas duas semanas depois, Eros Grau volta ao mesmo espaço fazendo um mea culpa? Não, ele não mudou o entendimento sobre o seu voto de 2009. A sua mudança refere-se ao modo do Parlamento introduzir a prisão após condenação em 2a instância na ordem jurídica brasileira.

Depois de um longo e tortuoso voto, quer dizer, artigo, Eros Grau conclui que basta mudar o Código Penal, estabelecendo que o trânsito em julgado ocorre após o julgamento em 2a instância. Recursos aos tribunais superiores seriam então apenas “ações rescisórias” e não mais “recursos”. Palavrório técnico à parte, o que Eros Grau reconhece é que o julgamento das provas ocorre até a 2a instância, estabelecendo a culpa ou inocência do réu aí. Este é o “trânsito em julgado”. Quer dizer, Eros Grau sai de uma Assembleia Constituinte para um simples projeto de lei!

Admiro quem admite que se enganou, e Eros Grau mostra que tem integridade, não se aferrando a suas opiniões quando vê que está errado.

E, a conclusão mais importante: o trânsito em julgado pode ser definido em legislação infra-constitucional. Portanto, não é necessária uma PEC para mudar o entendimento sobre a prisão após a condenação em 2a instância, basta um projeto de lei mudando o Código Penal.

Os parlamentares estão com óbvia má vontade em relação a este tema. Vamos continuar pressionando.

A impunidade como cláusula pétrea

Eros Grau foi o relator do voto que mudou o entendimento do STF sobre prisão após condenação em 2a instância. Isso em 2009, mais de 20 anos depois de promulgada a Constituição. Ou seja, passaram-se mas de 20 anos até que o STF resolvesse que, até então, a Constituição não estava sendo cumprida!

O douto ex-ministro escreve hoje sobre o seu voto. Claro, defendendo-o. Mas queria chamar a atenção para o último parágrafo, que anexo abaixo. Já escrevi sobre isso aqui: a prisão após o trânsito em julgado é cláusula pétrea da Constituição. Para mudá-la, só uma nova Assembleia Constituinte!

Eros Grau faz a distinção entre direito e justiça. No seu artigo, ele revela entrelinhas concordar que a protelação da prisão ad aeternum é injusta. Mas, continua o ex-ministro, o STF não está lá para fazer justiça, mas para aplicar o direito, o que significa aplicar o que está escrito na Constituição. Bem, a tomar as palavras do ilustre ex-ministro ao pé da letra (e é isto o que ele defende), não está longe o tempo em que o STF poderá ser substituído por robôs. Bastará fornecer a um software de inteligência artificial o texto da Constituição, e este será capaz de definir se um procedimento é constitucional ou não. Com a imensa vantagem de não precisarmos ouvir votos longos e enfadonhos.

Não, meus amigos. A Constituição foi feita por homens e, sendo assim, tem um espírito por traz, que muitas vezes é pobremente traduzido em palavras. Além disso, não se consegue visualizar todas as consequências de uma lei, como por exemplo, a flagrante impunidade daqueles que têm criminalistas pagos a peso de ouro a defendê-los. Para isso precisamos de juízes supremos que interpretem o espírito dos constituintes.

Receio que uma parte do STF possa efetivamente ser substituída por robôs e defendam, como Eros Grau, que a impunidade é cláusula pétrea da nossa Constituição. Aliados a estes, estão os ministros que não podem ser substituídos por robôs, pois estes atuam de maneira honesta e não mudam de opinião de acordo com as circunstâncias, dado o mesmo algoritmo, a Constituição. Unindo os robôs com os desonestos, temos uma maioria que afirmará a inconstitucionalidade de qualquer emenda que mexa com a presunção de inocência até as calendas.

Repito o que já disse aqui: não tem risco de dar certo um país que consagra como cláusula pétrea a impunidade.