Mais do mesmo

E o Estadão publica mais um editorial clamado por uma “política industrial”, que devolva a indústria brasileira aos seus heydays.

A crítica, obviamente, é que esse governo “não está fazendo nada”. Bem, não foi por falta de “fazer alguma coisa” que chegamos aonde chegamos. Desde a CSN de Getúlio, passando pela indústria automobilística de Kubitscheck, até os PNDs e Lei da Informática dos governos militares e de Sarney, o Brasil construiu sua indústria à base de muito incentivo e proteção.

Nos governos Lula/Dilma “política industrial” passou a ter um status diferenciado. Foram muitos “planos, metas e instrumentos” anunciados, como pede o editorial do Estadão. Ontem postei vídeos de Paulo Skaf reconhecendo os méritos dos governos petistas neste campo. Os resultados? O próprio editorial reconhece: queda de manufaturados nas exportações de 59% em 2000 para menos de 40% nesta década.

Este ano não dá nem para colocar a culpa no câmbio e nos juros, inimigos declarados da FIESP. Com o dólar acima de R$4 e os juros em 4,5%, difícil dizer que estão “atrapalhando a indústria”.

“Planos, metas e instrumentos” são a coisa mais fácil de se fazer. O papel aceita tudo. O duro mesmo é fazer a coisa certa, o que demanda o trabalho não de um governo, mas de uma geração. Estamos hoje colhendo os frutos dos “planos, metas e instrumentos” anunciados com banda e fanfarra pelos governos anteriores. Mas o editorialista do Estadão prefere pedir mais do mesmo.

Brasília, faça alguma coisa!

Mais um editorial do Estadão clamando por alguma “política pública” para levantar a indústria brasileira. Como é comum nesse tipo de argumentação, está a comparação com o “sucesso do agronegócio”, que só teria evoluído porque recebeu incentivos de crédito e pesquisa por parte do governo.

É lugar comum pensar no agronegócio como o “salvador da lavoura” (sem trocadilhos) da economia brasileira. Este setor da economia seria o responsável por dar robustez às contas externas, livrando o país do fantasma da crise de balanço de pagamentos que tantas vezes nos assombrou durante a nossa história.

Vejamos o que dizem os números.

Hoje, as exportações brasileiras são dominadas basicamente por três grandes grupos de produtos: agrícolas, industriais e extrativa mineral. Quanto cada um desses representa na pauta exportadora? Respectivamente 29%, 31% e 25%. Surpreso? Pois é. Exportamos, em termos absolutos, o mesmo em bens industriais e produtos agrícolas.

Como era essa divisão 20 anos atrás? Em 1999, eram 27%, 52% e 9%. Portanto, o que houve foi uma perda de importância da indústria para a mineração, e não para a agricultura. E, dentro da mineração, para o petróleo, não para o minério de ferro.

O que ocorreu neste período é que os números absolutos cresceram muito, em função da demanda da China. Então, ficamos superavitárias na balança comercial. Mas não por mérito especial do agronegócio. Aliás, dentro do agro ocorreu uma mutação interessante: a soja representava 30% da pauta exportadora agrícola há 20 anos, e hoje representa 50%. Tudo demanda da China.

Vamos olhar de outra forma: há 20 anos, exportávamos cerca de U$50 bilhões. Hoje, exportamos U$225 bilhões, um crescimento de 350%, ou 8% ao ano. As exportações agrícolas cresceram, no mesmo período, de 13 para 65 bilhões, ou pouco acima de 8% ao ano. Por outro lado, as exportações de soja cresceram 11% ao ano no mesmo período. O que houve foi uma rotação dentro do setor agrícola para atender a China.

Tudo isso pra dizer que existe uma certa mística em torno do agronegócio, que se transforma em uma miragem inalcançável para a indústria. Como se “Brasília” (sim, o editorial cita a capital da burocracia como solução dos problemas) tivesse o condão de fazer pela indústria o que “fez” pelo agronegócio. Ora, Brasília, se fez alguma coisa, foi atrapalhar o agronegócio, com uma infraestrutura caindo aos pedaços da porteira para fora da fazenda, além do pesadelo tributário e legislativo que nos impõe a todos. Os paliativos que oferece, como as pesquisas da Embrapa ou linhas subsidiadas de crédito, são só isso mesmo, paliativos.

O agronegócio só conseguiu manter o seu share nas exportações porque apareceu a China demandando nossa soja e temos uma vantagem competitiva nessa área, que é o clima e o solo. Como é óbvio, essas vantagens competitivas desaparecem quando se trata da indústria. É um verdadeiro milagre que produtos industriais ainda representem um terço das nossas exportações. Trata-se de um setor que sobreviveu a incontáveis “políticas industriais” ao longo de décadas. Nossa indústria é “nascente” desde que Getúlio resolveu instalar a CSN. Sabe como é, quase 80 anos não foram suficientes. É preciso que Brasília “faça alguma coisa”.

O Facebook usa os seus dados. Assim como toda a indústria de publicidade.

Editorial do Estadão diz, horrorizado, que o Facebook usa os dados do usuário “mesmo contra a sua vontade” para, vejam só, “ganhar dinheiro”.

Não lembro de ter tido a opção de assinar o Estadão “sem anúncios”. Eles vêm junto com a assinatura do jornal quer eu queira, quer não. Recebo um monte de anúncios “contra a minha vontade”.

Da mesma forma, o Facebook não dá a seu usuário a opção de não utilizar seus dados pessoais para receber seus anúncios. Ocorre que os smartphones vêm com um mecanismo para bloquear o GPS de certos aplicativos para os quais o usuário não deseja franquear a sua localização. O que Zuckerberg afirmou é que o Facebook tem condições de saber a localização do usuário por outros meios. O importante aqui é notar que, em momento algum, o Facebook permite que o usuário escolha não compartilhar os seus dados. Seria um suicídio empresarial, assim como um jornal que desse a opção de um jornal “sem anúncios” para o seu assinante.

– Ah, mas é diferente. O jornal não usa os dados pessoais dos seus leitores, os anúncios vão simplesmente encartados no jornal para quem o compra.

O jornal usa os meus dados pessoais sim. Ao vender espaço publicitário, o jornal descreve o seu leitor: classe A-B, nível universitário, morador preponderantemente dos bairros X, Y, Z. O Facebook faz exatamente a mesma coisa, segmenta os seus usuários com base em seus dados, só que com muito mais eficácia.

O Facebook é um aplicativo “gratuito”. E, a essa altura do campeonato, devem ser muito poucos os que acreditam que a gigante das redes sociais seja uma entidade filantrópica, em que seus funcionários vivem de água e luz. Todo mundo sabe que seus dados são o preço para usar “gratuitamente” a ferramenta, assim como sabem que a publicidade do jornal é o que paga o salário dos jornalistas.

Para aqueles que se sentem incomodados em compartilhar os seus dados, a solução é simples: deixe de usar o Facebook e qualquer outra rede social, da mesma forma que um assinante incomodado com os anúncios pode deixar de recebê-los ao deixar de ler o jornal. É sempre melhor o usuário decidir o que fazer do que o governo decidir por ele.

Fake news or not fake news: that’s the question

São mais de R$ 8 milhões/ano gastos em altíssimos salários para apadrinhados de políticos, em um órgão que produz virtualmente zero para a população de São Paulo.

Sim, estou furioso, e poderia parar por aqui.

Mas aí me ocorreu: o Estadão, onde a denúncia foi publicada hoje, é um jornal que publica “fake news”. Pelo menos, foi isso que aprendi no episódio da jornalista que queria “destruir” o governo Bolsonaro. Toda aquela história do Queiroz, por exemplo, foi tudo perseguição, pelo que pude ler aqui no FB.

Então, esse caso da Assembleia certamente tem muito de exagero ou má fé do jornal, certeza.

Ou não, dado que se trata da “velha politica”, que só faz coisa ruim.

Estou confuso.

A justiça brasileira não falha

Em 14 de agosto de 1998, o Estadão publicou um editorial em que o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho se sentiu lesado, entrando com uma ação contra o jornal.

Ontem, 4 de abril de 2019, o Estadão foi condenado a publicar retratação na página A4, o que foi realizado hoje.

Hoje poucos se lembram de quem foi Luiz Antônio Fleury Filho e muito menos o contexto que deu origem ao editorial, mais de 20 anos depois do ocorrido.

A lentidão da justiça brasileira é um estudo de caso mundial. Lembre-se que é com isso que contam os advogados que defendem apaixonadamente a prisão apenas após o “trânsito em julgado”.

O conto da soberania nacional

E o Estadão, quem diria, caiu no conto da “soberania nacional”.

Li ontem a entrevista do dono da Azul (citada no editorial) criticando a MP de Temer que libera o capital estrangeiro no controle das aéreas. Fiquei com vontade de escrever, mas outros assuntos tomaram meu tempo. Com esse editorial, no entanto, percebi que a patacoada da “soberania nacional”, que pensava estar circunscrita à esquerda dinossáurica, tomou conta do bastião do liberalismo brasileiro. A coisa ficou séria.

Em primeiro lugar, um argumento “ad hominem”: o único que criticou a medida foi o dono da Azul. Americano naturalizado brasileiro, é um fundador “em série” de companhias aéreas nos EUA. Por ser brasileiro, pode deter até 100% do capital da Azul. Mas a origem do seu próprio capital certamente não é 100% “nacional”. O que, por si só, já mostra a idiotice de se tentar carimbar a origem do capital.

Essa idiotice fica clara, por exemplo, quando analisamos o caso da TAM. Ou melhor, Latam. É público e notório que a TAM é controlada pela Latam, aérea de origem chilena. Mas por um arranjo societário, o capital da TAM ainda é controlado pela família Rolim Amaro. Tudo pra inglês ver.

Por que o dono da Azul estrilou? Simples: seus competidores diretos, principalmente Avianca, mas também a Gol, poderão ter injeções importantes de capital, reforçando suas operações no Brasil e tornando mais dura a concorrência. Simples assim.

Vamos agora aos argumentos diretos. O Estadão, ecoando as objeções do dono da Azul, coloca dois argumentos contra a abertura para o capital estrangeiro: 1) a “assimetria” de condições das empresas brasileiras em relação às estrangeiras e 2) a perda da tal “soberania nacional”.

Com relação à assimetria, é justo o oposto. Ao permitir a capitalização das empresas locais, se elimina uma fonte de assimetria em relação às companhias estrangeiras. Agora, pelo menos, Gol e Avianca poderão contar com mais capital para fazer frente à competição propiciada pelo acordo de “céus abertos” com os EUA.

O dono da Azul, reverberado pelo Estadão, mistura laranjas com bananas: diz que já existe uma assimetria forte porque, por exemplo, os pilotos daqui não podem voar tanto quanto os pilotos dos EUA. Pergunto: o que tem a ver o cã com as calças? Seria como um perneta ser convidado a correr contra atletas com as duas pernas e, ainda por cima, ser proibido de usar uma prótese. As aéreas brasileiras são pernetas, e o capital estrangeiro é a prótese.

Mas a “soberania nacional” é a cereja que toma conta do bolo todo. Sério, soberania nacional? O dono da Azul apenas fala da tal “soberania”, como se fosse um conceito autoexplicativo, como por exemplo “neoliberalismo” e “fascismo”. Está no rol dessas palavras de ordem da esquerda pré-histórica, e que dispensa maiores explicações. Mas o Estadão não nos deixa na mão: o editorial nos dá um exemplo do perigo que é deixar tudo nas mãos dos alliens. Imagine você que, um dia , uma empresa dessas simplesmente decida ir embora. Como ficaremos nós, os brazucas, sem avião pra voar? Muito perigoso isso.

O Estadão deve pensar que empresa aérea é como médico cubano. Não gostou do nariz do presidente, arruma suas malas e vai embora. Assim, do dia para a noite.

Alguém precisa explicar para o editorialista do Estadão como funciona o mercado. Sem dúvida, uma empresa estrangeira pode fazer suas malas e ir embora quando quiser, se não encontrar retorno para o seu capital aqui. Isso pode acontecer, e acontece, em qualquer ramo. Como funciona? A empresa é vendida para outra, que a absorve. Os clientes continuam atendidos.

– Ah, mas o atendimento piora né?

Sim, provavelmente. Isso porque aquele nível de atendimento anterior não se pagava, não remunerava o capital adequadamente. Não existe milagre no mercado, existe “you get what you pay for”.

Talvez o Estadão prefira que uma empresa aérea vá embora porque faliu, como é o caso da Avianca, aí sim deixando na mão os seus clientes. Tudo em nome da “soberania nacional”.

Como a defesa da “soberania nacional” não faz o mínimo sentido econômico, só posso pensar que o Estadão esteja com receio de que, em caso de guerra com as “potências estrangeiras”, os governos imperialistas ordenem às companhias aéreas de seus países o imediato fim das operações em terras tupiniquins. Ok, vamos sacrificar o serviço ao consumidor em nome de uma paranoia? O governo Temer disse que não. E, mais uma vez, acertou.

Quando o jornalismo milita

Às vezes dá dó do jornalismo militante. A ânsia de provar uma tese é tão grande, que os requisitos mínimos da lógica e da aritmética são atropelados e ficam lá, estatelados e moribundos, no meio da via, enquanto o jornalista continua seu caminho como se nada tivesse acontecido.

Esta pequena reportagem do Estadão ilustra o ponto. A pauta é: como o governo Trump está fucking the world com sua visão obtusa e anticientífica sobre o aquecimento global.

Vamos começar pelo ponto mais óbvio: o título. 10% do PIB é coisa pra chuchu. Seria algo com que se preocupar de verdade. Mas aí você vai ver, e as perdas somam US$291 bi. Em um PIB de aproximadamente US$20 trilhões, temos o equivalente a 1,5% do PIB. Claro, qualquer perda do PIB é de se lamentar, mas vamos combinar que 1,5% é bem diferente de 10%. Tem alguma coisa errada nesses números, mas não fica claro onde.

Depois desse erro crasso de aritmética, começam as sutilezas que ferem a lógica. Por exemplo, logo no início do texto, o repórter afirma que as conclusões do relatório contrariam o próprio presidente, que “não acredita na influência humana sobre o aquecimento global”. Ora, a matéria não diz que o estudo da Casa Branca coloca na ação humana a fonte do aquecimento global. São citados uma série de números, mas em nenhum momento é colocada essa relação. Pode ser que exista, mas o jornalista não fez questão de deixar isso claro. O que temos é um diagnóstico do aquecimento, não uma relação de causa e efeito. Mas isso é irrelevante quando se trata de eleger o inimigo público número 1 do meio-ambiente e da humanidade.

Na linha de isolar o belzebu, não pode faltar a figura do “especialista”. Cavaram um cara de uma tal Wesleyan University (qualquer verossimilhança com um filme de Mel Brooks é mera coincidência) para dizer que “se perdermos mais 5 anos, a história piora”. Ok, Trump não está fazendo nada e a história só vai piorar. Mas o que dizer dos 15 anos anteriores? O mesmo professor diz que “perdemos 15 anos de tempo de resposta”. Uau! 15 anos inclui todo o mandato de São Obama, o champion das causas ambientais. Quer dizer então que Obama perdeu “tempo de resposta”? E por que exigir de Trump o que Obama não fez? Ainda bem que convidaram um especialista de uma universidade obscura pra dar palpite, senão eu ia levar isso aí a sério.

Os créditos da reportagem são do New York Times e do Washington Post. Não sei se foi feita uma tradução literal ou se alguém juntou informações de artigos publicados na imprensa americana e cometeu isso aí. Não importa. O fato é que a matéria não para em pé.

Não duvido nem desduvido do aquecimento global e nem da influência humana sobre o mesmo. O que me deixa triste é que toda vez que, de coração aberto, leio uma reportagem sobre o tema e busco informações para me convencer a respeito da influência humana sobre o aquecimento global, saio de mãos vazias. O jornalismo tem feito um trabalho porco nessa área, mais militando do que informando. O resultado é o aumento do ceticismo a respeito do tema, não o inverso.