O que é esse tal “mercado”, que fica “nervoso” por nada? Se pudéssemos identificar o “mercado”, talvez pudéssemos levá-lo para algumas sessões de psicoterapia que o ajudasse a manter a calma e não surtasse por qualquer bobagenzinha. Isso só “atrapalha o Brasil”, como já disse o nosso quase ex-presidente, com o qual certamente o nosso futuro presidente concordaria em gênero, número e grau.
Ontem, um tarimbado comentarista da Globo News afirmou que o mercado é “bolsonarista” e, por isso, teria ficado “nervoso” com as falas de Lula. Essa é nova.
Mas o que é, afinal, esse tal “mercado”? O mercado, muitas vezes, é confundido com os seus operadores. A “Faria Lima”, sede de muitos bancos de investimentos e gestores de recursos, seria a encarnação do mercado. A questão é que os operadores cuidam do dinheiro alheio, e precisam prestar contas do bom retorno desse dinheiro. Desde o poupador em caderneta de poupança até o mega investidor em startups de tecnologia, todos querem o seu dinheiro de volta algum dia com algum retorno. E, do outro lado da mesa, desde o tomador de um pequeno empréstimo consignado até a grande empresa que emite uma debênture para financiar empréstimos de longo prazo, querem ter disponíveis linhas de crédito a taxas módicas. No meio, os operadores do mercado financeiro tentam juntar as duas pontas. Esse é o tal do “mercado”.
Ocorre que o governo, com sua dívida de quase R$ 6 trilhões, com 25% disso vencendo em menos de um ano, é, de longe, o maior player do “mercado”. Para se ter uma ideia, as operações de crédito dos bancos somavam, em setembro, R$4,7 trilhões. Ou seja, o montante de dinheiro que os bancos emprestam para empresas e pessoas físicas no país é menor do que o montante emprestado para o governo.
Como se não bastasse, o Estado é o monopolista da emissão do dinheiro. Então, além de ser o maior tomador de empréstimos do país, o governo, no limite, pode rodar a maquininha para “pagar” as suas dívidas, gerando inflação. Claro, há regras institucionais que impedem esse tipo de coisa, mas o que são “regras institucionais” em um país onde a lei não vale a tinta em que é escrita?
Portanto, o “mercado” fica ”nervoso” não porque tenha algum desvio psicológico ou porque seja bolsonarista, mas porque a metade do mercado que não é o governo não fica muito confortável com os movimentos e intenções do dono do jogo. Os operadores do mercado, confundidos com o próprio, apenas executam aquilo que seus patrões, os investidores, querem. No final do dia, tudo se resume a se proteger do governo e sua maior arma de destruição em massa: a inflação.
Para terminar, não posso deixar de registrar um curioso fenômeno sociológico: bolsonaristas que atribuíram o movimento de ontem às falas desastrosas de Lula, foram os mesmos que execraram o mercado quando os preços reagiram ao furo no teto de gastos ou às intervenções na Petrobras; e vice-versa, os mesmos petistas que atribuíam o nervosismo do mercado à irresponsabilidade do governo Bolsonaro, agora chamam o mercado de “bolsonarista” por ter tido a mesma reação diante das falas de Lula. Em ambos os casos, o “mercado” foi visto como “sabotador” ou como “arauto do desastre”, a depender do lado.
A coisa é muito mais simples: se o governo faz a coisa certa, o mercado compra; se o governo faz a coisa errada, o mercado vende. O resto é narrativa.