O direito de errar

O Nobel Richard Taler, especialista em economia comportamental, condensou em seu livro Nudge (que poderia ser traduzido por “empurrãozinho”) as suas ideias de como levar os seres humanos a tomarem melhores decisões de investimento. E não só. Na verdade, ele aborda vários aspectos da vida, e demonstra como pequenos truques podem levar a melhores decisões.

Um dos seus primeiros exemplos é o da alimentação nas escolas. Ele sugere que os alimentos menos saudáveis estejam longe do alcance visual das crianças. De fato, o consumo desses alimentos diminuiu onde o esquema foi testado. Outro exemplo: em um país da África com alto índice de acidentes de ônibus intermunicipais, colou-se um adesivo com os dizeres “grite com o motorista se ele estiver dirigindo muito rápido”. nas costas dos bancos. Ônibus com esses adesivos tiveram menos acidentes.

A isso Taler chama de “arquitetura da escolha”. Certos truques são projetados para que as pessoas evitem os seus instintos ou inércia e tomem a melhor decisão para si. Os críticos desse tipo de “empurrãozinho” dizem que se trata de algo autoritário, pois alguém teria o poder de induzir as decisões que outros tomam, como se soubessem o que é melhor para você. Mas poucos defenderão que crianças comendo porcarias ou ônibus sendo guiados em alta velocidade sejam decisões sábias.

Todo esse preâmbulo vem a respeito de uma frase usada por Luís Eduardo Assis em seu artigo de hoje, sobre o embate entre Lula e o Banco Central. Assis afirma, no melhor estilo libertário, que é legítimo o direito de Lula de errar, e que tal erro seria punido nas eleições de 2026. O que dizer?

A autonomia do BC é uma “arquitetura da escolha”. Com esse desenho, o BC é levado a tomar decisões de acordo com sua missão, que é a de defender a estabilidade da moeda. No entanto, ao contrário dos exemplos de Taler, essa arquitetura não foi definida por terceiros. O próprio Estado brasileiro, através de seus representantes, o fez. Aqui, a coisa se parece mais com os marinheiros do barco de Ulisses, que enchem seus ouvidos de cera para que não escutem o canto das sereias. Trata-se de medida auto-infligida, pois a experiência mostra que, de outra forma, o resultado é desastroso.

Lula, amarrado ao poste do navio pelas cordas da autonomia do BC contra a sua vontade, grita e se esgoela para que seus marinheiros tirem a cera dos ouvidos, pois o canto da sereia do crescimento econômico é belo, e um pouco mais de inflação não faz mal a ninguém. No entanto, ao contrário de decisões que afetam somente a própria vida, Lula quer levar o País inteiro para o desastre. Ciclos eleitorais já se mostraram insuficientes para levar o navio da economia a bom porto. Pelo contrário, ciclos eleitorais avivam a chama do populismo. Por isso, o Estado brasileiro optou pela arquitetura da autonomia do BC.

Mistérios da mente humana

Pense em um número de 1 a 50.000.000. Peça a um amigo para adivinhar o número que você pensou. É tão improvável ele acertar o número que você pensou quanto ganhar na Mega-Sena com uma aposta simples.

A aposta simples na Mega-Sena custa R$3,50. Para cobrir 100% das possibilidades, seria necessária gastar cerca de R$ 175 milhões. Que é mais ou menos o prêmio acumulado para o próximo sorteio. Ou seja, se você tiver esse dinheiro, pode fazer 50 milhões de apostas e ter o mesmo dinheiro de volta. Se ganhar o prêmio sozinho, é óbvio.

E não adianta achar que cartões com 7, 8 ou 10 números melhoram as suas chances. A probabilidade continua exatamente a mesma, e a proporção é de R$ 175 milhões para cobrir 100% das chances.

– Ah, mas alguém sempre ganha!

Sim, é verdade. Assim como alguém sempre morre atropelado ao sair de casa. A chance disso acontecer, no Brasil, é de uma em 25 mil a cada ano (são 8.500 mortes para 210 milhões de habitantes). Ou seja, a chance de ganhar na Mega-Sena com um bilhete simples é 2.000 vezes menor do que a chance de morrer atropelado ao sair de casa. Mas as pessoas acham que têm mais chance de ganhar na Mega-Sena do que de serem atropeladas. São os mistérios da mente humana.

Boa sorte a todos!

Cuidado com o seu ponto de vista

O tal do”bônus ético” pago pelo PSG aos seus jogadores tem causado polêmica no mundo do futebol. Segundo uma reportagem publicado ontem no Estadão, Neymar e companhia ganhariam o tal bônus por não criticarem o técnico em público, não serem expulsos, não chegarem atrasados aos treinos e até por aplaudirem a torcida após o jogo. Afinal, é ético que os atletas sejam pagos para fazer aquilo que não passa de uma obrigação de qualquer ser humano, que é agir bem?

A polêmica é indevida e mostrarei porque.

É muito comum e estamos todos acostumados a que os clubes multem seus atletas por mau comportamento. Chegou atrasado no treino? Multa. Foi expulso? Multa. Criou confusão? Multa. Isso está previsto no contrato e a ninguém ocorre que seja estranho ou injusto. Pelo contrário, a quem quer que se pergunte, todos acharão muito justo e razoável.

Do ponto de vista estritamente econômico, não faz a mínima diferença uma multa por mau comportamento ou um bônus por bom comportamento. Levar uma multa por chegar atrasado ou um bônus por chegar na hora terá exatamente o mesmo efeito no bolso do atleta, correspondente a exatamente o mesmo ato. Por que então aceitamos naturalmente a multa e torcemos o nariz para o bônus? Esta pergunta foi respondida por dois psicólogos israelenses, Daniel Kahneman e Amos Tversky, que criaram o que se convencionou chamar de Finanças Comportamentais. Kahneman ganhou o prêmio Nobel de economia em 2002 (Tversky já havia falecido) por este trabalho, publicado em 1979.

O artigo de Kahneman e Tversky que mereceu o Nobel chama-se The Prospect Theory, o que, em uma tradução livre, seria algo como A Teoria da Perspectiva. Segundo os dois psicólogos, as pessoas tomam decisões diferentes para o mesmo problema conforme o problema lhes é apresentado.

Um exemplo clássico (vou citar de memória, os números podem não ser estes), é a decisão sobre adotar uma vacina em uma comunidade. A um grupo de pessoas, o problema foi apresentado da seguinte forma: “uma comunidade de 600 pessoas vai receber a vacina. Destas, estima-se que 400 se salvarão. Você adotaria esta vacina?” Para um segundo grupo, o enunciado era diferente: “uma comunidade de 600 pessoas vai receber a vacina. Destas, estima-se que 200 irão morrer. Você adotaria esta vacina?”

A maioria (cerca de 70%) dos que leram a pergunta em sua primeira forma respondeu que adotaria a vacina. Já no segundo grupo, surpreendentemente ocorreu o inverso: 70% das pessoas disse que NÃO adotaria a vacina! Note novamente que o problema é estritamente o mesmo. Mas a forma de apresentá-lo leva a respostas completamente diferentes.

A isto os dois psicólogos deram o nome de Prospect Theory, ou seja, a decisão de um agente depende da sua perspectiva em relação ao problema. Isto tem muitas implicações práticas.

Por exemplo, se o governo quiser aprovar a reforma da Previdência, precisa apresentá-la como o fim dos privilégios e não como uma retirada de direitos. No fim, o efeito financeiro é absolutamente o mesmo. Mas a aceitação pública é totalmente diferente.

Outro exemplo foram as eleições: Bolsonaro somente se tornou uma opção palatável para uma parcela da população porque foi quem melhor encarnou o anti-petismo. Assim como o PT se tornou palatável para uma parcela da população porque era a alternativa anti-Bolsonaro. A pergunta respondida por esses eleitores não foi “você vota no Bolsonaro?” ou “você vota no PT?”, mas sim “você vota contra o PT?” ou “você vota contra o Bolsonaro?”. O efeito final é o mesmo, mas a mudança de perspectiva faz com que a escolha fique muito mais palatável.

Portanto, antes de criticar Neymar por ganhar um bônus por bom comportamento, preste atenção na forma como você pensa no problema. Pode estar aí o verdadeiro problema.