O mercado financeiro não vai fazer o seu trabalho

Outro dia, descasquei aqui uma reportagem sobre policiais militares que supostamente complementavam a renda fazendo operações de day trade no mercado de futuros, um verdadeiro desserviço ao leitor. Agora, não posso deixar de elogiar uma matéria de hoje, que entrevista três jovens que acumularam ao menos um milhão. Ao invés de dicas mirabolantes de investimentos, os três unanimemente afirmam que o segredo está em poupar. Ou seja, não tem segredo.

Diz um velho ditado do mercado que o segredo para fazer uma pequena fortuna na bolsa é investir uma grande fortuna. Em outras palavras, o mercado financeiro vai te ajudar se você tiver se ajudado antes.

Um dos depoimentos chamou-me a atenção, pois descreve exatamente a minha Teoria do Gás, que desenvolvo no meu livro Finanças do Lar. A teoria diz o seguinte: suas necessidades sempre se expandirão na medida em que os seus ganhos permitirem. Ou seja, o seu orçamento é como um recipiente de gás, e suas necessidades são o gás, que ocupa todo o espaço. Um dos milionários entrevistados afirma que conseguiu manter o gás sob controle, de modo que seus gastos não acompanharam a sua renda disponível. É simples, mas está longe de ser fácil.

Enfim, parabéns ao Estadão, que finalmente publicou algo de realmente útil para quem busca alguma tranquilidade financeira, ainda que possa ser frustrante para os que ainda se iludem com soluções mágicas para os seus problemas financeiros.

Quanto custa um filho?

Eu termino meu livro “Finanças do Lar” com a pergunta “Quanto custa um filho?” Manchete principal do Estadão de hoje responde: mais de R$1 milhão!

Como alguns de vocês já sabem, tenho sete filhos, e foi isso que me fez colocar em formato de livro minha experiência como pai de família assalariado, classe média, no sustento de uma família tão numerosa. O capítulo final, “quanto custa um filho?” serve justamente para discutir o non-sense da pergunta.

Em primeiro lugar, porque não faz sentido colocar o valor total, como se esse montante fosse gasto todo de uma vez. R$ 1 milhão é uma quantia que assusta qualquer um, ninguém tem essa dinheirama disponível para gastar. Apesar de sabermos que esse montante será gasto ao longo de anos, nosso cérebro paralisa diante dessa montanha de dinheiro. Trata-se de um compromisso gigantesco: e se eu não conseguir juntar tudo isso ao longo dos anos? Não por outro motivo, as construtoras e os vendedores de carro raramente vão dizer o preço final do bem. Preferem informar o valor da entrada e as prestações, que sempre são “suaves” e “cabem no bolso”. Por que, então, afinal, não fazer o mesmo com o custo de criar os filhos? E se eu dissesse que um filho custa a bagatela de R$ 150 por dia, o equivalente a um jantar para dois em um restaurante razoável? Isso é o equivalente a R$ 1 milhão por ano. Parece bem mais palatável, certo? E isso se considerarmos apenas os 18 anos da conta da reportagem. Se levarmos em conta que filhos são para sempre, essa conta se dilui muito mais.

O segundo ponto está relacionado com o primeiro: você vai adaptando a sua vida à existência do(s) filho(s). Se você mantém suas finanças sob controle, vai encontrando formas de lidar com esses gastos ao longo do tempo. Claro, todos temos os melhores projetos para nossos filhos, mas a vida vai colocando seus limites para os nossos sonhos. Isso vale para os filhos ou para qualquer outro projeto. Então, esses custos teóricos de criação de filhos pecam também pela capacidade que temos de nos adaptar ao longo da vida.

Por fim, e, de longe, o mais importante: estamos falando de seres humanos, a coisa mais importante nessa história toda. Por isso, não faz sentido falar em cifras, apesar de, efetivamente, filhos darem despesas. Na verdade, os filhos vão nos custar tudo o que temos, e somente o que temos.

Nunca fui proselitista em relação ao número de filhos. Ter sete, um ou mesmo zero filhos é (ou deveria ser) uma decisão restrita à sagrada intimidade do casal, e pais, parentes e amigos deveriam se abster de dar palpite. Essa decisão deve se basear em coisas como um projeto de vida, estrutura psicológica e, porque não dizer, condições financeiras. Mas este último não deveria ser, nem de longe, o critério principal.

A hipoteca reversa

Uma nova modalidade de hipoteca começará a ser testada pelo BC e uma fintech: a hipoteca reversa.

Na hipoteca normal, a instituição financeira empresta dinheiro tendo como garantia o imóvel do tomador do empréstimo. Já na hipoteca reversa, a instituição financeira empresta dinheiro tendo como garantia o imóvel do tomador do empréstimo.

Não notou nenhum diferença? É porque, do ponto de vista estritamente financeiro, não há diferença nenhuma entre as duas modalidades. Em ambas as modalidades, há um empréstimo, com cobrança de juros, tendo um bem como garantia. Então, qual a vantagem da hipoteca reversa sobre a hipoteca normal? A embalagem.

Na hipoteca normal, o tomador precisa começar a pagar de volta o empréstimo já a partir do primeiro mês em que recebeu o dinheiro. O empréstimo (mais os juros) são pagos no número de meses pactuado no empréstimo. Caso ocorra inadimplência, a garantia é executada. Tchau, imóvel.

Já na hipoteca reversa, o proprietário do imóvel não paga nada. Nadinha. Ele recebe o dinheiro do empréstimo (que pode ser o total ou em forma de renda vitalícia) e não precisa pagar nada de volta. Qual a mágica?

A mágica está em um empréstimo intergeracional. São os descendentes que pagarão todo o juro acumulado do empréstimo após a morte do proprietário. Caso contrário, a garantia é executada, e o imóvel passa a pertencer à instituição financeira. Ou seja, na hipoteca reversa, são os descendentes que pagam o empréstimo, na forma de diminuição de sua potencial riqueza, pois o seu direito à herança do imóvel estará condicionado a que paguem o empréstimo feito.

Claro que essa embalagem é muito mais atraente. Afinal, aparece, do nada, uma renda extra. E, o que é melhor, o idoso não precisa se desfazer do imóvel em vida (um bem “de raiz”) e não precisa mudar de casa. Além disso, no Brasil, muitos idosos ajudam seus filhós financeiramente. Essa renda extra pode ser usada, inclusive, para ajudar os filhos. Neste caso, os filhos estão tomando emprestado de um imóvel que iria a eles pertencer no futuro para gastar hoje.

Apesar da embalagem mais atraente, a hipoteca reversa não passa de um empréstimo. O proprietário e seus descendentes estão tomando dinheiro a juros no mercado para manter o seu padrão de vida. Uma outra alternativa, mais barata, seria simplesmente vender o imóvel, viver de aluguel e gastar o dinheiro para manter o mesmo padrão de vida. Essa alternativa certamente resultaria em mais dinheiro, pois os juros trabalham a favor (investimento), não contra (empréstimo). O custo de manter o imóvel é justamente a diferença entre os juros cobrados pelo empréstimo e os juros pagos pelas aplicações financeiras.

Claro que nem tudo se resume a uma equação financeira. As pessoas não gostam de viver de aluguel e nem de se preocupar em investir dinheiro. Mas é sempre bom ter em conta o custo que as escolhas carregam.

A lei do superendividamento e o rehab financeiro

Coluna do advogado Jairo Saddi, no Valor Econômico de hoje (Quase adimplênciaaqui, para assinantes), chama a atenção para a nova lei do superendividamento (Lei 14.181 de 01/07/2021), que altera o Código de Defesa do Consumidor, acrescentando dois capítulos, um sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento e o outro sobre a conciliação no superendividamento.

Antes de entrarmos nas novidades da nova lei e no conteúdo da mencionada coluna, convém entender qual o conceito de superendividamento. Segundo a nova lei:

Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.

Começa aí o problema dessa nova lei. O que seria esse “mínimo existencial”? Cada juiz fará um juízo sobre o “mínimo existencial” de cada litigante. O que é “mínimo existencial” para um favelado não é o “mínimo existencial” para uma pessoa da classe média. Ou o juiz dirá para o litigante da classe média que ele muito bem pode viver em um barraco na favela, pois há pessoas que vivem assim? Ou, vice-versa, o juiz exigirá que o “mínimo existencial” para um favelado seja o mesmo que o é para uma pessoa da classe média?

Claro, o juiz poderá usar como parâmetro o padrão de vida atual do litigante para tomar essa decisão. Mas esse padrão de vida foi construído com base no superendividamento. Então, será esse padrão de vida atual o “mínimo existencial”? Quantos degraus no padrão de vida atual terá que descer o litigante para que ainda seja considerado respeitado o “mínimo existencial”? Essa exigência do “mínimo existencial” é quase como se garantir, por lei, que ninguém será pobre no país. A intenção é boa…

Alguns dispositivos da lei são positivos, principalmente no que se refere à transparência exigida em todas as operações de crédito. No entanto, arrisco dizer que são dispositivos quase inócuos. Quem, no Brasil, lê contrato? Talvez tenha mais gente que leia bula de remédio ou manual de eletrodoméstico. A transparência servirá, quando muito, como um álibi perfeito para a financeira que concedeu o crédito, pois não poderão acusá-la de fazer coisas “escondidas”.

Um outro dispositivo da lei é primo irmão do “mínimo existencial”. Trata-se da obrigação de

avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados

Há, de fato, financeiras por aí que prometem crédito mesmo para aqueles que estão com o “nome sujo” na praça. Isso significa que, mesmo aqueles negativados nos birôs de crédito podem obter financiamento nesses lugares. O que a nova lei diz é que o crédito somente poderá ser concedido após uma “avaliação responsável das condições de crédito do consumidor”. O que seria uma “avaliação responsável”? Como o juiz julgará essa avaliação?

Note que a lei não proíbe a concessão de crédito para negativados. Se assim fosse, não haveria dúvida: você está negativado, trate de procurar seu cunhado para pedir dinheiro, pois o sistema financeiro está fechado para você. No caso, não há essa proibição. Então, qualquer financeira poderá dizer que fez a avaliação de crédito, inclusive consultando os birôs, e avaliou que poderia conceder o crédito. Com base no quê o juiz dirá que não foi assim? Em uma perícia técnica? A perícia técnica é quem vai determinar o risco de crédito do sistema de agora em diante? Neste caso, seria melhor fechar os departamentos de crédito das financeiras e contratar peritos técnicos para a tarefa. Enfim, temos aqui, a exemplo do “mínimo existencial”, mais um caso de boas intenções com dificílima aplicação prática. Quer dizer, aplicação prática à discrição do juiz, o que não causa pequenos problemas, como veremos mais à frente.

Falando em boas intenções, esta lei está cheia delas. Mas falta, em minha opinião, o conceito correto de dívida, o que leva a esse Frankstein que vai prejudicar, em última análise, os próprios endividados.

Em meu livro Finanças do Lar, dedico um capítulo às dívidas. Elas fazem parte da vida, impossível não tê-las. O truque é usá-las a seu favor. E como fazer das dívidas nossas aliadas? Só tem um jeito: disciplina financeira.

Disciplina financeira é saber quanto se ganha e quanto se gasta, garantindo que a primeira parte seja constantemente maior do que a segunda. Isso inclui os gastos correntes e as prestações das mercadorias compradas a prazo. Quem não faz esse controle acaba por viver uma vida irreal, com um padrão de vida acima de suas possibilidades. Excetuando-se os raros casos em que uma pessoa entra em dívidas por causa de um acidente sério de percurso, a grande maioria dos casos de superendividamento ocorre por descontrole financeiro. E, mesmo nos casos de acidentes, a pessoa deveria ter pensado em uma reserva de emergência antes de mais nada. Ser pego desprevenido por uma despesa não prevista também é sinal de falta de planejamento.

A lei toca neste ponto fundamental:

O acordo firmado perante os órgãos públicos de defesa do consumidor, em caso de superendividamento do consumidor pessoa natural, incluirá a data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes, bem como o condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, especialmente a de contrair novas dívidas“.

Muito bom, a menos da contradição implícita: ora, se a lei condiciona os seus efeitos a que o consumidor não contraia mais dívidas, está necessariamente forçando uma diminuição de seu padrão de vida. E se o consumidor já estiver no limiar do “mínimo existencial”, que somente pode ser sustentado por mais dívidas? Haja critério…

O fato é que, por trás dessa lei, há uma contradição insanável, tocada inconscientemente pelo advogado Jairo Saddi, na coluna mencionada no início deste post: o efeito concreto da lei é o perdão das dívidas, colocando fim na situação de superendividamento. Ora, se a pessoa não está mais superendividada, o que a impede de recomeçar novamente o ciclo dali a algum tempo? A lei cita dois anos como prazo para lançar mão novamente da lei, em caso de novo superendividamento. Dois anos, sério?

Saddi cita algumas providências que deveriam ser tomadas para, em suas palavras, “criar certos mecanismos dentro de uma estrutura institucional que permita flexibilizar o direito absoluto do credor“. Claro, o colunista sabe que estamos em um Estado de Direito, e que, portanto, “é sempre direito do credor receber aquilo que lhe é devido sob pena de causar incentivos indesejáveis“. Mas, sabe como é, a carne é fraca…

A fazer parte dessa “estrutura institucional que permite flexibilizar o direito absoluto do credor”, Jairo Saddi propõe o conceito de primariedade penal ou de bons antecedentes – o que supostamente livraria o devedor de ter que pagar suas dívidas -, alterações de indexadores e taxas de juros e a adoção de um limite mínimo de dívida, abaixo do qual não seria permitido negativar o inadimplente.

Todas essas medidas teriam como objetivo, como o colunista deixa claro no último parágrafo de seu artigo, “a redução da inadimplência, (o que) traria muitas vantagens ao sistema financeiro“. Aqui acho que está o âmago do mal entendimento do articulista e de quem fez a lei: a inadimplência não vai diminuir porque se perdoou a dívida. A inadimplência somente vai diminuir quando as pessoas pararem de gastar mais do que ganham. O que está sendo proposto é o perdão das dívidas, sem realmente tocar no núcleo do problema.

Comparo a coisa com o consumo de drogas. O viciado para de consumir drogas somente quando se interna em um rehab e adota a abstinência absoluta. E, para isso, é preciso reeducar-se, para que não caia novamente no vício depois de recuperado.

Nesse sentido, como deveria ser uma lei que realmente prevenisse o superendividamento? A única forma seria simplesmente proibir o empréstimo para pessoas que estivessem com score de crédito abaixo de determinado nível, atribuído por birô de análise de crédito. As referências a “mínimo existencial” e “crédito responsável” são remendos que efetivamente não resolvem o problema. Pior, dão margem à discricionariedade do juiz de plantão, o que pode, no final do dia, fazer com que as financeiras se retraiam mais do que o necessário, deixando na mão pessoas que ainda poderiam tomar crédito no mercado. No mínimo, as financeiras irão colocar no preço do dinheiro o “custo litigação” que esta nova legislação traz, fazendo com que todos paguem pela “segurança” dos superendividados.

Claro, seria ingenuidade achar que a simples proibição dos empréstimos para os superendividados resolveria o problema: assim como a proibição das drogas cria uma mercado paralelo milionário, a proibição de empréstimos para viciados em dívidas provavelmente criaria um mercado paralelo de agiotas não registrados no sistema financeiro. Hoje eles existem, mas não me parece ser um mercado relevante. Por outro lado, o perdão das dívidas também não garante que essas pessoas se tornarão disciplinadas. Pelo contrário, com o nome limpo, estarão livres para tomar novas dívidas, reiniciando o processo.

A lei do superendividamento tem como pressuposto que o culpado pelas dívidas são aqueles que emprestam e não aqueles que tomam emprestado. Ainda que possam existir práticas abusivas (e as há), já há leis que as coíbem e as punem. Essa lei do superendividamento, na prática, serve para disciplinar o perdão das dívidas, o que, em si, não contribui para o fim da inadimplência. No fim, nada substitui um bom rehab para uma mudança de vida. O resto é paliativo.

Histórias glamourosas do mercado

O jovem investe sua reserva de emergência na bolsa. Bem, no momento em que o dinheiro foi para a bolsa, deixou de ser “reserva de emergência”.

Reserva de emergência, por definição, é aquele dinheiro que precisa estar disponível quando ocorre alguma emergência. É óbvio que, aplicando na bolsa, o dinheiro pode não estar lá quando necessário. No caso, certamente o dinheiro do jovem não é mais “reserva de emergência”.

Outro ponto: o jovem afirma que já ganha mais com ações do que seu antigo salário. O que se deduz é que o novo emprego do jovem é negociar ações. Estudante de economia, 26 anos, digamos que o salário de seu último emprego fosse de R$ 1.500 por mês. Considerando um yield da carteira de 20% ao ano (o que seria excelente), o rapaz teria que ter uma carteira de ações de R$ 90 mil. Onde foi que arrumou esse dinheiro? Como ele diz que começou em 2017, já são 4 anos aplicando. Se seu investimento rendeu 20% ao ano nos últimos 4 anos, seu capital inicial deveria ter sido de R$ 43 mil. Não foi com um salário de R$ 1.500 que ele arrumou isso. A reportagem claramente estava mais interessada em focar o glamour da coisa.

Enfim, desconfie sempre dessas histórias mirabolantes de ganhos no mercado acionário. Você provavelmente não vai poder substituir seu emprego atual pelos “ganhos” no mercado. E, last but not least, jamais aplique sua reserva de emergência na bolsa. Jamais.

Cheque especial

Que surpresa! O cheque especial cresce mais do que outras linhas de crédito, mesmo depois dos bancos se “autorregularem” para oferecerem outras linhas de crédito mais baratas.

O que aconteceu de tão surpreendente? Bem, depois de tomar outras linhas de crédito mais baratas, o pessoal voltou ao cheque especial. Agora, estão endividados nas linhas mais baratas E no cheque especial. O mesmo deve estar acontecendo também no rotativo do cartão de crédito, alvo também de regulação por parte do BC.

Quem conhece um pouco da natureza humana poderia ter antecipado essa “surpresa”. Afinal, a maioria dos que estão no cheque especial foram parar lá por falta de controle de suas finanças, e não por um “acidente de percurso”. Ora, se a pessoa vive consistentemente acima de suas posses, vai tomar todas as linhas de crédito disponíveis para manter seu consumo. As linhas baratas e as linhas caras. É o que está acontecendo.

A solução para isso é simplesmente proibir o cheque especial (e o rotativo do cartão de crédito também). Se o indivíduo não consegue viver dentro de sua renda, o cheque especial só vai piorar a sua situação, agregando juros escorchantes ao seu buraco. No final, termina pior do que se não tivesse o cheque especial, tendo que fazer um ajuste ainda maior no seu orçamento para equilibrar-se. Acabar com o cheque especial significa forçar o indivíduo a ajustar-se enquanto ainda é tempo, com um esforço menor.

Mas terminar com o cheque especial acaba com uma fonte importante de renda dos bancos. Aí é que está o busílis da questão.

Cheque especial

Que surpresa! O cheque especial cresce mais do que outras linhas de crédito, mesmo depois dos bancos se “autorregularem” para oferecerem outras linhas de crédito mais baratas.

O que aconteceu de tão surpreendente? Bem, depois de tomar outras linhas de crédito mais baratas, o pessoal voltou ao cheque especial. Agora, estão endividados nas linhas mais baratas E no cheque especial. O mesmo deve estar acontecendo também no rotativo do cartão de crédito, alvo também de regulação por parte do BC.

Quem conhece um pouco da natureza humana poderia ter antecipado essa “surpresa”. Afinal, a maioria dos que estão no cheque especial foram parar lá por falta de controle de suas finanças, e não por um “acidente de percurso”. Ora, se a pessoa vive consistentemente acima de suas posses, vai tomar todas as linhas de crédito disponíveis para manter seu consumo. As linhas baratas e as linhas caras. É o que está acontecendo.

A solução para isso é simplesmente proibir o cheque especial (e o rotativo do cartão de crédito também). Se o indivíduo não consegue viver dentro de sua renda, o cheque especial só vai piorar a sua situação, agregando juros escorchantes ao seu buraco. No final, termina pior do que se não tivesse o cheque especial, tendo que fazer um ajuste ainda maior no seu orçamento para equilibrar-se. Acabar com o cheque especial significa forçar o indivíduo a ajustar-se enquanto ainda é tempo, com um esforço menor.

Mas terminar com o cheque especial acaba com uma fonte importante de renda dos bancos. Aí é que está o busílis da questão.

Teoria do Gás

O procurador mineiro é um exemplo acabado do que eu costumo chamar de “Teoria do Gás” das finanças pessoais. Esta teoria diz o seguinte: assim como um gás dentro de um recipiente, os seus gastos sempre ocuparão todo o seu orçamento, até forçar as paredes e o recipiente explodir. E, importante: isso INDEPENDE do tamanho do recipiente ou do orçamento.

O procurador diz uma frase-chave, que corrobora a Teoria do Gás: “eu não tenho origem humilde, não estou acostumado com limitações”. É isso. É muito difícil para qualquer pessoa baixar o padrão de vida. Pode parecer chocante que alguém verbalize isso ganhando 24 mil por mês, mas essa é uma realidade que afeta qualquer pessoa, independentemente de quanto ganhe.

Isto não significa, obviamente, que o procurador não deva baixar o seu padrão de vida, em uma situação de penúria das finanças públicas. Todo brasileiro está apertando o cinto, e não há porque os procuradores não fazerem o mesmo.

O segredo é “suavizar” o nível de consumo ao longo da vida. Ou seja, não consumir tudo hoje, guardar um pouco para o tempo de vacas magras, que sempre virá. Há duas vantagens nessa abordagem: construímos uma reserva de emergência e acostumamo-nos com um padrão de vida um pouco inferior àquilo que nossa renda permitiria, o que torna mais fácil a adaptação aos tempos piores.

Normalmente as pessoas fazem o inverso: vivem ACIMA de sua renda, tomando dívida para isso. Quando chega o tempo das vacas magras, além de terem dívidas ao invés de uma reserva de emergência, estão acostumadas a um padrão de vida superior, tornando muito mais difícil a adaptação. Por isso vemos tanta gente que, apesar de ganhar muito bem, está quebrada.

Endividamento das famílias

Liberar mais crédito em um ambiente onde as famílias já estão endividadas não parece ser o motor que vai levantar a economia.

Claro, as famílias podem se endividar cada vez mais. A vantagem hoje, em relação a 2013, é que os juros estão mais baixos, tornando o carregamento da dívida menos oneroso. Por outro lado, o desemprego é bem maior, tornando mais arriscado o endividamento.

De qualquer forma, o canal do crédito para consumo parece estar próximo do esgotamento. O governo vai precisar tirar outros coelhos da cartola para reativar a economia.

E você, faria mais dívidas para consumir?