PL das Fake News já!

Para quem ainda tem dúvidas sobre a necessidade da PL das Fake News, esse episódio do filho do ministro do STJ é o argumento definitivo: precisamos regular as redes sociais.

Em primeiro lugar, o vídeo claramente atenta contra os pilares do Estado Democrático de Direito, ao mostrar o filho do ministro exibindo roupas de marca em uma rua de Amsterdã. Segunda a juíza que mandou retirar o conteúdo das redes, o vídeo tem “o objetivo de ridicularizar o autor e, por meio disto, atingir terceiro, injustificadamente”. O “autor” é o filho do ministro, enquanto o “terceiro” é o próprio ministro. Ainda bem que ainda há juízes no Rio de Janeiro para proteger o autor de si mesmo.

Mas o problema não acaba aqui. O vídeo teve quase 3 milhões de visualizações, e só foi retirado após a intervenção da justiça. Está aí o motivo pelo qual a aprovação do PL das Fake News é tão necessária: um ataque desse naipe à nossa Democracia circulou por aí descontroladamente, colocando em risco as nossas Instituições. Estivesse o PL ativo, as próprias redes tirariam o conteúdo do ar muito antes, pois os seus censores, quer dizer, analistas de conteúdo, perceberiam o potencial desestabilizador do vídeo, evitando que fosse utilizado pelo submundo fasci-nazi-bolsonarista para colocar em dúvida a higidez de nosso sistema judiciário, que, como bem lembrou o nosso decano, deu uma reposta à ameaça anti-democrática de forma muito melhor que a justiça americana.

PL das Fake News já!!!

Quem escolhe o que você vai ler, ouvir e assistir?

Em sua coluna de ontem, Pedro Doria pondera que o problema não é o que é dito, mas como o que é dito chega até nós. O colunista nos lembra que, no passado, para nos informarmos sobre o que ia no mundo, precisávamos ler jornais, ouvir rádio e assistir a TV, tudo isso à nossa livre escolha. Ou seja, escolhíamos a que tipo de informação teríamos acesso. Hoje não. Hoje, são os algoritmos que decidem o que vamos ler, ouvir e assistir. Assim, e essa é a conclusão de Doria, “as ideias radicais já existiam e não havia necessidade de censura, porque as ignorávamos coletivamente, e hoje os algoritmos as impulsionam”. Não está dito, mas fica subentendida a necessidade de censura do conteúdo das redes.

Os malabarismos de Pedro Doria para defender a censura nas redes estão equivocadas em dois aspectos.

Em primeiro lugar, as pessoas nunca foram livres para ler o que bem entendessem. Sempre houve um algoritmo, no caso, humano, que define o que vai aparecer nos jornais e programas de rádio e televisão. Não somente a notícia que vai aparecer, mas o tom dado. Durante crises políticas, faço questão de assistir ao Jornal Nacional, pois quero entender como a Globo está se posicionando, dado o seu grande poder de influência (hoje menor por conta das redes, mas ainda assim grande). Inclusive, o apelo à emoção, um dos elementos dos algoritmos das redes, sempre esteve presente na confecção das manchetes. O clique de hoje era a compra do jornal na banca de ontem. As redes somente automatizaram o processo. E cabe destacar que o algoritmo humano era tão opaco quanto o automatizado, a não ser quando sob censura estatal, ocasião em que o algoritmo fica claro para todo mundo.

Ainda sobre este primeiro aspecto, pode-se argumentar que a imprensa tradicional responde pelo que publica, o que não acontece com as redes. E nem poderia. Afinal, o jornal publica conteúdo próprio, ao passo que as redes publicam conteúdos de terceiros. São os terceiros que devem assumir a responsabilidade, não as redes. Apesar disso, as redes já hoje mobilizam exércitos de funcionários para monitorar e retirar conteúdos criminosos das redes. Mas sabemos que não é disso que se trata, mas sim, da repressão a conteúdos políticos, como se a imprensa tradicional não assumisse posicionamentos políticos em cada linha e frase que os editores decidem publicar.

O segundo aspecto a se considerar é a afirmação de que, antes dos algoritmos automatizados, ideias extremistas ficavam isoladas, não causando mal às sociedades. Joseph Goebbles daria gostosas gargalhadas diante de uma afirmação dessas. O chefe da propaganda do Reich não precisou de um Tik Tok para manipular a sociedade alemã. Aliás, cabe se perguntar se a sociedade alemã não se deixou manipular voluntariamente. As coisas são muito mais complexas do que a ideia simplista de manipulador-manipulados. O fato é que os radicalismos políticos antecederam as redes em muitos milênios.

Toda essa elaboração elegante de Pedro Doria serve apenas para justificar a censura, o que não deixa de ser triste, em se tratando de um jornalista.


Corroborando o que escrevi acima, quando pressionei a tecla “publicar” no Facebook, recebi uma mensagem alertando para o fato de que o meu post poderia ferir as “regras da comunidade”, e que a minha conta poderia sofrer restrições. Imagino (só imagino) que tenha sido pelo fato de ter usado a palavra “n a $ i s t a”. Troquei a palavra por Reich, vamos ver. Aliás, essa é a primeira vez que isso acontece comigo, uma experiência nova.

É sobre isso: as redes já filtram certos conteúdos, com base em critérios opacos. Exatamente como fazem os editores na imprensa tradicional.

Matando o mensageiro

Essa discussão é assaz interessante: seriam os jornais responsáveis pelo conteúdo de suas entrevistas?

O caso concreto, que deu ensejo ao atual julgamento no STF, refere-se a uma entrevista de 1995 no Diário de Pernambuco, em que o entrevistado acusa um parlamentar de um certo crime. Durante o processo na justiça, o entrevistado negou que tivesse feito tal acusação, e o jornal já não tinha a gravação da entrevista. A justiça condenou o jornal por calúnia, e o caso chegou ao STF.

A mim me parece óbvio que os jornais não deveriam responder por calúnia no caso de entrevistas. Afinal, são apenas os mensageiros. Como bem lembra o presidente da ANJ, Marcelo Rech, grandes momentos da política nacional, como o impeachment de Collor e o Mensalão, começaram com entrevistas bombásticas. Se os jornais estivessem sob a ameaça de serem processados, talvez as entrevistas com Pedro Collor e Roberto Jefferson jamais tivessem conhecido a luz do dia. No caso do Diário de Pernambuco, o entrevistado poderia ter entrado com um processo contra o jornal por ter “inventado” a entrevista logo depois de publicada, mas não o fez.

Mas gostaria de chegar a outro lugar. Essa discussão nos leva à responsabilidade das plataformas sobre o conteúdo publicado por terceiros, um debate que esquentou durante a tramitação do chamado PL das Fake News. Para quem não lembra, o PL estabelecia que as plataformas deveriam fazer um trabalho de curadoria sobre os conteúdos, retirando não somente os falsos, mas também os nocivos. Ora, se os jornais, que fazem um trabalho de edição do que publicam (afinal, essa é a definição de jornal), não podem ser responsabilizados pelas palavras de terceiros transcritas em suas páginas, quanto mais uma plataforma que, por definição, não faz edição.

O que a ANJ corretamente defende, a liberdade de informação, vale com mais razão para as plataformas. Que o produtor do conteúdo seja responsabilizado pelo que falou. O jornal e as plataformas são apenas o papel da carta.

A fonte da água está estragada

O governo Lula mandou ao Congresso um pacote de leis que prevê, entre outras coisas, o endurecimento de penas para aqueles que perpetram “atos anti-democráticos”. O pacote até recebeu um apelido, nada menos do que “pacote da democracia”.

As críticas que li referem-se à inutilidade do endurecimento de penas para coibir o crime. Fico até feliz em ver que um governo de esquerda, sempre tão descrente da eficácia das penas e das prisões, esteja agora patrocinando um pacote de aumento de penas. No dizer do ministro da Justiça, “não resolve, mas dificulta”. Puxa! Um verdadeiro giro de 180 graus. Espero que essa visão se estenda a outros tipos de crimes. Sim, eu sei, trata-se de uma esperança vã.

Ao mesmo tempo, não li nenhuma crítica ao objeto do pacote em si. Quando se tem um governo que avalia como democráticos regimes como os da Venezuela e da Nicarágua, podemos imaginar o que significa um “pacote da democracia”. Quem vai definir o que é um “ato anti-democrático”? Qual a régua? O mesmo governo que acha que existe democracia até demais na Venezuela?

Este pacote terá, no Congresso, o mesmo fim que teve o projeto das fake news, e pelo mesmo motivo: a fonte da água está estragada. E não vai nem precisar do lobby das big techs.

Isso é política

Qual a diferença entre o PL das fake news e a PEC da reforma tributária? Ambos tiveram amplo apoio do governo, inclusive com liberação de verbas, e o trator de Arthur Lira funcionando a todo vapor. No entanto, o PL das fake news, que precisava de maioria simples para a sua aprovação (257 votos) foi engavetado, ao passo que a PEC da RT foi a votação e recebeu nada menos do que 382 votos. Qual a diferença?

A diferença é o teor da lei que estava sendo discutida. Por incrível que possa parecer, o Congresso é o lugar onde se aprova leis, e o seu conteúdo importa. No caso da PL das fake news, havia uma carga ideológica grande, envolvia valores como liberdade de expressão, e o seu conteúdo era ruim mesmo, inviabilizando o funcionamento normal das redes sociais no Brasil, como tive oportunidade de comentar aqui. Já no caso da PEC da RT, apesar de todo o esforço bolsonarista de lhe atribuir um caráter ideológico (seria a ante-sala do comunismo, nada menos que isso), trata-se de um texto técnico e político, que envolve a forma de tributar no Brasil. Assim, o texto, com todas as demasiadas exceções previstas, foi levado a votação e conseguiu convencer 382 deputados.

Por mais que se tenha uma visão do Congresso como um grande balcão de negócios (e é mesmo), ainda assim a política tem o seu papel. Há coisas inegociáveis, como demonstrou a PL das fake news. E há coisas que, com as devidas adaptações, (e haja adaptações no texto dessa PEC), é possível negociar. Só fica à margem de negociações quem quer se manter puro em seu reino de virtude. Mas esse reino não pertence a este mundo, onde as coisas são decididas, como demonstraram os 382 votos de ontem. Isso é política.

A desqualificação anti-democrática do debate público

Ainda sobre a “pressão anti-democrática” das big techs sobre os deputados e a opinião pública. Reportagem de hoje repercute um estudo acadêmico que “prova” que o YouTube tem viés, ao privilegiar vídeos em sua plataforma que são contra o PL. Depois de ter que ler que Arthur Lira, a motoniveladora de regimentos, afirmou que as big techs “ultrapassaram os limites do contraditório democrático”, a matéria entra no estudo em si.

Os pesquisadores usaram uma ferramenta para descobrir que os 5 vídeos mais vistos contra o PL alcançaram 7,9 milhões de visualizações, contra apenas 0,9 milhão dos vídeos a favor. Bem, é provável que os repórteres não tenham entendido direito o estudo, porque para somar vizualizações não é necessária ferramenta alguma, basta saber somar. A questão, no entanto, é que os vídeos contra o PL realmente foram mais vistos, em uma proporção de 8 para 1, quando se comparam os 5 vídeos mais vistos de cada categoria. Por que?

Uma explicação é aquela alegremente abraçada pela reportagem: o YouTube estaria maliciosamente direcionando a audiência para os vídeos que lhe interessavam. A corroborar a tese, estaria um estudo “acadêmico”, o que quer dizer um estudo desinteressado e não enviesado, como tudo o que os cientistas produzem.

Mas há uma segunda explicação, para mim mais plausível. Não tive acesso ao “estudo”, mas gostaria de ver se o número de assinantes de cada canal foi usado como variável de controle para o levantamento. Porque é só obvio que canais com mais assinantes terão mais vizualizações. A questão é saber se o número de vizualizações foi desproporcional ou não ao número de assinantes de cada canal. Infelizmente, se essa informação existe, não foi informada na matéria.

Mas, mesmo que fosse encontrada uma desproporcionalidade estatisticamente significativa, isso por si só não provaria nada. A explicação poderia estar no “efeito rede”, que os algoritmos, grosso modo, seguem. Na Amazon, você verá sugestões de livros que outras pessoas que compraram aquele livro que você está visitando compraram. As redes sabem que aumentam as chances de visualização se as sugestões estiverem em linha com o gosto revelado pelo internauta.

– Ah, mas neste caso, o YouTube deveria balancear as recomendações, para o bem do debate democrático.

Não. Primeiro, que nem sei se isso é tecnicamente possível. Depois, e principalmente, porque as redes não são (nem poderiam ser) mediadoras do debate democrático. As redes são empresas que buscam maximizar o tráfego, e seus algoritmos são projetados para isso. Se isso cria bolhas ao longo do tempo, é outra discussão. Mas daí a dar o salto quântico e concluir que o YouTube maliciosamente direcionou tráfego para enviesar o debate público, vai uma distância cósmica.

O que mais uma vez fica claro é o desejo de desqualificar o contraditório. O uso do adjetivo “extrema direita” para se referir aos canais com opinião contrária vai na mesma linha do uso de palavras como “fascista” ou “neoliberal”, usadas para provocar ojeriza no receptor da mensagem.

Mas a coisa vai além. Uma das autoras do estudo considera que os internautas sejam hipossuficientes, parvos facilmente impressionáveis pelo primeiro vídeo que veem sobre determinado assunto, uma espécie de página em branco, pronta a receber o conteúdo do primeiro aventureiro que dela se apossar.

Pessoas com esse mindset, em ambos os lados do espectro político, costumam chamar aqueles com quem não concordam de “gado”. Claro, é sempre o “outro lado” que é sugestionável, diferente do “nosso lado”, que forma a sua opinião de acordo com pressupostos racionais e democráticos.

Eu prefiro pensar que quem realmente quer se informar, procura ativamente opiniões de ambos os lados. Mas essa é uma minoria. A maioria já tem a cabeça feita, e procuram opiniões que confirmem a sua própria (chamamos isso de “viés de confirmação”). Ou seja, mais vídeos contra o PL foram vistos porque mais pessoas eram contra o PL, e não mais pessoas ficaram contra o PL por terem visto mais vídeos contra o PL.

O curioso é que no site do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (ao qual a universidade onde foi feito o estudo é filiada), lê-se que um dos eixos de pesquisa é o “eparticipation”, o que envolve “capacitar e empoderar os cidadãos para expressarem suas opiniões e poderem exercer influência nos processos de decisão na esfera pública”. Faltou dizer “desde que a opinião seja a ‘certa’, e não ‘radical’ ou de ‘extrema direita’”. Certa vez, Pelé afirmou que o brasileiro não sabia votar. Por trás dessas palavras estava a presunção de que o brasileiro é hipossuficiente, e não vota nos candidatos que tem as ideias que eu acho “certas”. Nesse campo, estou com o saudoso Mário Covas, que dizia que o eleitor sempre vota certo, cabe aos políticos interpretar o seu voto. Essa desqualificação do voto e da opinião de uma parcela dos brasileiros não passa de uma tentativa anti-democrática de calar o contraditório.

Big Techs: o bode espiatório perfeito

O Estadão pública reportagem em que atribui às Big Techs o fracasso na tramitação do PL das fake news. Mais do que a atuação das Big Techs, tomamos conhecimento de como os autores da matéria entendem o funcionamento das redes e do processo democrático. Vejamos.

A reportagem tem início com a informação de que as Big Techs lideraram “uma operação de pressão e lobby” e “atuaram fortemente” para a derrubada do PL. Para provar o ponto, os repórteres fizeram um levantamento do número de vezes que representantes das empresas estiveram no Congresso. Além disso, conseguiram as aspas do presidente da Frente Parlamentar de Economia e Inclusão Digital, que afirmou que havia “recebido representantes de todas as plataformas”.

Além disso, as Big Techs teriam incentivado os cidadãos a fazerem pressão nas redes. A operação teria começado em 19/04, com o batismo do projeto de “PL da censura”, sugerindo que esse apodo tivesse sido criado nos gabinetes do Google e da Meta. Expressões como “os internautas foram instigados a mandar mensagens” e “as plataformas deram voz aos internautas para pressionar deputados” mostram como os repórteres quiseram transmitir a ideia de que, por trás de tudo, estavam sempre as poderosas Big Techs.

Este último ponto me faz lembrar as teorias da conspiração que envolvem George Soros por trás de toda a agenda da esquerda. No caso, os internautas não passariam de marionetes nas mãos das Big Techs. Na ânsia de provar o quão maléficas podem ser as plataformas (“empresas estrangeiras” foi um termo usado, para sugerir que houve interferência alienígena no processo democrático brasileiro), os repórteres não sentem vergonha de abraçar uma teoria da conspiração tosca. Não lhes passa pela cabeça que os “internautas” não precisam de muito para desconfiar de um PL abraçado com tanto ardor pelo PT.

Mas é em outra expressão que, me parece, está o grande engano da matéria. Os autores se referem à atuação das Big Techs como “interferência na discussão do Congresso”. Bem, até onde eu saiba, apesar de não regulamentada, a atuação de lobbies dentro do Congresso não é proibida. Se isto se configura como uma interferência indevida, então temos interferências indevidas desde quando Cabral aportou no Brasil. Isso existe nas democracias mais maduras, onde a atividade é regulamentada, e ninguém é acusado de “interferência”. Aliás, muito provavelmente os grandes jornais também contam com seus lobistas. Afinal, a remuneração da mídia que passou a fazer parte da PL das Fake News não está ali de graça.

Enfim, a matéria exerce o jus sperneandi, procurando os “culpados de sempre” para o fracasso, no Congresso, desse PL. É mais fácil do que admitir que o projeto não conseguiu convencer a maioria dos brasileiros e de seus representantes no Congresso. O processo democrático pode ser bastante doloroso.

O direito de criar fábulas

Lula defendeu-se ontem das críticas à sua fala abjeta sobre a Venezuela. E ficou claro que Lula, para não variar, estava, na verdade, falando de si mesmo, e não da Venezuela. Em sua defesa, Lula afirma que foi preso como consequência de mentiras embaladas em uma falsa narrativa.

O que é uma narrativa? Narrativa nada mais é do que a tentativa de encaixar os fatos em uma sequência lógica, que faça sentido. Note que, no núcleo da narrativa, é preciso que exista um fato concreto. Se não existir, a narrativa se torna fábula, uma história inventada. Por exemplo, para se defender da acusação de que ganhou um triplex reformado do empreiteiro Leo Pinheiro, Lula inventou a narrativa de que o dono da OAS fez a reforma, incluindo uma cozinha Kitchen totalmente equipada, por sua livre e espontânea vontade, só para agradar D Marisa e fisgar o comprador. Como este “fato” é mais difícil de engolir do que pequi com casca, na verdade trata-se de uma fábula.

A narrativa faz parte da luta política. Quando Lula acusa os adversários de Chavez de inventarem mentiras, na verdade está condenando a política. Toda a oposição é resumida a uma “narrativa mentirosa”, ou seja, não baseada em fatos. Fábulas. Não se enganem: Lula encara toda a oposição que recebe no Brasil da mesma forma.

Durante a campanha eleitoral do ano passado, o PT foi acusado pelos bolsonaristas sobre a intenção de fechar igrejas. Tratava-se de uma narrativa baseada em um fato: o apoio do partido e seu candidato a Daniel Ortega, que estava fechando igrejas e prendendo bispos na Nicarágua. Os petistas reagiram, dizendo que era fake news, que não havia nenhuma intenção de fazer o mesmo. Mas o fato incontornável dessa narrativa não foi contestado, qual seja, o apoio ao regime nicaraguense. Se houvesse uma mísera notinha do partido condenando Ortega, o núcleo da narrativa desapareceria. Estamos aguardando essa notinha até hoje. Aliás, o TSE proibiu a campanha de Bolsonaro de ligar Lula a Maduro e Ortega, em uma clara intervenção na legítima narrativa política.

Note que Lula não pede a Maduro que contraponha “narrativas mentirosas” com fatos. Lula fala em “combater narrativas com a sua própria narrativa”. O mundo de Lula é um mundo de “narrativas” sem base em fatos. É um mundo de fábulas. Por isso, o espanto das pessoas de bom senso, que ainda se apegam aos fatos. Lula, ao defender Maduro, está, na verdade, defendendo o seu próprio direito de criar fábulas.

O abuso do poder de emitir opinião

Diretores do Google e Telegram serão investigados. Pelo que entendi da notícia, serão as pessoas físicas, não jurídicas. Se isso não é intimidação, preciso procurar o significado dessa palavra no dicionário.

A investigação (curioso para saber o que irão investigar) foi pedida pelo exemplo de democrata, Arthur Lira. A acusação é de abuso do poder econômico para disseminar desinformação sobre o PL das fake news. Bem, não ocorreu a nosso democrata chamar de “abuso de poder econômico” a campanha maciça da imprensa, principalmente a Globo, por meio de seus jornalistas e reportagens, a favor do PL, incluindo o uso e abuso de uma correlação emotiva, mas fake, entre um suposto aumento da violência nas escolas e as redes sociais. Neste caso, o uso do poder econômico para influenciar o debate estava do lado da “verdade”. De modo que o problema não é exatamente o uso do poder econômico, mas o seu abuso para cometer um crime. No caso, uma opinião contrária ao PL das fake news.

Abuso de poder econômico para ganhar mercado ou eleições é crime tipificado. Abuso de poder econômico para propagar ideias precisará encontrar seu lugar no Código Penal. E, se for criada essa jurisprudência ao arrepio da lei, que se prepare a imprensa quando for acusada da mesmíssima coisa por um governo menos amigo.

Todas as reportagens sobre este assunto insistem no ponto de que as Big Techs foram as responsáveis pelo adiamento da votação do PL. Como se os deputados fossem uns bocós e, por conta de um link na página inicial do Google, tivessem mudado de ideia. O problema é que o governo Lula tem uma base de geleia, ainda mais quando se trata de um assunto ideológico como esse. A verdade verdadeira é que uma parte relevante do parlamento desconfia das intenções do PT quando patrocina com tanto ardor um projeto de lei dessa natureza. Mesmo que contasse com um texto perfeito, acima de quaisquer suspeitas (o que não é verdade, já analisei isso aqui), o PL veio para a votação com um vício insanável, o apoio incondicional do PT. Ações como os de Alexandre de Moraes, Flávio Dino e, agora, Arthur Lira, somente fazem aumentar as desconfianças dos parlamentares.