Nada a esconder

Para quem quiser entender o que nos espera no Banco Central e, de resto, no governo Lula 3, recomendo ouvir este podcast de set/2021, em que Gabriel Galipolo é o entrevistado. Fica claro para todos qual o mindset do futuro presidente do BC.

Para quem não tiver estômago, resumo abaixo em 3 pontos:

1) Somos reféns de um pensamento único na economia, em que os economistas confiam cegamente em modelos preditivos.

2) A economia não é como a física, os resultados dependem de como as pessoas se organizam para construir o seu futuro. O passado não é capaz de predizer o futuro, dado que as pessoas podem se organizar para fazer o futuro diferente, por isso os modelos econômicos não funcionam.

3) Depois de desconstruir todo o arcabouço econômico sobre o qual funcionam as decisões dos principais bancos centrais e governos do mundo, Galipolo coloca no lugar um prosaico “o gasto de um é a renda de outro”, defendendo que os governos precisam gastar para criar demanda e, assim, fomentar o crescimento econômico.

Sobre o primeiro ponto, Galipolo defende uma espécie de “ciência econômica alternativa”, como se a economia fosse uma ciência menor, que se pode discutir em uma mesa de bar, e não um assunto que também precisa ser tratado com rigor científico. Isso a que Galipolo chama de “sequestro” é, na verdade, o resultado de décadas de artigos que tiveram que passar pelo crivo de pares, em um processo altamente seletivo. Galipolo, no fundo, nega a aplicação do método científico à economia.

Sobre o segundo ponto, é claro que a economia não é como a física. Aliás, Galipolo cita um episódio da Netflix em que cientistas (entre os quais Stephen Hawking) fazem uma espécie de “votação” sobre qual seria a melhor imagem de um buraco negro. Ele usa este exemplo para afirmar que nem a física é assim, tão certa, que depende de uma espécie de “consenso social”. Gzuis! Como dizia, claro que a economia não é como a física, trata-se de uma ciência humana. Mas não deixa de ter suas regras, algumas coisas funcionam, outras não. Dizer que o resultado das políticas econômicas depende do que “nós” quisermos que seja traduz um voluntarismo que não costuma dar bom resultado. Tivemos uma presidenta que acreditava piamente que poderia dobrar as regras da economia com a sua vontade, e deu no que deu.

Finalmente, o terceiro ponto é o de sempre: o governo precisa gastar, senão não haverá demanda. Como se o governo fosse o único agente que pudesse “criar” demanda. Na verdade, como sabemos, quando o governo “cria” demanda, expulsa a demanda privada, em um processo chamado de “crowding out”. No final, ficamos todos mais pobres, porque, para criar demanda, o governo precisa taxar hoje (impostos) ou taxar no futuro (dívida), diminuindo a renda disponível na sociedade.

Enfim, está aí. Galipolo tem sido bastante cuidadoso em suas declarações, de modo a não levantar suspeitas. Seu passado, no entanto, não o nega. Galipolo, além de outros que o seguirão, tomarão conta do BC e implementarão as suas “ideias”. Por exemplo, a de que os modelos de predição de inflação são inúteis, de que o próprio sistema de metas é inútil, e o que importa é praticar uma taxa de juros que permita acelerar o crescimento econômico. Curioso para ver o resultado desse experimento.

Como colocar um foguete na Lua

Existem basicamente três teses sobre como levar um foguete até a Lua:

1) Existem aqueles que defendem que o foguete deve ser propulsionado com combustíveis e ter a sua trajetória controlada ao longo do trajeto.

2) Existem aqueles que defendem que os combustíveis são irrelevantes, e que o foguete vai seguir a trajetória que tiver que seguir, de acordo com forças que vão além do controle da NASA.

3) Existem aqueles que defendem que os combustíveis são contraproducentes, ou seja, quanto menos combustível melhor, inclusive porque deixa o foguete mais estável e com melhor dirigibilidade.

A NASA, que sempre ficou presa às teses do primeiro grupo, agora decidiu que vai diversificar as visões, ouvindo cientistas que defendam as teses 2 e 3. Com isso, espera chegar a decisões melhores.

Qualquer semelhança com o BC não é mera coincidência.

Guedes e Galípolo dão-se as mãos

Uma pequena matéria de hoje afirma que a ideia de uma moeda única para o Mercosul uniria Lula e Paulo Guedes.

Fiquei surpreso, e fui googar. De fato, Guedes defendeu essa maravilhosa ideia em agosto do ano passado. Seríamos a Alemanha do bloco, aquele que carrega o piano nas costas.

Já tive oportunidade de escrever um post a respeito, por ocasião de artigo assinado por Fernando Haddad e o novo guru de Lula para a área econômica, Gabriel Galípolo, defendendo exatamente a mesma “ideia”.

Em resumo, trata-se de fazer o rabo abanar o cachorro: não é uma moeda forte que cria as condições para o crescimento e a estabilidade econômica, mas é o crescimento e a estabilidade econômica que criam as condições de se ter uma moeda forte.

Uma união monetária pressupõe um mínimo de homogeneidade fiscal. Caso contrário, um país estará financiando o déficit do outro. Para se manter no Euro, a Grécia teve que cortar fundo na carne, de modo a atingir um grau de sanidade fiscal compatível com a união monetária. A Alemanha, neste caso, serve de âncora fiscal, aquela que impõe a disciplina ao bloco.

A julgar pelo que vem ocorrendo com o nosso orçamento, com a flexibilização do teto de gastos no ano passado e a contratação de despesas que estourarão o teto de gastos no ano que vem, além da “rediscussão” do teto de gastos, que é uma unanimidade entre os candidatos, nossa situação fiscal logo estará semelhante à da Argentina. Aí sim, com essa “homogeneidade fiscal” estaremos prontos para uma moeda comum. Talvez seja a isso que Guedes e Galípolo se referem.

O novo guru econômico de Lula

Dizem que o melhor negócio do mundo é um banco bem administrado, e o segundo melhor é um banco mal administrado. Claro, isso é folclore, banco é um negócio como outro qualquer e precisa ser bem administrado para não quebrar. O cemitério de bancos no Brasil é bem populoso.

Gabriel Galípolo, o novo guru econômico de Lula, foi presidente do Banco Fator de 2017 a 2021. Os resultados do banco nesse período foram os seguintes:

2017: prejuízo de R$ 36,7 milhões

2018: lucro de R$ 2,4 milhões

2019: prejuízo de R$ 15,5 milhões

2020: prejuízo de R$ 29,2 milhões

Em 2020, o rating do banco foi rebaixado para BB pela S&P, grau especulativo, popularmente conhecido como “junk”.

Em 2021, o guru de Lula foi gentilmente convidado a se retirar da função que exercia no banco e, desde então, tem se dedicado à sua própria “consultoria”, que é a atividade a que se dedicam aqueles que estão em “transição de carreira”.

Galípolo está sendo vendido como alguém que pode reconciliar a Faria Lima com Lula. Fica difícil entender como isso se daria com alguém que escreveu não um, mas três livros com Luiz Gonzaga Belluzzo.

Administrar a economia de um país não é o mesmo que administrar uma empresa, isso é certo. Mas a última vez que entregamos o país nas mãos de uma pessoa que conseguiu quebrar uma lojinha de R$1,99 colhemos a maior recessão da história brasileira. Conseguir quebrar um banco está em outro patamar. Se valer a regra de três, não quero nem pensar nas consequências.

Era uma casa muito engraçada, não tinha fundação, não tinha nada

Estou lendo A Moeda e a Lei, de Gustavo Franco, que conta a história monetária do Brasil desde a década de 30 com base nas várias legislações que regeram a moeda brasileira. No capítulo sobre o plano Real, Franco relembra a primeira iniciativa de FHC como ministro da Fazenda, a edição do PAI, Programa de Ação Imediata. Copio a seguir a exposição de motivos do PAI, que fazem a fundação do Plano Real:

– O Brasil só consolidará sua democracia e reafirmará sua unidade como nação soberana se superar as carências agudas e os desequilíbrios sociais que infernizam o dia a dia da população.

– A dívida social só será resgatada se houver ao mesmo tempo a retomada do crescimento autossustentado da economia.

– A economia brasileira só voltará a crescer de forma duradoura se o país derrotar a superinflação que paralisa os investimentos e desorganiza a atividade produtiva.

– A superinflação só será definitivamente afastada do horizonte quando o governo acertar a desordem das suas contas, tanto na esfera da União como dos estados e municípios.

– E as contas públicas só serão acertadas se as forças políticas decidirem caminhar com firmeza nessa direção, deixando de lado interesses menores.

Note a construção do edifício da estabilização. Ele começa com o teto e vai descendo até as fundações. O objetivo final é retomar o crescimento econômico, que permita resgatar a dívida social e reafirmar o Brasil como nação soberana. Para tanto, é preciso combater a inflação e, para isso, é preciso arrumar as contas públicas. Essa é a ordem: contas públicas arrumadas, inflação baixa, crescimento, resgate da dívida social, soberania.

O Plano Real trocou a inflação por juros altos. Comentei hoje mais cedo que o novo guru de Lula, Gabriel Galípolo, está muito preocupado com os juros altos. Este é o problema do diagnóstico desenvolvimentista, tentar começar a construir o edifício pelo teto. A coisa funcionaria mais ou menos da seguinte forma: o governo faz dívida para investir no resgate da dívida social, este resgate gera crescimento, este crescimento faz com que a dívida pública diminua, jogando os juros para baixo, o que, por sua vez, retroalimenta o crescimento, em um círculo virtuoso. O problema dessa construção é iniciar com o aumento da dívida, o que pressiona os juros para cima. Por isso, Galípolo se diz preocupado com a escalada dos juros, o que sugere alguma medida heterodoxa inicial para segurar os juros enquanto a mágica do crescimento não funciona. Já vimos esse filme antes.

Não à toa, Galípolo propõe a moeda única sul-americana como ideia para robustecer a nossa “soberania monetária”. Ou seja, uma construção que começa com o teto (a soberania), sem nenhuma menção à fundação (a organização das contas públicas). Típico.

O nosso edifício foi construído pela metade. Estamos longe de uma hiperinflação, mas estamos igualmente longe de termos inflação e juros civilizados. Nos demos por satisfeitos tendo uma fundação meia-boca, o que nos leva a ter um edifício fraco: nosso crescimento é medíocre, nosso resgate da dívida social é exasperantemente lento e a nossa moeda é respeitada somente dentro de nossas fronteiras, e olhe lá. Precisamos de um novo Plano Real, que enfrente o desajuste das contas públicas de frente. Sobre este fundamento, o restante do edifício poderá ser construído com segurança. Sem isso, continuaremos em busca de soluções mágicas, que prometem o céu e entregam o inferno.

Um giro de 360 graus

“Lula ajusta rota na economia”.

Este é o desejo da jornalista, não a realidade. Você lê a coluna e não consegue tirar uma só linha de mudança em lugar algum. Minto. Há sim uma pseudosinalização: Gleisi afirmou que Roberto Campos Neto continua à frente do BC no governo Lula. Bem, essa é a lei. Note que Gleisi não afirmou que o PT desistiu de combater a autonomia do BC. Apenas informou aos interlocutores que vai respeitar a lei e manter Campos à frente do BC no início do mandato. Bem, só faltava dizer que não cumpriria a lei.

O ponto é que a própria coluna se contradiz, aparentemente sem notar que o fez. Cita a preocupação do novo “conselheiro econômico” de Lula, o economista Gabriel Galípolo, com a “subida mais forte dos juros”. Ora, os juros são assunto do BC, não do governo. Quer dizer, é assunto do governo, na medida em que os juros são afetados pela política fiscal. Mas note que Galípolo, de acordo com a colunista, não se mostra preocupado com o déficit, mas com os juros. Ou seja, a sua visão é de que é papel do governo tratar desse “assunto dos juros altos”, o que cheira a algum tipo de intervenção em um campo onde o BC tem, teoricamente, autonomia. E antes que digam que a preocupação do economista pode se referir ao spread bancário, leiam novamente: Galípolo refere-se à “mudança de patamar de juros” que impede o “planejamento dos negócios”. Os spreads não subiram, sempre foram altos. O que subiu recentemente foi a taxa Selic, de responsabilidade do BC. Para bom entendedor, pingo é letra.

Por fim, uma palavra sobre o novo Posto Ipiranga de Lula. Há alguns dias, escrevi um artigo sobre a ideia de uma moeda comum sul-americana, exposta em artigo de autoria de Fernando Haddad e um outro economista do PT que não nomeei. Este outro economista, co-autor da brilhante ideia, é Gabriel Galípolo. Este artigo é um bom cartão de visitas do economista. Para quem precisa “ajustar a rota na economia”, talvez não seja um bom começo.

A moeda única do Mercosul

Fernando Haddad e um outro economista ligado ao PT nos brindaram com um artigo na Folha de hoje defendendo o estabelecimento de uma moeda única da América do Sul. Pode parecer o Euro, mas, depois que se lê o artigo, é mais parecido com os SDRs (Special Drawing Rights), uma espécie de “moeda” do FMI, lastreada nas moedas dos seus países-membros mais ricos. O SDR serve como uma espécie de “unidade de conta” para facilitar transações do FMI. Os EUA, Zona do Euro, China, Japão e Reino Unido depositam uma quantia de suas próprias moedas para que o FMI faça as suas políticas. Por exemplo, recentemente o FMI fechou um novo pacote de ajuda para a Argentina no valor de 31,4 bilhões de SDRs, o que equivale a mais ou menos US$ 44 bilhões.

E para que serviria essa moeda sul-americana? Segundo os autores, “um projeto de integração que fortaleça a América do Sul, […] é capaz de conformar um bloco econômico com maior relevância na economia global e conferir maior liberdade ao desejo democrático, à definição do destino econômico dos participantes do bloco e à ampliação da soberania monetária”. Trocando em miúdos esse palavrório: uma moeda única faria a mágica de nos elevar à condição de superpotências econômicas, a ponto de termos liberdade de fazermos o que bem entendermos com nosso destino (“soberania monetária”).

Para entender este ponto, vale listar os diversos exemplos listados pelos autores, e que demonstram como países com moedas fracas são vulneráveis e como uma moeda forte permite ter margem de manobra:

• Os EUA e a Europa se valeram do poder de suas moedas para impor severas sanções contra a Rússia;

• Em 1979, os EUA elevaram os juros para “reafirmar o poder do dólar”, quebrando todos os países que tinham dívidas em dólar (na verdade, o Fed elevou as taxas de juros para combater a inflação);

• Em 2008, a força do dólar teria permitido ao Fed sustentar os preços no mercado financeiro;

• Durante os anos 90, sucessivas crises globais levaram diversos países latino-americanos a recorrer ao FMI, muitas vezes abrindo mão da soberania sobre suas políticas;

• Vários países recorreram à dolarização de suas economias, renunciando à sua soberania monetária.

A moeda única da América do Sul serviria, portanto, para fortalecer as economias da região, levando-as à “soberania monetária”.

Temos aqui o típico caso do rabo abanando o cachorro. Vou aqui copiar o parágrafo do artigo que é chave para entender o problema dessa ideia:

“A utilização do poder da moeda em âmbito internacional renova o debate sobre sua relação com a soberania e a capacidade de autodeterminação dos povos, em especial para países com moedas consideradas não conversíveis. Por não serem aceitas como meio de pagamento e reserva de valor no mercado internacional, seus gestores estão mais sujeitos às limitações impostas pela volatilidade do mercado financeiro internacional”.

Estou lendo neste momento o livro de Gustavo Franco, “A Moeda e a Lei”. Trata-se de um verdadeiro tratado sobre a moeda brasileira, sob o ponto de vista das diversas legislações que se sucederam ao longo da história. Fica claro, ao longo do livro, os graves problemas de governança da moeda nacional, e que acabaram por levar às várias reformas monetárias ao longo da história e à hiperinflação. A moeda brasileira sempre foi tratada como linha auxiliar dos grandes programas de fomento governamental, submetendo o orçamento público aos interesses privados de políticos e de setores econômicos, sem qualquer tipo de limitação. A moeda brasileira nunca foi respeitada pelos nossos representantes.

Voltando ao parágrafo destacado acima, o problema não é que os países da região tenham um déficit de soberania porque suas moedas sejam fracas. É justamente o oposto: as moedas são fracas porque os países da região abrem mão de sua soberania em favor de grupos privados. Ao não levar a sério as finanças públicas, esses países sabotam a própria moeda.

É interessante como não há, ao longo de todo o artigo, uma mísera menção à disciplina fiscal. O Euro só funciona porque a Alemanha, fanática pela disciplina fiscal, ancora a zona do Euro. Há regras duras que devem ser obedecidas por todos os seus membros, o tratado de Maastricht. Em sua pior crise, em 2011, vários países da zona do Euro ficaram ameaçados de sair da moeda única. A Grécia, o país em pior situação fiscal, teve que fazer um ajuste draconiano, cortando aposentadorias e outras despesas públicas para se enquadrar. Era isso ou sair. Os gregos, sob a liderança de um político de esquerda, escolheram a disciplina à hiperinflação que certamente se seguiria se escolhessem voltar ao dracma. Uma moeda estável tem seus custos, e não são pequenos.

A ideia de que uma moeda única seria capaz de “oferecer aos países as vantagens […] de uma moeda com maior liquidez, válida para relações com economias que, juntas, representam maior peso no mercado global” é o mesmo que acreditar que dois bêbados juntos fazem uma pessoa sóbria.

Claro que precisaríamos de uma espécie de “Câmara Sul-Americana de Compensação”, como chamam os autores do artigo ao esquema em que os países superavitários ajudariam os países deficitários. O duro é encontrar países superavitários na região. Oi Chile, já vai embora, fica mais um pouco, vamos conversar…

Enfim, a ideia por trás do SUR (o nome dado à essa moeda sul-americana) é uma espécie de pensamento mágico, em que a união monetária teria o condão de integrar a região e torná-la mais forte diante do mundo. Como brincou meu amigo Cleveland Prates, que me enviou esse artigo, resta saber se a sede do Banco Central da América do Sul ficaria em Buenos Aires ou Caracas.

Os economistas do lado errado da economia

Meu amigo Cleveland Prates, o economista comunista mais neoliberal que conheço, enviou-me o link da notícia abaixo: uma entrevista do economista Antonio Correa de Lacerda ao portal GGN, de Luís Nassif, que dispensa apresentações. Lacerda é o presidente do Cofecon, Conselho Federal de Economistas, e já tivemos oportunidade de analisar suas, digamos, ideias, nessa página.

A reclamação de Lacerda e dos outros economistas envolvidos na entrevista é a preponderância de economistas ligados ao setor financeiro no debate de políticas econômicas no país. A imprensa buscaria somente esses economistas, deixando de lado aqueles ligados ao “setor real” da economia, que teriam muito a contribuir para o debate.

O problema é que os economistas que se formam na faculdade têm quatro caminhos: 1) trabalhar no setor financeiro ou em consultorias que atendem ao setor financeiro; 2) trabalhar no “setor real” em outras áreas que não economia; 3) trabalhar no governo ou 4) seguir carreira acadêmica. As empresas do chamado “setor real” simplesmente não têm um “departamento de economia”, pois não é este o seu core business. Por isso, normalmente, essas empresas recorrem aos seus bancos ou, eventualmente, contratam uma consultoria financeira, para desenhar cenários sobre os quais trabalham. Assim, os economistas que vão para a iniciativa privada normalmente trabalham no setor financeiro, pois o core business desse setor é, justamente, desenhar cenários para investir melhor o dinheiro.

Na verdade, a reclamação de Lacerda e seus colegas não é bem essa. O que os incomoda é a preponderância de economistas que têm uma visão mais ortodoxa da economia, aquela que diz que é necessário ter responsabilidade fiscal e que o crescimento econômico não vem com políticas mágicas, mas construindo um ambiente que atraia investidores. Faltaria consultar economistas como ele, que acreditam que um mundo melhor é possível, onde basta vontade política para que os agentes econômicos se comportem de acordo com os seus próprios livros texto.

Existe mais um componente nesta birra: a preponderância do setor financeiro na economia brasileira como um todo. Sou um engenheiro que foi abduzido pelo setor financeiro, assim como muitos de meus colegas. Lacerda certamente lamenta que o talento dos engenheiros seja empregado em algo que “não produz riqueza”, enquanto poderia estar a serviço do “lado real da economia”. Sem aqui entrar no mérito dessa dicotomia burra e sem sentido, é fato que o setor financeiro tem uma participação desproporcional na economia. Um retrato disso é a composição da bolsa: nada menos do que 24% do Ibovespa é formado por papeis do setor financeiro, sendo o setor mais importante da bolsa local. No S&P500, por exemplo, o peso do setor financeiro é de apenas 10%, nível que mais ou menos se repete em outras bolsas de países desenvolvidos.

Para entender por que isso ocorre, nos será útil observar a notícia abaixo, em que o presidente da Argentina, Alberto Fernández, reclama com o seu colega russo sobre o FMI. Putin, com o poker face que Deus lhe deu, deve ter pensado consigo mesmo: “o que este cara quer, dinheiro emprestado?”

Esse lamento de Fernández é da mesma natureza da reclamação da dependência do setor financeiro no Brasil. Não quer depender do FMI ou do setor financeiro? Simples: pague a sua dívida. O setor financeiro é hipertrofiado no Brasil porque vivemos em um país que se endividou para financiar planos grandiosos de desenvolvimento e um estado de bem-estar social nórdico. Claro, não conseguimos nem uma coisa e nem outra, mas os credores não têm nada a ver com isso, eles querem o dinheiro de volta.

Alguns poderão dizer que países ricos também têm dívidas gigantescas, e nem por isso o setor financeiro é predominante. Aí entra o segundo ingrediente dessa receita indigesta: somos um país pouco sério no trato da nossa dívida. Sempre encontramos um jeitinho de tungar os credores. O último movimento foi a postergação do pagamento dos precatórios, mas está longe de ser o único. A nossa história é marcada por pequenas e grandes intervenções que minaram, ao longo do tempo, a nossa credibilidade. Sem mencionar a inflação, que é a tungada por definição.

A julgar pelo que vem acontecendo recentemente e pelos “planos” dos candidatos a presidente, podemos contar que os “economistas ligados ao setor financeiro” continuarão sendo ouvidos por ainda muito tempo. Para desgosto de Lacerda e seus companheiros do “setor real”.