O custo dos direitos humanos

A execução de contratos livremente celebrados entre as partes é um dos pilares da eficiência econômica. Desde o direito de entrar em um clube no qual somos sócios (e o direito de o clube barrar a entrada por inadimplência) até contratos bilionários entre empresas, a execução rápida e sem burocracia do contrato impulsiona a oferta de produtos e serviços, ao permitir a segurança jurídica da transação.

Imagine que, para barrar a entrada de um inadimplente, o clube precisasse iniciar um processo na justiça. O resultado seria, certamente, uma seletividade maior na escolha dos seus sócios. O custo de barrar sócios inadimplentes seria rateado entre todos os aspirantes a sócio, que teriam que pagar a sua entrada com mais burocracia, e correriam maior risco de receber bola preta.

Note que a justiça não está fechada para o sócio barrado. Se se sentir injustiçado, o sócio pode entrar na justiça para garantir eventuais direitos fraudados pelo clube. O mesmo ocorre com o mutuário que, eventualmente, se sinta defraudado pelo banco.

Mas há quem possa dizer que o direito à moradia não pode ser comparado ao direito de ser sócio de um clube, e que, nesse caso, o ônus do processo judicial deveria ser dos bancos, e não do mutuário. Foi o arrazoado do ministro Edson Fachin, que abriu divergência em relação ao relator desse julgamento. Segundo o ministro, o “direito à moradia” se sobrepõe ao direito do banco de executar o contrato, e caberia ao banco o ônus de acessar a justiça para cumprir o contrato.

O problema dessa tese é justamente considerar o “direito social” desconsiderando o custo econômico desse direito. Sim, como seres humanos, temos direito à alimentação, moradia, saúde, educação. Mas isso não significa que as pessoas possam, por exemplo, entrar em um supermercado e pegar o que precisam para sobreviver. O resultado do exercício desse “direito” seria o fim dos supermercados, por absoluta inviabilidade econômica. Onde mais os famintos exerceriam o seu “direito humano”?

Observe que a execução facilitada de contratos beneficia, inicialmente, o lado da oferta do produto ou serviço, justamente para garantir a perenidade dessa oferta. Mas, ao garantir a perenidade, o lado da demanda também é beneficiado no longo prazo. Por isso, a expressão usada pela reportagem, “a decisão beneficiou os bancos” é incorreta: a decisão beneficia também todos aqueles que precisam de oferta perene de financiamento imobiliário e que enfrentariam restrição de oferta caso houvesse dificuldade em executar contratos de garantia.

É sempre tentador colocar o ônus sobre os bancos, o belzebu da economia, aquele agente econômico parasita que não cria valor. Muitos pensam como o ministro Edson Fachin, que os bancos têm o “dever moral” de emprestar dinheiro para as pessoas exercerem o seu “direito humano” de ter uma moradia. O único problema dessa equação é que não se sustenta no tempo. No final, o direito à moradia dos inadimplentes se dá às custas do direito à moradia dos adimplentes. Os bancos são só os intermediários nessa equação econômica.

O perigo do financiamento imobiliário atrelado ao IPCA

No final de 2019, a Caixa lançou, com todo o estardalhaço característico de seu presidente, a linha de crédito imobiliário atrelado ao IPCA. Em reportagem um mês após o lançamento (abaixo), Pedro Guimarães falava entusiasmado sobre a nova linha de crédito, que reduziria a renda mínima exigida para a contratação do financiamento, permitindo que mais famílias comprassem o seu imóvel.

Lembro que, na época, Bradesco e Itaú foram reticentes em relação à nova linha. Foram lançar muitos meses depois e, mesmo assim, nunca fizeram grande esforço para emplaca-las. O Santander sequer oferece uma linha desse tipo.

Estamos vendo agora o problema de financiamentos atrelados ao IPCA: quando a inflação sobe mais do que a renda, o orçamento das famílias vai ficando cada vez mais apertado.

Na verdade, o problema do financiamento atrelado ao IPCA começa antes de a inflação aparecer. Como a prestação inicial é menor do que em financiamentos tradicionais, dá aquela sensação de que o mutuário pode comprar um imóvel maior.

Trata-se de pura ilusão, pois a prestação vai subir mais ao longo do tempo. Ao comprometer-se a pagar por um imóvel mais caro, o mutuário já parte de uma situação no limite. Basta uma surpresa inflacionária no meio do caminho para que o orçamento fique estressado.

A inflação afeta todos os itens de consumo de uma família. Se o financiamento imobiliário também se expande, vai disputar espaço no orçamento com os outros itens também se expandindo. Resultado: o orçamento explode e a inadimplência aumenta. Não é à toa que os grandes bancos privados foram muito cautelosos com essa linha. Afinal, seus acionistas não gostam de perder dinheiro. Já o presidente da Caixa tem outra agenda, uma vez que o seu acionista, a viúva, não se importa de rasgar dinheiro.

No meu livro, eu discuto sobre essas diferentes opções de crédito imobiliário.

A gênese dos esqueletos

As prestações do financiamento imobiliário com indexação ao IPCA são de 30% a 50% mais baixas que as mesmas prestações dos financiamentos pela TR. Como o nível total da taxa de juros cobrada tem que ser o mesmo em ambas as modalidades, é óbvio que o grosso dos juros no financiamento pelo IPCA está sendo postergado. Explicando de outro modo: se não há mágica, a economia feita nas prestações iniciais será cobrada posteriormente.

O problema é que quem está entrando nesse financiamento não sabe disso. O pessoal faz a conta do “cabe no bolso hoje” e entra de cabeça. Não por outro motivo, os bancões estão bastante reticentes em abrir linhas nessa nova modalidade. O Bradesco, citado na matéria, vai focar na “alta renda”, que teria mais bala para aguentar um aumento das parcelas no futuro.

O nascimento de esqueletos é sempre um fenômeno fascinante.

Dilma rules

A Caixa vai substituir empréstimos de 8,75% ao ano fixos por IPCA + 2,95% (estou considerando os melhores pagadores).

Considerando um IPCA, hoje, de 4%, resulta em 6,95%. Um desconto de quase dois pontos percentuais em relação às taxas atuais.

Olhando de outra forma: uma NTN-B (Tesouro IPCA) com vencimento em 2035 está pagando IPCA + 3,50% aproximadamente. Ou seja, a Caixa vai tomar risco de crédito a 2,95% ao ano, quando poderia emprestar sem risco para o próprio governo a IPCA + 3,50%.

Dilma rules.