A Constituição de um só artigo

O ministro da Justiça, Flávio Dino, chegou à conclusão correta: toda essa discussão sobre a PL das Fake News é ociosa. No final, o STF e “outras agências do Estado” resolverão o problema. Ontem, o ministro Alexandre de Moraes já chamou na chincha os diretores das Big Techs. Daí para encontrar alguma alínea de nossa profícua Constituição que justifique multas e até prisão é piece of cake. Se até Flávio Dino, recém-chegado ao ministério, já encontrou uma forma de tascar uma multa de um milhão por hora ao Google com base no Código de Defesa do Consumidor (?!?), ao ministro do STF certamente não faltará criatividade.

Aliás, editorial do Estadão de hoje chama a atenção justamente para a invasão de competência do STF no caso da determinação do índice de correção do FGTS, assunto que deveria ser tratado pelo Legislativo.

A conclusão que chegamos é que tanto faz o que vai escrito na Constituição. No limite, poderia haver apenas um artigo, rezando algo assim:

Constituição do Brasil

Artigo único: é direito de todos os brasileiros serem felizes.

Parágrafo único: revogam-se todas as disposições em contrário.

Pronto. A partir daí, os luminares do STF decidiriam todas as questões com base no que acham que seja o belo, o bom e o justo. É basicamente isso que nos está dizendo o ministro da Justiça (não sem razão). Nesse mundo de Flávio Dino, a tarefa dos Congressistas se limitaria a aprovar emendas parlamentares, desde que cumprissem o mandamento de fazerem todos os brasileiros felizes. Senão, nem isso.

A diplomacia de Lula: propaganda e realidade

A máquina de propaganda do PT está a todo vapor, com a prestimosa ajuda de jornalistas dispostos a servir de assessoria de imprensa, ao invés de apurar os fatos.

Hoje, duas páginas do Estadão movem para frente a história de que o Brasil de Lula está se tornando um ator relevante no cenário diplomático global. Na primeira, uma notinha diz que o Brasil fez duas contribuições relevantes para a resolução da ONU que condena, pela enésima vez, a invasão da Ucrânia pela Rússia. A primeira teria sido a inclusão de um pedido de que “os dois lados cessem ações hostis” (mais à frente comento o absurdo dessa proposta). A segunda seria a inclusão da “necessidade de esforços diplomáticos para alcançar a paz”.

Na segunda página, Eliane Cantanhêde afirma que tanto a Rússia quanto a Ucrânia mandaram “leves sinais” de que estariam aceitando as propostas de Lula. No caso da Rússia, o vice-ministro das relações exteriores “agradeceu ao Brasil por não enviar munições à Ucrânia e afirmou que Putin estuda a proposta de paz de Lula”.

Dá vontade de gargalhar, não fosse algo trágico. Essa posição da Rússia é muito clara sobre a quem interessa a posição do governo brasileiro. Em seguida, Cantanhêde afirma que o “cessar-fogo imediato” foi um elemento da resolução pedido pela própria Ucrânia, em linha com o que Lula defende, e que isso seria um sinal de aceitação da mediação do presidente brasileiro. Veremos que a informação está factualmente incorreta, mas mesmo que estivesse certa, ligar isso com Lula é muita vontade de babar ovo.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, fui às fontes, como os jornalistas deveriam ter feito. A ONU publica não somente as resoluções, como também os debates que deram origem às resoluções. No caso da última resolução, foram dois dias de debates, na quarta (22) e quinta (23). Fui dar uma busca nas atas desses debates (aqui e aqui) pelas intervenções do Brasil. No primeiro dia não há nenhuma. A intervenção no 2o dia foi a seguinte:

O representante do Brasil disse que sua delegação votará a favor da resolução, pois a Assembleia Geral deve respeitar os princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas e do direito internacional. Enfatizando que o elemento mais importante do texto é o apelo à comunidade internacional para redobrar os esforços para alcançar uma paz justa e duradoura na Ucrânia, ele disse que seu país considera o pedido de cessação das hostilidades no parágrafo dispositivo 5 um apelo a ambos os lados para deter a violência sem pré-condições“.

Estão aí os dois elementos levantados pelos jornalistas: esforços diplomáticos e cessar-fogo. O problema é que nem um e nem o outro ponto são o que os jornalistas dizem ser, os pontos devem ter sido soprados pelo governo. Vejamos.

No caso dos esforços diplomáticos, este é um ponto que já tinha sido mencionado, por exemplo, na resolução votada em outubro do ano passado. Em seu parágrafo 7, podemos ler, entre outras coisas: “… uma resolução pacífica do conflito através diálogo político, negociação, mediação e outros meios pacíficos, …”. Então, os tais “esforços diplomáticos” não foram uma ideia do Genial Guia dos Povos, mas algo que faz parte da própria natureza da ONU. Isso é tão óbvio que dá até vergonha de ter que explicar.

Mas é no segundo ponto que se encontra o ponto chave da posição brasileira. A intervenção brasileira nos debates fala de “deter a violência sem pré-condições”. Este “sem pré-condições” não está na resolução. Podemos ler no tal parágrafo 5:

Reitera a sua exigência de que a Federação Russa retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia, segundo suas fronteiras reconhecidas internacionalmente, e apela à cessação das hostilidades“.

Note 1) toda a frase anterior ao pedido de fim das hostilidades, que claramente coloca a responsabilidade sobre a Rússia em relação a este movimento e 2) a ausência do “sem pré-condições” pedido pela delegação brasileira nos debates.

Ou seja, a resolução nem mostrou uma novidade em relação aos esforços diplomáticos e nem acolheu a sugestão brasileira de um cessar-fogo incondicional. E, obviamente, não foi a Ucrânia que pediu a inclusão dessa última cláusula, como sugere Cantanhêde, basta ler a intervenção da Ucrânia nos debates. Portanto, a festinha dos jornalistas em torno da diplomacia de Lula parece mais um trabalho de assessoria de imprensa do que jornalismo.

Até aqui, uma crítica ao jornalismo. A partir daqui, uma crítica (ou um lamento) sobre a posição brasileira em relação ao conflito.

A delegação brasileira pede um “cessar-fogo sem pré-condições”. Procurei, nas atas dos debates, os países que pediram um cessar-fogo ou o fim das hostilidades. Além do Brasil, Peru, Tunísia, Costa Rica, México e China pediram um cessar-fogo. Mas o Brasil foi o único que pediu um cessar-fogo a ambos os lados sem pré-condições. Desculpem-me a crueza, mas às vezes uma imagem xucra transmite melhor a mensagem: o pedido do Brasil é equivalente a pedir para que estuprador e estuprada parem de se machucar mutuamente sem pré-condições, ou seja, o estuprador pode manter o pênis dentro da vagina da estuprada, desde que parem de brigar. É ultrajante.

Encerro com a posição do Japão nos debates, um exemplo de como uma nação civilizada deveria se posicionar sobre este conflito:

HAYASHI YOSHIMASA, Ministro das Relações Exteriores do Japão, enfatizou que o projeto de resolução é sobre a paz. A paz deve ser baseada em princípios, apontou, acrescentando que, embora as hostilidades devam cessar imediatamente, isso não produziria necessariamente uma paz abrangente, justa e duradoura. “E se um membro permanente do Conselho de Segurança lançasse uma agressão contra sua pátria, tomasse seu território e então cessasse as hostilidades, pedindo paz?” ele perguntou, chamando tal paz de injusta. Seria uma vitória para o agressor se tais ações fossem toleradas e abririam um terrível precedente para o resto do planeta, disse ele, acrescentando que o mundo voltaria à selva, seja em terra ou no mar. Conclamando a Federação Russa a retirar suas tropas imediata e incondicionalmente da Ucrânia, ele observou que a Assembleia Geral exigiu isso, assim como o Secretário-Geral e a Corte Internacional de Justiça. Infelizmente, acrescentou, “a Rússia aparentemente não se importa com as resoluções da Assembleia Geral e as ordens da Corte Internacional de Justiça, como se fossem apenas pedaços de papel inútil”, disse ele, destacando também seu abuso do poder de veto e sua retórica irresponsável como um Estado com armas nucleares.

A loteria da casa própria

O editorial do Estadão saúda a volta do Minha Casa Minha Vida, Faixa 1 (90% de subsídio). Mas alerta: as casas precisam ser de “boa qualidade” e “próximas de serviços urbanos”. E, a pedido de Lula, precisam ter varanda, segundo matéria de alguns dias atrás.

Quanto custaria uma casa com esses requisitos? Entre comprar terrenos que não estejam em periferias sem serviços e materiais de boa qualidade, posso chutar uns R$ 3 mil o m2? Para uma casa decente, com varanda como o pobre merece, tem que ter uns 50 m2 no mínimo. Então, cada casa com esses requisitos custaria R$ 150 mil.

Segundo o editorial, a fundação João Pinheiro estima em 6,9 milhões de residências o déficit habitacional no país. A um custo unitário de R$ 150 mil, precisaríamos de nada menos que R$ 1 trilhão para acabar com o problema da moradia no Brasil. O governo Lula separou R$ 9 bilhões para o programa esse ano. Se esse mesmo montante fosse aplicado todo ano, o déficit habitacional estaria resolvido em 115 anos.

Isso, falando só da entrega. Não consideramos a manutenção dos imóveis, que, obviamente, está acima da capacidade de renda de seus moradores. O resultado é a deterioração, o que faz com que, depois de alguns anos, essas famílias estejam engrossando novamente as estatísticas da fundação João Pinheiro de sub-moradias. Quando não vendem suas unidades para poderem comer, o que as joga novamente nas estatísticas da fundação.

Alguns dirão que é melhor isso do que nada. Sim, é o chamado “efeito loteria”. Diz uma teoria que as loterias têm uma função social: manter a esperança do povo, nem que seja com uma probabilidade muito pequena, probabilidade esta, via de regra, superdimensionada pela população. O mesmo com o programa habitacional do governo Lula: poucos sabem que seriam necessários mais de 100 anos para atender a todos, portanto o programa cumpre a sua função de manter a chama da esperança do povo acesa.

Na década de 90, Paulo Maluf, então prefeito de São Paulo, lançou um programa habitacional chamado “projeto Cingapura”, supostamente inspirado em algo semelhante feito na ilha asiática. A diferença, claro, é que a renda per capita lá era algumas vezes maior do que a brasileira, e o déficit habitacional local era imensamente maior. Assim, o projeto de Maluf, cujo maior símbolo foi um Cingapura que serviu de “tapume” para uma favela que dava de frente para o eixo de escritórios de alto padrão na Berrini, foi intensamente criticado por ser “cosmético” e não endereçar o problema de maneira séria. Eram os tempos em que a opinião pública exercia um ceticismo saudável.

Hoje, quaisquer R$ 9 bilhões, que servem somente para montar um palanque para Lula, são aclamados como a redenção da população pobre. Que os mais necessitados continuem tendo esperança de que serão sorteados na loteria estatal é compreensível. O que foge à compreensão é como pessoas esclarecidas, que sabem fazer conta, continuam a acreditar nesse engodo.

PS.: na minha série sobre a economia na era PT, escrevo um artigo que desmonta o Minha Casa Minha Vida, que, apesar de todas as suas promessas grandiloquentes, não mexeu a agulha no déficit habitacional brasileiro. Link aqui.

Vai caindo a ficha

Após mais de 100 dias da vitória nas eleições (quando o governo Lula efetivamente começou, com a aprovação da PEC da gastança) e 45 dias de sua posse, os formadores de opinião vão notando que algo está fora dos eixos.

William Waack, em artigo de hoje, chama a atenção para o radicalismo irrealista de Lula, movido a um intenso ressentimento. E o editorial do Estadão aponta o tom de palanque do presidente, enquanto seu governo parece perdido. Algo que “não se esperava”, dada a ampla experiência de Lula como governante.

Desde o “agora estou com medo” de Arminio Fraga, a ficha vai caindo a respeito de Lula. William Waack atribui ao tempo na prisão a perda do pragmatismo esperado por quem nele votou. Um pragmatismo, diga-se de passagem, bastante legítimo de se esperar, dado o seu primeiro governo e a aliança com Geraldo Alckmin.

Particularmente, nunca dei esse benefício da dúvida a Lula. Escrevi uma série de artigos demonstrando que as mazelas do governo Dilma tiveram sua origem no governo Lula, que tem uma visão muito primitiva do processo econômico. E a aliança com Alckmin foi feita com a pessoa física, um político ressentido com seu partido e que encontrou uma chance de sobrevivência política. Não foi, portanto, uma aliança programática, algo que pudesse, de fato, influenciar os rumos do governo.

Ainda há quem continue esperando que Lula, um belo dia, acordará pragmático, e começará a governar como o fez em seus primeiros anos. É capaz de D. Sebastião voltar antes.

Gato por lebre

Dois editoriais do Estadão começam a reconhecer que os democratas do país compraram gato por lebre.

No primeiro, lamenta-se que Lula não seja o estadista que a hora do País pede, mas apenas o chefe de um grupelho político revanchista, que insiste em chamar de golpe um processo absolutamente democrático.

No segundo, pede-se ao STF (leia-se Alexandre de Moraes) que seja mais específico na fundamentação de suas decisões em relação à cassação do direito de cidadãos expressarem-se em redes sociais.

Por enquanto, o tom é apenas de lamento e advertência. Mas são os primeiros sinais de que os democratas do País estão incomodados. Lula e Alexandre de Moraes foram instrumentais para que a democracia brasileira expelisse um corpo estranho, Bolsonaro. Agora, começam a “descobrir” que alimentaram um monstro.

Na trilogia Jogos Vorazes, ocorre uma revolução para a deposição do presidente autoritário que comanda o país com mão de ferro. Essa revolução é comandada por uma mulher que, ao assumir o poder, mostra que atuará com um revanchismo que se assemelha muito ao modus operandi do presidente deposto. Em determinado momento, em uma reunião, os democratas se entreolham, sentindo o mesmo desconforto do editorial do Estadão. No filme, dão um jeito no projeto de ditadora. E aqui no Brasil?

O verdadeiro problema da justiça brasileira

O ex-governador Sérgio Cabral, o último político ainda preso pela operação Lava-Jato, foi solto ontem. Os críticos da operação, como o editorial do Estadão, afirmam que esta é mais uma evidência de sua precariedade.

De fato, uma prisão preventiva de 6 anos pode parecer tudo, menos legal. Mas a questão não é esta. A pergunta que não quer calar é como um réu confesso como Sérgio Cabral ainda não teve a sua prisão definitiva decretada depois de 6 anos?

A Lava-Jato, a partir de determinado ponto da história, passou a ser o grande problema do sistema judiciário brasileiro. Com suas “práticas ilegais” (prisões preventivas intermináveis, jurisdição indevidamente ampliada, delações premiadas forçadas, combinação entre juiz e promotores), a operação colocou a perder o seu grande esforço de combate à corrupção. O problema desse tipo de avaliação é que as tais “práticas ilegais” foram todas avaliadas e julgadas legais por desembargadores de 2a instância e juízes do STJ. Se ilegalidade houve, Moro e os procuradores não estavam sozinhos nessa.

Os que bradam pela “lei” como o único caminho possível, convenientemente se esquecem que a lei brasileira é garantidora de impunidade. Uma prisão preventiva de 6 anos não é prova de falha da Lava-Jato, mas da incrível incapacidade do sistema judicial brasileiro de colocar corruptos de alto coturno na cadeia. A grande surpresa dos brasileiros foi saber que Sérgio Cabral estava preso preventivamente. Em qualquer país decente, Sérgio Cabral já estaria condenado definitivamente há muito tempo.

A antológica cena do seriado da Netflix sobre a Lava-Jato, em que há júbilo na prisão porque os seus processos foram para o Supremo, conta tudo sobre o sistema judicial brasileiro para quem tem bons advogados.

O que precisa ser estudado

O editorial do Estadão dá voz à perplexidade que tomou conta de alguns círculos bem-pensantes do país diante dos resultados eleitorais, particularmente para o Legislativo. Por ”razões ainda a serem estudadas”, os eleitores escolheram ministros completamente ineptos para representá-los no Congresso.

Vou dar aqui minha humilde contribuição para os “estudos” a serem feitos.

Comecemos com Damares e Salles. A questão, talvez, não é que tenham sido incompetentes. Pelo contrário. Esses dois ministros foram vistos como muito competentes na implementação da agenda vencedora das eleições de 2018, o que inclui valores conservadores da família e o uso da floresta para o desenvolvimento econômico. Para desgosto do Estadão, existe uma parcela da população que endossa essas agendas e viu em Damares e Salles seus legítimos representantes.

Já o caso de Pazuello é outro. As centenas de milhares de mortes causadas pela Covid certamente não fazem parte da agenda de ninguém. A perplexidade aqui é outra: como pode a população premiar com um mandato parlamentar um “negacionista”? O editorial reconhece que não dá para colocar 100% das mortes por Covid nas costas do governo, mas atribui à dupla Bolsonaro/Pazuello a transformação de uma calamidade em uma tragédia.

Será esta mesmo a percepção de toda a população? Creio que não. Para uma parcela dos eleitores, a Covid foi o que foi, ceifou vidas no mundo inteiro, e mesmo países com governos “responsáveis” sofreram muito com a doença. Bolsonaro deve ter perdido votos preciosos com seu discurso anti-vacina, mas não o suficiente para evitar que seu lugar-tenente fosse eleito. Aliás, pelo contrário: o discurso anti-vacina agrada uma parcela dos eleitores, o suficiente para eleger um seu representante no Congresso.

Por outro lado, o editorial constata, perplexo, que Bolsonaro obteve mais de 50% dos votos em Manaus, o epicentro da CPI da Covid. Aqui já não se trata de uma parcela da população, mas de sua maioria. Como explicar? Já tive oportunidade de escrever sobre isso aqui: os eventos de Manaus se encaixam em um contexto em que a população já está acostumada a não ter assistência decente de saúde. A população, em grande parte, simplesmente não ligou o que aconteceu com o governo federal, dado que os hospitais são estaduais ou municipais. A CPI tentou fazer essa ligação, mas só teve sucesso com quem não mora em Manaus.

Por fim, a simples ligação com Bolsonaro não foi o suficiente para eleger parlamentares. Queiroz e Wasseff não foram eleitos, por exemplo. O que reforça a tese de que não basta ser bolsonarista, é preciso trabalhar pela agenda que ele representa. O bolsonarismo é maior do que Bolsonaro. É isso que precisa ser estudado.

Garcia não é o PSDB


Trecho do editorial do Estadão

De todos os apoios políticos recebidos por Bolsonaro até o momento, provavelmente o mais inesperado e doído para os petistas tenha sido o de Rodrigo Garcia. Todas as cabeças iluminadas do partido, entre políticos e intelectuais, já haviam pulado para o colo de Lula antes mesmo do 1o turno, explícita ou implicitamente. FHC puxou a fila, com aquele aperto de mão infame com Lula vários meses antes das eleições. Ali foi o momento em que o médico finalmente fechou os olhos ao moribundo, encerrando a longa agonia do partido. Os resultados dessas eleições são apenas o fétido odor de um cadáver insepulto.

A adesão de Rodrigo Garcia ao bolsonarismo pode ser tudo, menos surpreendente. Garcia entrou para o partido, pelas mãos de João Doria, apenas em 2021, depois de ter construído toda a sua carreira política no Democratas, hoje também um partido extinto, engolido pelo que restou do PSL não bolsonarista, formando o União Brasil. O plano de Doria era lançar-se à presidência e deixar em seu lugar o vice. Para tanto, se fazia necessária a migração para o PSDB, pois essas eram as 4 letras mágicas que dominavam a política paulista há quase 30 anos. Tratou-se de uma migração por conveniência, não por convicção, como é regra na política brasileira.

Doria não era desse PSDB chorado por Bucci ou pelo editorial do Estadão. Apesar de ter uma longa história no partido, Doria não pertencia a essa intelectualidade prima-irmã do petismo. Por isso, não teve escrúpulo de abraçar-se com Bolsonaro em 2018, para salvar uma eleição quase perdida. Depois, o seu anti-bolsonarismo de ocasião não passou despercebido do eleitorado e do mundo político (que age de acordo com suas bases), soando como uma manobra artificial (mais uma) mais do que convicção. O final da história conhecemos.

Garcia, portanto, foi o implante de Doria no PSDB em uma cirurgia delicada com vistas ao seu projeto político. O (ainda) governador de São Paulo tem sua base política no interior do estado, que votou majoritariamente em Bolsonaro. É realmente muita ingenuidade achar que um político vai se posicionar contra o sentimento de sua base de eleitores em nome da “pureza ideológica” de um partido morto e a que sequer pertence de coração.

Fiquem portanto tranquilos Eugênio Bucci e o editorial do Estadão. O verdadeiro PSDB (FHC, Serra, Alckmin, José Aníbal, Tasso, Malan, Arida, etc) está apoiando Lula contra “aquele-que-não-se-pode-nomear”, honrando, assim, as cores do partido. Garcia é um forasteiro, não representa o PSDB. O fato de ser um dos poucos quadros do partido com alguma perspectiva de futuro político é mero detalhe.