A ilusão do Grande Irmão

No livro 1984, George Orwell descreve o desejo oculto de todos os que exercem o poder: controlar a mente dos cidadãos. Na história, não bastou que o personagem principal tivesse sido preso e condenado à morte por subversão. O objetivo final, antes de ser executado, é que o criminoso amasse o Grande Irmão. E, de fato, antes de morrer, nosso personagem não consegue reprimir seu sentimento de amor ao Grande Irmão. A sua mente estava dominada.

Claro, trata-se apenas de uma fábula. Não que o domínio da mente das pessoas não ocorra. Pelo contrário, estamos, o tempo inteiro, e sem perceber, sendo bombardeados por ideias que buscam lugar em nossas mentes. Neste livre fluxo de ideias, cada um formará a sua própria, sem nem mesmo perceber como.

Frequentemente, os governantes são acometidos da ilusão de que têm o poder de controlar esse fluxo de ideias, de modo que somente as “boas ideias” possam circular. Trata-se, como disse, de mera ilusão. “Se eles se calarem, as pedras gritarão”, disse Jesus, em uma passagem em que avisa aos fariseus que sua tentativa de controlar as mentes dos discípulos é vã.

As “Big Techs” são a bola da vez na tentativa de controlar o livre fluxo de ideias. Sim, há crimes cometidos com o suporte das redes sociais, assim como havia crimes antes do advento das redes sociais. O nazismo e os tiroteios em escolas não nasceram com as redes sociais. Controlar as redes sociais não fará com que as pessoas acreditem mais nas vacinas ou no processo eleitoral. Quem não quer acreditar continuará não querendo acreditar, faça o que fizer o governante de plantão. As ideias são como água, passam por qualquer fresta. A mente das pessoas é incontrolável.

1984 é somente uma fábula. Ninguém, no final, amará o Grande Irmão contra a sua vontade.

A verdade ultrassecreta vos libertará

Segundo Mourão e vários outros próceres do governo, o decreto que permite que assessores de 1o escalão decretem dados como ultrassecretos serviria para eliminar a burocracia.

No entanto, ainda segundo Mourão, dados ultrassecretos seriam “raríssimos”. Ora, se é assim, onde está a burocracia? Um fast track do processo só se justificaria se houvesse um grande fluxo. Com o novo decreto haverá?

Além do mais, é curioso que a bem-vinda cruzada pela desburocratização tenha começado por algo que não tenha nada a ver com as agruras do cidadão no seu dia-a-dia. Na verdade, esse é o tipo de burocracia do bem, que torna o governo mais transparente.

Diz o Ministro da Transparência (!), em outro ponto da reportagem, que o acesso continua o mesmo, pode-se entrar com um recurso para se levantar o sigilo, como já acontece hoje. Ora, como serão mais dados sigilosos, vai na verdade aumentar a burocracia de quem quiser ter acesso aos dados. Falar em “desburocratização”, neste caso, é de uma cara-de-pau sem limites. Que seja o Ministro da Transparência a defender a limitação da transparência é coisa digna da George Orwell.

Além disso, não consigo pensar em nenhum dado governamental que devesse ficar sob sigilo por 25 anos, a não ser aqueles que potencialmente envolvam segurança nacional e governos estrangeiros. Que tanto “dado ultrassecreto” existe que demande um decreto desse tipo? Empresas mantém seus “segredos industriais” guardados a sete chaves, para defenderem-se da concorrência. O Brasil, no entanto, não é uma empresa competindo no mercado. A que tipo de segredo o governo não quer que seus cidadãos tenham acesso?

Bolsonaro elegeu-se com o versículo João 8,23: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Talvez tenhamos que adapta-lo aos novos tempos: “conhecereis a verdade, desde que não seja ultrassecreta, e a verdade vos libertará”.