A “frente ampla” é tão real quanto um unicórnio

“Frente ampla”, assim como “terceira via”, é daquelas categorias políticas que só existem no mundo do realismo fantástico brasileiro. Alckmin no primeiro turno e Tebet no segundo tiveram a missão de embrulhar a candidatura do PT com o papel de presente chamado “frente ampla”, que teria como objetivo livrar o país das garras do anti-democrata Bolsonaro.

O que se viu na eleição, depois de conhecidos os números, foi algo bem diferente. Se a intelectualidade tupiniquim caiu no conto da “frente ampla”, o mesmo não se pode dizer do eleitor médio: apenas 1,8% de votos separou os dois candidatos no 2o turno. O que nos leva a concluir que não existiu apenas uma “frente ampla”, mas duas: a frente ampla anti-bolsonarista e a frente ampla anti-petista, que perdeu para a primeira por uma fração de votos. Por algum estranho motivo, somente a “frente” anti-bolsonarista mereceu este nome.

Lula não perde ocasião de rir na cara de quem acreditou nessa esparrela. O editorial do Estadão lamenta a fala do presidente a respeito de Maduro, afirmando que aquilo implodiria de vez a tal “frente ampla”. Só é possível implodir um edifício que existe, e Lula sabe, mais do que ninguém, que essa história de “frente ampla” é conversa para boi dormir. Ele sabe que pode sair pelado na Praça dos 3 Poderes e estuprar a primeira velhinha que encontrar pelo caminho, que os que votaram nele ainda dirão “pelo menos, é melhor do que Bolsonaro”. O mesmo vale para as barbaridades de Bolsonaro, com o sinal invertido. Não, não temos uma “frente ampla”, temos uma “polarização” entre duas frentes amplas.

Por isso, estranharia muito que Bolsonaro fosse impedido de disputar eleições. O PT perderia seu espantalho, aquele que carreia votos para a sua própria “frente ampla”. Enquanto existir Bolsonaro e bolsonaristas, Lula pode falar e fazer as barbaridades que for, seus votos estarão garantidos.

A natureza do escorpião

Às vésperas do 1o turno de 2018, uma manifestação #elenão havia sido convocada para o Largo da Batata, aqui em São Paulo. Um amigo, muito inteligente e a quem prezo muito, tentava me convencer a comparecer ao tal ato. O raciocínio era o seguinte: quanto mais gente fosse, mais ficaria claro que havia uma rejeição grande ao nome de Bolsonaro. Portanto, Alckmin tinha mais chance de vencer o PT no 2o turno, e haveria uma migração de votos de Bolsonaro para Alckmin. Minha resposta foi a seguinte: essa é a eleição anti-PT. Não é engordando uma manifestação claramente do PT que o Alckmin vai ganhar alguma coisa. Alckmin iria perder a eleição porque tinha escolhido o adversário errado: estava atacando Bolsonaro, quando devia estar atacando o PT. Não seria minha presença em uma manifestação de revolucionários da Vila Madalena que iria mudar isso.

Lembrei desse diálogo enquanto lia a entrevista, no Valor, do prefeito reeleito de Araraquara, Edinho Silva, um dos raros casos de sucesso do PT nessas eleições. Ainda mais quando se considera que foi tesoureiro da campanha de reeleição de Dilma Rousseff em 2014.

Edinho propõe uma “frente” de partidos de esquerda, dialogando com partidos de centro, para “recolocar o Brasil no caminho da democracia”. Uma espécie de reedição do #elenão. São tantos embustes em um pensamento só que fica difícil até argumentar.

Pra começo de conversa, “recolocar o Brasil no caminho da democracia” não deixa de ser uma frase esquisita para um partido que saúda a “democracia” da Venezuela e tem em Cuba um modelo de sociedade.

Em segundo lugar, Edinho quer fazer aliança com partidos que, pelo menos até o momento, o PT considera como golpistas. Como “recolocar o Brasil no caminho da democracia” aliado a partidos “golpistas”? Uma contradição em termos. Na entrevista, Edinho ensaia um mea culpa a respeito da corrupção do partido, mas não diz uma mísera palavra que poderia servir de ponte para rever esse posicionamento.

Além disso, o PT cansou de bater nos chamados “partidos de centro” enquanto estava no poder. Todos eram fascistas. De modo que fica difícil entender uma aliança com fascistas para desalojar outro fascista do poder.

Por fim, é difícil acreditar na promessa de uma “frente” com o PT. Não orna com o desejo hegemônico do partido de Lula. Poderia enganar há 20 anos. Hoje, todo mundo conhece a natureza do escorpião. Em determinada altura da entrevista, Edinho crítica a “acidez” das críticas de Ciro Gomes. Esse foi um que sentiu na pele o que significa acreditar na boas intenções de Lula.

E, por falar em Lula, o final coloca por terra toda a “sensatez” que um dos mais “conscientes” quadros do PT procurou demonstrar ao longo de toda a entrevista. Ao colocar Lula como seu candidato preferencial em 2022, Edinho implode qualquer tentativa de aproximação com quem quer que seja. Está aí, nessa resposta, o PT destilado de todas as suas tentativas de parecer um partido disposto ao diálogo. Não. Qualquer iniciativa para enfrentar Bolsonaro em 2022 não pode incluir uma aliança com o PT.

Efeito surpresa

Ontem foi lançada pela segunda vez (a primeira parece que não deu muito certo) a Frente Democrática Brasileira, para garantir “Direitos Já”. A coisa se deu no Tuca 😴

“Num efeito surpresa”, Chomsky apareceu por lá.

Agora sim, fomos surpreendidos.