Fala impensada

Existem pessoas essencialmente boas e existem pessoas essencialmente más. As pessoas essencialmente boas, quando dizem coisas más, é porque “cometeram um deslize”, “uma gafe”, ou falaram “de maneira impensada”. A fala saiu omo um peido irreprimível, sem querer. Já as pessoas essencialmente más, quando dizem coisas más, estão essencialmente expressando o que vai em seus corações. A fala é de caso pensado, só confirmando o que todos já sabem.

Se um tipo como Bolsonaro, ou qualquer bolasonarista notório, tivesse sugerido um boicote a negócio de pretos ou indígenas, isso renderia horas de debates na Globo News e um inquérito aberto ex-oficio no STF. No entanto, como Genoíno é uma pessoa essencialmente boa (segundo Cantanhede, sua pena no Mensalão foi a mais injusta de todas), sua fala foi “impensada”. Quem me dera ser protegido de meus próprios erros dessa maneira.

O editorial do Estadão foi menos condescendente. Descartou a hipótese de “fala impensada”, uma vez que Genoíno, até o momento, não se retratou. O editorial foi além, dando ao boi o nome correto: antissemitismo.

Não, Genoíno não falou de maneira “impensada”. Ele somente verbalizou o que Lula, os petistas e a esquerda em geral pensam (quem tem dúvida, é só dar uma passeada nos perfis à sinistra do Xwitter): sob a capa de antissionismo (que é basicamente negar aos judeus o seu direito à autodeterminação), pulsa um antissemitismo secular que, em um mundo dividido entre opressores e oprimidos, identifica os judeus com o lado opressor de uma maneira muito mais ampla do que as escaramuças em Gaza fazem supor. A menção às “empresas de judeus” por parte de Genoíno não foi extemporânea; por trás dessa frase emerge a imagem do judeu rico, poderoso, que move os cordões do mundo, e contra os quais se insurge o proletariado. Os judeus estão do lado errado da História, e por isso merecem ser boicotados.

Genoíno está pagando o preço de falar em público o que a esquerda fala em privado. Nesse sentido, vou concordar com a Cantanhede: sua fala foi “impensada”, pois inadvertidamente abriu a tampa do esgoto do pensamento da esquerda.

Novamente, o circo de pulgas

Como leitor experimentado de jornal, já estou acostumado a notícias abordando temas sem importância alguma, mas apresentados como se fossem a última bolacha do pacote. Mas nessa aqui o Estadão se superou: um verdadeiro pastel de vento foi apresentado como um banquete em restaurante estrelado, merecendo manchete principal na capa e uma página inteira no caderno de economia. Vejamos.

Em primeiro lugar, a reportagem trata a notícia como se fosse uma mudança de política cambial, mas preservando o câmbio flutuante. Seria como que a terceira marca do novo governo na gestão macroeconômica, depois do arcabouço fiscal e da nova metodologia da meta de inflação, supostamente completando uma reforma do bem no tripé macroeconômico. Bem, seria assim se fosse assim. O “novo” arcabouço fiscal é um teto de gastos mas chama diferente (não é à toa que os petistas estão loucos da vida com o Haddad), a mudança de metodologia da meta de inflação é inócua, não muda nada, e este “seguro cambial” não muda em uma vírgula a política cambial, é só uma molezinha para empresários amigos. Vem comigo.

Seguros cambiais não são propriamente uma novidade. Aliás, bem longe disso. Todo exportador e importador têm à disposição uma gama imensa de instrumentos financeiros para se protegerem da variação cambial. A matéria diz (certamente repercutindo o que disse alguém do governo) que a volatilidade cambial é um dos principais entraves pelos quais o investidor estrangeiro não vem ao Brasil. Mentira. O investidor tem instrumentos para se proteger das variações do câmbio, mas, infelizmente, lhe faltam instrumentos para se proteger da insegurança jurídica, do pesadelo tributário, do baixo nível de preparo da mão de obra nacional e do ambiente de corrupção.

A reportagem afirma que um montante de US$ 3,4 bilhões estará disponível para fazer o seguro cambial daqueles interessados em investir na “agenda verde”. (Aliás, a mistificação não estaria completa se não envolvesse o combate às mudanças climáticas. Fecha parênteses). Uau, R$ 3,4 bilhões! Foram negociados em contratos futuros de dólar (o instrumento mais simples de proteção cambial) na B3 mais de US$ 10 bilhões. No ano passado? Não. Só no último dia 04/01, em uma semana meio morta para o mercado financeiro. US$ 3,4 bilhões? Sério?

Então, pra que serve isso? Simples. Como qualquer seguro, o seguro cambial custa alguma coisa. Não é de graça que você compra uma proteção. Para segurar o seu automóvel, por exemplo, você paga um prêmio. É assim que funciona. Os contratos futuros na B3 têm o custo da diferença entre as taxas de juros locais e as taxas de juros lá fora, enquanto swaps e opções têm, além disso, o spread cobrado pela instituição financeira que estrutura essas operações. Ao entrar na jogada, o BID vai baratear esse custo. Não se trata de oferecer um instrumento que não existe, mas de oferecer algo que já existe, só que mais barato. Soa familiar? Imagine quem vai ter acesso a esse dinheiro “mais barato”…

Enfim, mais um exemplo de como esse governo não passa de um circo de pulgas, em que coisas minúsculas são apresentadas como o maior espetáculo da Terra. O triste é ver o Estadão dar palco para esse tipo de coisa.

A humanidade é imparável

Editorial do Estadão repercute estudo recente da OCDE, que calcula o custo de se evitar que a temperatura global aumente em mais de 1,5o, meta do acordo de Paris: nada menos do que 8% do PIB do planeta. Para quem acha que 8% é pouco, basta lembrar que tivemos uma presidente impichada porque, entre outras coisas, o PIB brasileiro contraiu-se em 8%. Não há político no mundo que assuma conscientemente esse custo.

É a primeira vez que vejo alguém (no caso, OCDE/Estadão) chamando a atenção explicitamente para os custos da transição energética. O mais comum é o contrário: análises e reportagens exaltando as grandes oportunidades de negócios da transição. Tem-se a sensação de que estamos às portas de uma nova revolução industrial, que elevará os níveis de riqueza da humanidade a outro patamar.

O estudo da OCDE, corajosamente repercutido pelo editorial do Estadão, manda a real sobre o tema: trata-se de destruição de riqueza, não de criação. E é fácil de entender o porquê: as energias alternativas são muito menos eficientes do que os combustíveis fósseis. Não por outro motivo, nenhuma dessas iniciativas sobrevive sem subsídios, explícitos ou implícitos. Não conheço a metodologia usada pela OCDE, mas fosse eu a fazer o estudo, começaria procurando medir o total de subsídios necessários para substituir os combustíveis fósseis como fonte de energia. Esse é o total do PIB “queimado” para evitar a queima de combustíveis fósseis (desculpem-me o trocadilho infame). Ou seja, os governos tiram dinheiro dos setores mais eficientes, que geram lucro, para torrar no setor menos eficiente, o de energias renováveis. Esse movimento diminui o PIB.

Alguns poderão dizer que esse estudo está incompleto, dado que não calcula o custo de não se fazer nada. Justo. Afinal, se as previsões mais catastrofistas se realizarem, o PIB lá na frente diminuirá de qualquer forma, por conta das mudanças climáticas. E pior: diminuirá de maneira caótica, em um salve-se quem puder global. Assim, seria melhor fazer a transição de maneira controlada, aceitando os seus custos. Ou seja, a redução do PIB global seria um destino inexorável, e caberia à humanidade escolher o caminho até lá.

Essa abordagem, no entanto, me faz lembrar os programas de perda de peso. Por mais que seja racional, poucos estão realmente dispostos a fazer sacrifícios para emagrecer. Não é à toa que pululam dietas que prometem o emagrecimento “sem sacrifícios”. E, em tendência mais recente, chegamos ao ponto de enaltecer a gordura, taxando de “gordofóbicos” aqueles que ousam dizer que ser magro é melhor para a saúde do que ser gordo. Se é difícil fazer sacrifícios quando se trata da própria saúde, imagine em um contexto social, em que o meu sacrifício deve se somar aos sacrifícios dos outros para um benefício comum. A briga sobre quem vai se sacrificar e quem vai colher os benefícios acaba por gerar paralisia nesse jogo colaborativo. É o que estamos vivendo hoje, em que, como dizia Rita Lee, “me cansei de escutar opiniões de como ter um mundo melhor, mas ninguém sai de cima nesse chove não molha”.

Eu sou um incorrigível otimista quando se trata do futuro da humanidade. Sinceramente, acho que só estamos focados nesse Armagedom climático porque nos faltam catástrofes de verdade. A humanidade já passou por coisas muito mais terríveis em sua curta história. Basta lembrar que, nas estimativas mais conservadoras, cerca de um terço da população europeia morreu na Peste Negra. Um terço! E isso foi somente há pouco mais de 500 anos! E, no entanto, depois disso e de muitas outras catástrofes (incluindo muitas guerras) nunca fomos tão ricos e tivemos tanto conforto como hoje. A tecnologia avançou e continuará avançando. Catástrofes naturais ou causadas pelo Homem continuarão se sucedendo, causando mortes e destruição, mas o PIB global continuará crescendo. A humanidade é imparável.

Feliz 2024!

Ainda bem que temos o PT para salvar nossa democracia

Quem diria que o PT, o baluarte e último refúgio da democracia brasileira, patrocinasse uma ação contra o jornalismo profissional. Mas, aparentemente, foi o que fizeram, no caso da chefe da sucursal de Brasília do Estadão, Andreza Matais, acusada de ter “fabricado” a matéria sobre a Dama do Tráfico intima dos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos.

O roteiro foi o clássico. A coisa começou com uma “reportagem” do site “acima de qualquer suspeita” Fórum, com base em uma denúncia de supostos funcionários do Estadão, que acusavam Andreza de assédio moral com o objetivo escuso de fabricar uma matéria que prejudicasse as pretensões de Flávio Dino de ser apontado como próximo ministro do STF.

A partir dessa matéria, toda a máquina petista de moer reputações entrou em ação. Até Nelipe Feto deu a sua contribuição.

O único problema da “reportagem” do site é que os prints usados são da própria página de inserção das denúncias, como demonstrado por um print que eu mesmo fiz da mesma página, em branco. Note o “1o passo” acima da página, igual aos prints do site. Ou seja, somente seria possível tirar esses prints no momento em que a denúncia estivesse sendo escrita. E não há um número de protocolo sequer que prove que a denúncia foi efetivamente submetida.

Por que fizeram assim? Provavelmente porque uma mera entrevista com “funcionários” anônimos do Estadão seria mais fraco. Uma “denúncia” ao Ministério Público, isso sim, dá ares de oficialidade, algo muito mais sério e concreto. O fato de que o site tenha tido acesso à denúncia no mesmo momento em que estava sendo feita demonstra a armação tosca.

Como diz a notinha da ANJ, esses métodos “não se coadunam com valores democráticos” e são “uma prática de regimes autocráticos”.

Curiosamente, na mesma página, a inefável Eliane Cantanhêde aponta Javier Milei, ao lado de Bolsonaro e Trump, como um “trio contra a democracia”. Ainda bem que temos o PT para nos salvar.

O leitor que lute

Essas notinhas de jornal, muitas vezes, são fruto de uma troca mutualmente vantajosa: o repórter tem acesso a dados “exclusivos”, e o órgão governamental ganha um espaço simpático no jornal. E aí você pergunta: onde fica o leitor nessa troca “mutuamente vantajosa”? Bem, aí já é demais exigir que as três partes ganhem, não é mesmo?

Vamos fazer a pergunta óbvia: qual foi o efeito real desse “grande aumento de desembolso” do BNDES? A julgar pela evolução da produção industrial, zero. Literalmente. A produção industrial cresceu zero nos últimos 12 meses em relação aos 12 meses anteriores. E pior: decresceu 0,2% nos primeiros nove meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado. Justamente o período em que os desembolsos do BNDES “explodiram”.

Essa é a análise óbvia a ser feita, mas talvez seja pedir demais para o repórter que precisa estar de bem com o poder para continuar a ter acesso a dados “exclusivos”. O resultado são essas notinhas chapa-branca que passam a ilusão de que o governo está trabalhando.

A cereja do bolo é a menção à CNI, que teria recebido “com entusiasmo” um pacote para “fortalecer o setor”. Bem, só faltava os industriais rechaçarem dinheiro farto e barato do governo. A julgar pelos resultados até o momento, essa “explosão” de recursos do BNDES deve ter parado onde sempre pararam: na linha de lucros das empresas, sem qualquer aumento de produção.

A diferença entre preço e valor

Editorial do Estadão repercute os resultados de uma pesquisa da consultoria Oliver Wyman com 206 empresas multinacionais, publicada há alguns dias no mesmo jornal, que revela que 59% dessas empresas aloca menos do que 5% de seus investimentos em “ações de combate e prevenção da crise climática”. O jornal parece escandalizado com o tanto de empresas que dão pouca importância para o assunto. De minha parte, fiquei espantado que 41% das empresas aloquem mais do que 5% dos seus investimentos em algo relacionado diretamente ao tema. Isso, na minha opinião, já é um indício de que há uma mudança em andamento.

Mas o ponto do editorial a que eu gostaria de chamar a atenção é outro. O trecho é o seguinte: “o comportamento do consumidor continua vinculado ao valor monetário”. Essa frase contém um problema conceitual que eu procuro esclarecer a zero de jogo no meu livro Descomplicando o Economês. O problema é o seguinte: o preço das coisas é apenas uma medida, a tradução, do VALOR que as coisas têm para as pessoas. Por isso não adianta dar mais dinheiro na mão das pessoas se não foi criado mais valor na economia. Dinheiro é apenas um papel pintado que representa a soma de todo o valor criado na economia.

Pois bem. Ao dizer que o consumidor está vinculado ao “valor monetário” das coisas, ou seja, ao preço das coisas, o editorial confunde dinheiro com valor. Com algum fio de esperança, o editorialista afirma que esse comportamento pode mudar. A julgar pela menção ao “valor monetário”, entendo que a esperança é de que o consumidor possa estar disposto, um dia, a pagar mais pelo mesmo valor percebido. Não, isso não vai acontecer. Seria o mesmo que apostar na extinção do homo economicus e sua substituição por uma espécie de homo altruisticus.

O que pode acontecer, sim, é o consumidor começar a ver algum VALOR no combate às mudanças climáticas que vem embutido nos produtos que compra. Seria mais um atributo de valor, assim como qualidade, disponibilidade e marca. O fato é que a imensa massa dos consumidores é pobre, e ainda vê a preocupação ecológica como um luxo. Ou seja, preocupado em sobreviver com o mínimo, o consumidor médio não está disposto a pagar por esse “valor adicionado”.

A única forma de mudar esse comportamento é, de alguma maneira, trazer as preocupações climáticas do topo para a base da pirâmide Maslow. Ou seja, transformar o apocalipse ambiental de um luxo para uma ameaça vital, que significasse vida ou morte. O esforço de propaganda tem sido grande nessa direção, mas esbarra em dois problemas: 1) a maioria das pessoas vê as catástrofes naturais como algo… natural, que sempre ocorreu. As estatísticas demonstrando que essas catástrofes estão mais frequentes são de difícil entendimento e percepção para o homem comum; 2) o homo economicus busca a satisfação, em primeiro lugar, de suas próprias necessidades. Se sobrar algum dinheiro, vai se preocupar com os outros. E a preocupação com as mudanças climáticas se relaciona mais com a preservação da humanidade do que consigo mesmo. Está mais para filantropia do que para sobrevivência pessoal. Por isso sua posição na pirâmide de Maslow.

O editorial defende que, enquanto não ocorre essa “mudança de mentalidade” do consumidor, é necessária alguma ação governamental. Como qualquer um que tenha entendido o que vai acima sabe, a única forma que o governo tem de intervir nas escolhas do homo economicus é colocando o dinheiro do orçamento público para pagar esse adicional monetário que não representa valor adicional para o distinto público. Ou seja, pegar dinheiro de um bolso do contribuinte e botar no outro, via subsídios de produtos ecologicamente corretos. É a única forma de fazer o consumidor pagar por este “valor adicionado” sem saber que está pagando.

A pesquisa mencionada acima mostra que nem tudo está perdido. Afinal, 41% das multinacionais pesquisadas já direcionam mais do que 5% de seus investimentos em ações relacionadas às causas climáticas. É mais do que eu esperaria, dada a percepção que tenho sobre o interesse do ser humano médio pelo assunto.

Que tal ligar o ar-condicionado?

Um editorial do Estadão chama a atenção para a onda de calor que ora assola o hemisfério norte, e reafirma o que parece ser um consenso científico: essas ondas de calor se repetirão em intervalos cada vez menores. E eu afirmo: essa é uma boa notícia.

Um problema é tão mais grave quanto mais inesperado for. Na medida em que ondas de calor se tornarem mais frequentes, ter-se-ão tornado um problema esperado. E tudo o que é esperado pode ser prevenido usando-se tecnologia. Vejamos pelo outro lado: no inverno, o hemisfério norte sofre com frio desumano. Mas os países da região estão amplamente preparados para isso, com suas casas, escritórios e centros de compra devidamente protegidos por calefação. Isso acontece porque o frio é um problema esperado. Na medida em que o calor também o for, a tecnologia humana encontrará uma forma de convivência.

O mesmo ocorre com outros potenciais problemas, como a viabilidade da agricultura e o nível do mar, se e quando esses fenômenos ocorrerem. No início causará problemas, mas depois a tecnologia os resolverá.

Acredito ser este um approach muito mais realista do que a tentativa histérica de fazer girar a roda da civilização para trás, clamando pelo corte da emissão de gases de efeito estufa. É tão insano quanto discutir formas de conter um tsunami ao invés de organizar a fuga. Como eu disse em meu post de ontem, estamos muito longe da tecnologia que nos permita substituir o carvão e o petróleo como fontes de energia. No entanto, já dominamos a tecnologia do ar-condicionado há um século, e sabemos como criar culturas transgênicas mais resistentes ao calor.

Isso, claro, não significa que não devamos explorar novas fontes de energia economicamente melhores que o petróleo. Não tenho dúvida de que, no dia em que o hidrogênio verde for mais barato do que o ouro negro, não precisaremos de cúpulas governamentais para fazer a substituição. Até lá, melhor ligar o ar-condicionado.

O mercado financeiro não vai fazer o seu trabalho

Outro dia, descasquei aqui uma reportagem sobre policiais militares que supostamente complementavam a renda fazendo operações de day trade no mercado de futuros, um verdadeiro desserviço ao leitor. Agora, não posso deixar de elogiar uma matéria de hoje, que entrevista três jovens que acumularam ao menos um milhão. Ao invés de dicas mirabolantes de investimentos, os três unanimemente afirmam que o segredo está em poupar. Ou seja, não tem segredo.

Diz um velho ditado do mercado que o segredo para fazer uma pequena fortuna na bolsa é investir uma grande fortuna. Em outras palavras, o mercado financeiro vai te ajudar se você tiver se ajudado antes.

Um dos depoimentos chamou-me a atenção, pois descreve exatamente a minha Teoria do Gás, que desenvolvo no meu livro Finanças do Lar. A teoria diz o seguinte: suas necessidades sempre se expandirão na medida em que os seus ganhos permitirem. Ou seja, o seu orçamento é como um recipiente de gás, e suas necessidades são o gás, que ocupa todo o espaço. Um dos milionários entrevistados afirma que conseguiu manter o gás sob controle, de modo que seus gastos não acompanharam a sua renda disponível. É simples, mas está longe de ser fácil.

Enfim, parabéns ao Estadão, que finalmente publicou algo de realmente útil para quem busca alguma tranquilidade financeira, ainda que possa ser frustrante para os que ainda se iludem com soluções mágicas para os seus problemas financeiros.

Está aí, escrito, preto no branco, para que ninguém possa alegar ignorância depois.

O presidente e o vice-presidente da República fizeram publicar um artigo no Estadão de hoje. Trata-se de importante peça, que deve ser lida com atenção. Muito se reclamou que Lula não explicitara seu programa econômico antes da eleição. Pouco menos de 5 meses após a posse, aí está. Neste artigo, Lula descreve o que de mais importante pretende fazer na seara econômica durante o seu governo. Essa é a boa notícia. A má, é que, depois de ler, não me ocorre outro ditado do que “a ignorância é uma benção”.

Optei por comentar trecho por trecho, pois trata-se de artigo em que o presidente e o vice-presidente desfilam, parágrafo após parágrafo, todas as suas várias ideias equivocadas sobre como funciona a economia.

O primeiro parágrafo já começa com uma imprecisão e uma mistificação. A imprecisão está no uso da palavra “anos” para caracterizar o período de encolhimento da indústria no PIB. A palavra correta seria “décadas”. O pico da participação da indústria no PIB foi na década de 80. A partir de então, só fez diminuir, inclusive durante os “anos de ouro” do governo PT, em que abundaram “políticas de incentivo à indústria”, as mesmas que estão sendo apresentadas agora como grande novidade. A mistificação é o termo “emprego de qualidade”. Aqui vou fazer uma pequena digressão.

Quando se defende a indústria por criar “empregos de qualidade”, ou se demoniza os aplicativos por “precarizar os empregos”, o foco está na DEMANDA por mão de obra. O raciocínio é sempre esse: precisamos criar demanda por “empregados de qualidade” e suprimir a demanda por “empregados precários”. O problema, no entanto, está na OFERTA de mão de obra. O Brasil simplesmente não cria suficiente mão de obra de qualidade. Pergunte a qualquer empresário a dificuldade de se encontrar mão de obra com a qualificação necessária, principalmente em áreas de exatas. Formamos psicólogos, advogados e sociólogos a rodo, enquanto faltam engenheiros e técnicos. Quando, por outro lado, empresas como o Uber oferecem uma opção de fonte de renda para essas pessoas sem qualificação, são demonizadas, como se fossem elas as culpadas pela vergonhosa falta de qualificação da nossa mão de obra. Nunca se discute produtividade da mão de obra, mas somente os seus “direitos sociais”, que serão pagos por alguém, independentemente da geração de valor do trabalho.

Continuemos. A seguir, os autores afirmam, corretamente, que o Brasil está perdendo a corrida da sofisticação tecnológica, e citam o exemplo da China, que fez o caminho inverso. Seria interessante que explorassem um pouco mais esse exemplo. Lula/Alckmin afirmam que a China foi capaz de levantar centenas de milhões de trabalhadores da pobreza. O que eles não contam é que o trabalhador chinês está longe, muito longe, do tal “emprego de qualidade” que eles sonham para o brasileiro. Eles têm uma fração dos “direitos sociais” com que os trabalhadores daqui contam, além de enfrentarem jornadas de trabalho que fariam um entregador do iFood parecer um bon vivant. Não tem dúvida de que o trabalhador chinês hoje está muito melhor do que há 3 ou 4 décadas. Mas isso aconteceu também no Brasil, entre as décadas de 30 e 70 do século passado, quando houve uma urbanização intensa do país. O próximo passo é que é o complicado, que é a formação dessa mão de obra. Nisso a China se saiu muito melhor, basta ver os exames internacionais de proficiência. Mas, certamente, Lula olha para a “política industrial” da China, não para a sua “política social” ou mesmo sua “política educacional”. Como se uma coisa prescindisse das outras.

A seguir, nossa dupla dinâmica entra na seara que mais lhes interessa, que é montar o seu país no Sim City. Então, devemos ser “criteriosos” em estimular que setores em que já tenhamos know how caminhem para produzir mais “valor adicionado”. Acho graça quando ouço esse termo, como se fosse algo mágico, uma espécie de varinha de condão, e não o resultado de muito capital de risco e mão de obra especializada. Claro, e não poderia deixar de haver a menção ao “conteúdo nacional”, como “até” os países desenvolvidos estão fazendo. Ou seja, continuaremos a ser um país fechado, reinventando a roda com nossos parcos recursos.

Mas é a seguir que Lula/Alckmin revelam o plano em todo o seu esplendor. Um tal de Conselho Nacional de Desenvolvimento Nacional vai dar “missões” para a indústria brasileira! Uau! Não consegui deixar de lembrar do agente 86, recebendo uma missão do Controle. Como pode, depois de décadas de “políticas industriais” que alguém ainda defenda que o governo pode dirigir investimentos produtivos de maneira eficiente. E já sabemos que há um programa novo de incentivos na praça, o Padis, para estimular a produção de semicondutores, hoje uma commodity. Quando vejo uma nova sigla, já sei que, daqui a alguns anos, será a plaquinha na porta de um armário onde estará guardado um esqueleto em decomposição. Não falha.

Ah, e tem a política comercial também. Porque, sabiamente, Lula&Alckmin nos informam que, além de produzir, precisa vender. Vender para quem? Para quem tem dinheiro? Naaaao! Para os pés rapados dos nossos vizinhos e da África. Essa é a “nova política comercial”. Que, claro, deverá envolver “linhas de financiamento” do BNDES. Afinal, como você vende para alguém que não tem dinheiro? Outro dia, comentei aqui que a China está passando por problemas de calote, principalmente na África. Queremos tomar o lugar dos companheiros chineses nessa missão.

Em seguida, vem o mambo jambo dos “investimentos verdes”. O Brasil estaria posicionado para receber investimentos porque tem “energia limpa”. É a versão moderna do “aqui, em se plantando tudo dá”, de Pero Vaz de Caminha. Todo dirigente brasileiro, e uma parcela relevante do povo brasileiro, acredita piamente que as nossas “riquezas naturais” (e nossa matriz de energia é limpa porque fomos abençoados com uma quantidade imensa de rios, sol abundante e ventos) são suficientes para nos fazer ricos. Segundo Lula&Alckmin, ter “energia limpa” seria condição suficiente para atrair investimentos, quando, na verdade, é condição apenas necessária, e talvez nem isso.

Para o agronegócio, haverá um Plano Nacional de Fertilizantes (PNF, outra sigla). Não custa lembrar que as maiores minas de produção de potássio estão no Amazonas, perto de terras indígenas. Mais um embate titânico no governo à vista?

Quase no final, como quem havia esquecido o assunto e foi lembrado, a dupla Lula&Alckmin faz menção a “medidas horizontais”, citando a reforma tributária como o elixir mágico que curará a sua unha encravada e todos os males da economia brasileira. É nesse parágrafo que os autores mencionam, pela única vez em todo o artigo, o “custo Brasil”. Um único parágrafo para endereçar o que realmente é o problema brasileiro e deveria ser o foco e o guia para todo o resto. É sintomático.

Claro, não poderia deixar de haver menção à “redução do custo do capital”, deixando claro que o governo já fez a sua parte com a aprovação do novo arcabouço fiscal. Só pode ser piada, não é possível que acreditem que esse arremedo de teto de gastos seja suficiente para reduzir o alto custo de capital no Brasil, que tem várias origens, sendo a insegurança jurídica a não menor delas. Óbvio que Lula&Alckmin querem jogar a bomba no colo do BC, nesse caso.

Ah sim, e tem o “investimento nas pessoas”. Afinal, como dissemos acima, sem mão de obra qualificada, nada feito. E quais são esses investimentos? Bolsa Família e aumento do salário mínimo! Não sei se choro de rir ou choro de chorar mesmo.

O último parágrafo encerra com a tese inicial, para que ninguém tenha dúvida do que estão falando: a indústria será o condutor da política econômica. O Brasil retomará a linha de produção de esqueletos e zumbis que ainda hoje assombram as contas públicas sem terem movido um milímetro sequer o ponteiro da industrialização brasileira. Está aí, escrito, preto no branco, para que ninguém possa alegar ignorância depois.

O editorial e a opinião pública

Na época do petrolão e da campanha pelo impeachment, um de meus esportes prediletos era sintonizar o Jornal Nacional nos dias de revelações “picantes”. Não tanto para me manter informado, mas mais para entender para onde estavam soprando os ventos dessa coisa chamada “opinião pública”.

Nesse sentido, é muito útil ler o editorial do Estadão. Não que eu concorde com tudo o que vai lá. Na verdade, se houvesse um concordômetro, talvez estivesse marcando algo como 70%. Mas não é este o ponto. A questão é entender para onde estão soprando os ventos da opinião pública. Por exemplo, foi nos editoriais do Estadão que, pela primeira vez, comecei a ler críticas à Operação Lava-Jato fora dos círculos petistas. Não concordava com nada do que lá se escrevia, mas não podia deixar de notar que a operação já estava incomodando uma parcela da opinião pública que não necessariamente era parte interessada. Comprovei este ponto quando me reuni com um cliente que não tinha nada de petista, e ele repetiu mais ou menos o mesmo arrazoado do editorial.

Este longo preâmbulo vem a propósito do editorial de hoje, que esculacha o ministro Alexandre de Moraes, a ponto de chamá-lo “Sr. Moraes” no título. Só faltou apodá-lo de “esse cidadão”. Isso significa que a resistência ao ministro do STF transbordou dos círculos bolsonaristas e vem ganhando a “opinião pública”. O editorial forma a opinião e é formado pela opinião pública, em uma simbiose com fronteiras de difícil definição.

O fato, e eu já venho chamando a atenção para isso há algum tempo, é que a chavinha de insatisfação com o Supremo na opinião pública está virando, e de Guardiões da Democracia, estão se tornando Ditadores da Democracia. Nada disso estaria acontecendo se os ministros fossem antes Guardiões da Constituição, antes de se preocuparem em defender a democracia.