O desafio da remuneração das empresas jornalísticas

O PL das fake news foi fatiado, e a parte, digamos, menos polêmica, será votada. Trata-se da remuneração dos veículos jornalísticos por parte das grandes plataformas.

Escrevo aqui no FB, e já tive artigos replicados em um site bolsonarista com milhões de seguidores. Mas em termos de prestígio pessoal, nada superou, nem de longe, os poucos dos meus artigos que chegaram às páginas do Estadão. Recebi congratulações como se tivesse atingido o próximo nível do jogo.

Apesar de tudo, o jornalismo profissional continua pautando os grandes debates na opinião pública. Note: a notícia que você está comentando hoje certamente foi publicada antes em um grande jornal. E a polêmica continua na medida em que a notícia continua sendo publicada. O jornalismo profissional é essencial para qualquer democracia. Não é à toa que a primeira providência de qualquer ditadura é estabelecer um periódico oficial e eliminar os independentes.

Tendo dito tudo isso, o PL que será votado na Câmara carece de qualquer lógica econômica. Não é o tráfego do Google (em tese, a plataforma a ser atingida por essa lei) que aumenta com o jornalismo profissional. É o justo oposto. Ao disponibilizar o link de uma reportagem, o internauta é direcionado para o site do jornal. Pode haver um pequeno trecho da reportagem na própria página de buscas, que serve como uma pista para o teor do conteúdo e facilita a vida de quem está buscando a informação, mas dizer que aquele pequeno trecho substitui a matéria inteira a ponto de o internauta dispensar a leitura do jornal é denegrir a própria imagem do jornalismo profissional, pois significa dizer que toda reportagem poderia ser resumida em um parágrafo.

De qualquer forma, isso é fácil de resolver: basta que o Google não reproduza mais os trechos de matérias de empresas jornalísticas. No limite, o Google poderia simplesmente suprimir esses links. Foi o que aconteceu na Austrália e no Canadá, onde legislações semelhantes foram aprovadas. Obviamente, tiveram que “ajustar” os termos, caso contrário, os sites jornalísticos estariam condenados ao ostracismo. Esse é o problema de leis que desafiam a lógica econômica: os agentes econômicos reagem de acordo com a sua própria lógica. No caso, não existe como obrigar o Google a listar determinados sites em sua página, o que não deixa muita alternativa aos sites jornalísticos.

A forma como consumimos notícias mudou com a internet, e trata-se de um movimento irreversível. Os grandes jornais precisam encontrar formas de se remunerar nesse novo ambiente, o que exige criatividade na elaboração de novos modelos de negócios, sempre preservando a essência do jornalismo profissional. Não é tarefa fácil, e não será com leis voluntaristas que desafiam a lógica econômica que se resolverá o problema.

O abuso do poder de emitir opinião

Diretores do Google e Telegram serão investigados. Pelo que entendi da notícia, serão as pessoas físicas, não jurídicas. Se isso não é intimidação, preciso procurar o significado dessa palavra no dicionário.

A investigação (curioso para saber o que irão investigar) foi pedida pelo exemplo de democrata, Arthur Lira. A acusação é de abuso do poder econômico para disseminar desinformação sobre o PL das fake news. Bem, não ocorreu a nosso democrata chamar de “abuso de poder econômico” a campanha maciça da imprensa, principalmente a Globo, por meio de seus jornalistas e reportagens, a favor do PL, incluindo o uso e abuso de uma correlação emotiva, mas fake, entre um suposto aumento da violência nas escolas e as redes sociais. Neste caso, o uso do poder econômico para influenciar o debate estava do lado da “verdade”. De modo que o problema não é exatamente o uso do poder econômico, mas o seu abuso para cometer um crime. No caso, uma opinião contrária ao PL das fake news.

Abuso de poder econômico para ganhar mercado ou eleições é crime tipificado. Abuso de poder econômico para propagar ideias precisará encontrar seu lugar no Código Penal. E, se for criada essa jurisprudência ao arrepio da lei, que se prepare a imprensa quando for acusada da mesmíssima coisa por um governo menos amigo.

Todas as reportagens sobre este assunto insistem no ponto de que as Big Techs foram as responsáveis pelo adiamento da votação do PL. Como se os deputados fossem uns bocós e, por conta de um link na página inicial do Google, tivessem mudado de ideia. O problema é que o governo Lula tem uma base de geleia, ainda mais quando se trata de um assunto ideológico como esse. A verdade verdadeira é que uma parte relevante do parlamento desconfia das intenções do PT quando patrocina com tanto ardor um projeto de lei dessa natureza. Mesmo que contasse com um texto perfeito, acima de quaisquer suspeitas (o que não é verdade, já analisei isso aqui), o PL veio para a votação com um vício insanável, o apoio incondicional do PT. Ações como os de Alexandre de Moraes, Flávio Dino e, agora, Arthur Lira, somente fazem aumentar as desconfianças dos parlamentares.

Uma história de tecnologia e perseverança

Vou contar uma história de tecnologia e perseverança.

Minha filha esqueceu o iPhone no Uber. Entrou em contato com a central de atendimento, que retornou, afirmando que o motorista não encontrou o celular no carro. Desespero.

A primeira coisa que ela fez, claro, foi usar o aplicativo Find My iPhone para colocá-lo em “modo perdido” de modo a bloqueá-lo. Com isso, descobriu onde o celular estava localizado. Ligou para a polícia, mas recebeu a informação de que ela poderia fazer um BO, mas a polícia não poderia ajudá-la naquele momento, pois as pessoas daquele endereço simplesmente poderiam mentir e eles não tinham mandato judicial para invadir e revistar as residências.

Não se dando por vencida, colocou o endereço aproximado no Google Maps e buscou comércios próximos que tivessem telefone. Ligou para todos, mas nenhum se dispôs a ajudar. Avançando mais uma casinha da perseverança, usou o modo Google Street, e viu que, próximo ao endereço, havia uma oficina de carros com o telefone na porta, e que não constava do Google Maps. Ligou para esse telefone, e uma boa alma atendeu.

Essa boa alma se dispôs a perguntar para um vizinho que fazia Uber se, por acaso, não havia um celular no carro dele. Pimba! Era o próprio! O celular estava com ele! Não sabemos exatamente porquê a central do Uber afirmou que o celular não se encontrava com o motorista.

Acabamos de chegar, eu e minha filha, do lugar onde estava o celular. Claro, levamos uma caixa de bombons para o motorista e outra para a boa alma da oficina mecânica.

Três lições ficam. A primeira é: não desista. A segunda é: existem almas boas e honestas no mundo . E a terceira é: os controladores do Google e da Apple merecem ficar trilionários, pois são muito mais úteis à humanidade do que todo o conjunto de seus críticos.

Os direitos do Google

Eugênio Bucci, claro, é mais um, ao lado de Flávio Dino e Alexandre de Moraes, que acha que o Google não deveria ter voz no debate nacional em temas que lhe afetam. Por que? Bucci lista dois motivos: porque o Google não é brasileiro e porque o Google é um “monopolista bilionário”.

Comecemos com o primeiro ponto. Nesse caso, a Anfavea, por exemplo, formada apenas por montadoras estrangeiras, deveria se abster de opinar em leis que lhe afetam. Sabemos que não é bem assim que a banda toca. O fato é que multinacionais, no momento que estão operando em território brasileiro, prestando serviços a brasileiros e empregando funcionários brasileiros, deveriam ter sim o direito de opinar sobre legislações que lhes afetam. Trata-se, aqui, de uma xenofobia oportunista: traga o seu dinheiro mas fique quieto.

O segundo ponto é a falácia do “poder econômico”. O Google, por acaso, usou os seus bilhões para comprar deputados? Se não, qual exatamente a relação entre os bilhões do Google e sua opinião, colocada em sua página como o seu ponto de vista sobre o assunto? Dizem que o Google privilegiou resultados de busca favoráveis à sua posição em sua primeira página, e isso configuraria abuso de poder econômico. Verdade, se isso for provado. Mas Dino, Moraes e Bucci se insurgiram foi contra o tal link com opinião na capa do Google, é sobre isso que estamos falando. E isso, desculpem-me esses democratas de fachada, faz parte do debate público.

Na verdade, Bucci está exercendo o seu “jus esperneandi”, pois o projeto, da forma como está, não tem votos no Parlamento. Acusar o Google de “conduzir” o debate é infantilizar a opinião pública e os deputados, que não conseguiriam pensar por conta própria e estariam dispostos a assumir a opinião de quem tem mais “poder”, pelo simples fato de ter mais poder. Esse debate sobre o PL das fake news virou praça de guerra justamente porque quiseram enfiá-lo goela abaixo como se fosse uma luta entre o bem de quem “está preocupado com as crianças” contra o mal representado por multinacionais bilionárias e bolsonaristas golpistas. Com esse tipo de simplificação, uma opinião contrária como a do Google realmente incomoda àqueles para quem democracia é somente mais uma palavra bonita.

Vício de origem insanável

Se eu não tivesse lido uma reportagem ontem sobre o assunto, não teria notado que o Google havia colocado um discreto link em sua página inicial de buscas para um texto em que coloca a sua visão sobre o PL das Fake News. O link é discreto mesmo, precisa se esforçar para vê-lo.

A não ser que o relator do projeto, Orlando Silva, tenha informações sobre pagamento de mesada para deputados por parte do Google, no estilo Mensalão, talvez seja um pouco exagerada a expressão “nunca vi tanta sujeira política” usada pelo deputado.

O tal link foi suficiente para o ministro da Justiça, Flávio Dino, acionar a Secretaria Nacional do Consumidor, enquanto o senador Randolfe Rodrigues pede que o CADE (?!?) multe a empresa. Se os dois próceres do governo petista estão fazendo isso contra o Google sem lei alguma, imagine quando tiverem a faca, o queijo e a lei na mão.

O PL das Fake News pode ter toda a boa intenção do mundo, mas nasce com um vício de origem insanável: é patrocinada pelo governo do PT, um dos lados pela disputa do pós-verdade. Qual a confiabilidade que se pode ter nas intenções de um governo que cria um site de propaganda de si mesmo e chama a isso de “combate às fake news”?

Os grandes jornais publicaram editoriais a favor da aprovação do PL das Fake News, defendendo o seu modelo de negócios. Qual é exatamente o problema de o Google fazer o mesmo em sua página? Os deputados estão abertos à pressão da sociedade, como em todo regime democrático. Cada um, assim como cada cidadão, formará a sua opinião depois de expostos aos diversos pontos de vista. O chororô de Orlando Silva faz parte do jogo. Já a truculência de Flávio Dino e Randolfe Rodrigues, ameaçando uma empresa privada com a máquina do Estado pelo simples fato de externar sua opinião, mostra bem o ânimo desse pessoal.

O clique é soberano

Há alguns dias, ficamos sabendo que o Departamento de Justiça dos EUA estaria preparando uma ação antitruste contra o Google, que seria forçado a vender o seu navegador Chrome. Lembrei-me de outra aplicação famosa da lei antitruste.

Em 1984, a então gigante e quase monopolista AT&T foi obrigada a se desmembrar em 7 companhias regionais, as chamadas “Baby Bells”, em homenagem ao fundador da AT&T, Alexander Graham Bell, o inventor do telefone.

Esta lembrança só reforça a minha percepção de que esta lei foi feita para uma economia que está, aos poucos, perdendo relevância. Dividir a AT&T fazia todo sentido: afinal, oferecer infraestrutura telefônica envolvia investimentos massivos em capital e localização geográfica, fazendo com que a barreira de entrada fosse não só gigantesca, mas, em alguns casos, impossível de ultrapassar. Basta lembrar que a AT&T também controlava a Western Electric, a maior fabricante de equipamentos de telefonia do país. Então, não havia por onde entrar, dado que a companhia era, ao mesmo tempo, a maior vendedora e a maior compradora de infraestrutura de telecomunicações. Vale lembrar que as 7 companhias são hoje 3. A lógica econômica acaba falando mais alto.

O que temos no caso do Google? Um software. Não há barreiras físicas. O mercado está aberto para qualquer empresa que queira encarar os investimentos necessários para fazer um bom motor de buscas ou um bom navegador. Quem manda é o clique do usuário.

O interessante é que o Google desenvolveu o Chrome do zero e conquistou o mercado do então dominante Explorer, da Microsoft. Quando o Chrome foi criado, em 2008, a Microsoft estava sob supervisão antitruste desde 1998 por parte do governo norte-americano, pois o Windows trazia como navegador-padrão o Explorer. Esta ação antitruste acusava a gigante do software de monopolizar a indústria de navegadores, prejudicando concorrentes menores, notadamente o Netscape. Como se o usuário não pudesse trocar o seu navegador com um clique, como atualmente o faz para mudar do Edge (o novo navegador da Microsoft) para o Chrome. Aliás, até hoje o Windows traz o navegador da Microsoft como default, mas é o Google que está sendo acusado de monopolista. A ação antitruste contra a Microsoft terminou em 2013, pois perdeu o sentido.

Essa discussão toda chama-me a atenção para outro ponto que tem causado o furor dos defensores da concorrência com base nos parâmetros do século XX: a compra, pelo Facebook, do Instagram e do WhatsApp. Seria uma forma nada sutil de acabar com a concorrência em nichos nascentes. Interessante que o Google construiu o Chrome do zero, mas é acusado da mesma forma, o que me leva a concluir que dá na mesma comprar concorrentes ou desenvolver soluções do zero.

Alguns dirão que comprar concorrentes elimina uma concorrência futura indesejável. Quem disse? Quem pode afirmar que aquelas empresas nascentes seriam concorrentes de peso se o Facebook resolvesse desenvolver suas próprias soluções internas? Quem disse que as decisões empresariais de Instagram e WhatsApp lhes garantiriam o sucesso que têm hoje, e não a lata do lixo da história reservada a milhares de empresas que tentaram ser o “próximo Facebook”? Sinceramente, acho mais provável que Instagram e WhatsApp sejam o que são hoje justamente porque foram comprados pelo Facebook.

Enfim, tudo isso me parece uma discussão paleozoica, em um mundo onde o usuário tem total domínio e liberdade sobre o serviço que quer usar ou deixar de usar. Ações antitruste são inócuas em um mundo onde o clique é soberano.

O falso dilema das redes

Está bombando nas redes o documentário da Netflix “O dilema das redes”, onde ex-empregados de empresas de tecnologia (Google, Facebook e Twitter) atacam o modelo de negócios dessas empresas.

Em resumo, é o seguinte: essas empresas usam ferramentas de inteligência artificial para maximizar o efeito da publicidade. São empresas que vivem da publicidade e, portanto, ganham mais quanto mais cliques seus anúncios recebem.

O número de cliques é diretamente proporcional a dois fatores: tempo de exposição e segmentação precisa. Quanto mais longo for o tempo em que o indivíduo fica exposto ao software, e quanto mais certeira for a segmentação, maior a chance de um determinado anúncio ganhar um clique.

Qual a novidade? Por que o buzz a respeito do assunto?

A publicidade sempre existiu, desde que o capitalismo de consumo de massa se estabeleceu entre nós. As técnicas de publicidade evoluíram com o tempo, basta comparar anúncios de algumas décadas atrás com os atuais.

Também a segmentação evoluiu. Revistas e jornais são oferecidos para os anunciantes com a definição de seus público-alvo. Malas-diretas chegam (chegavam) nas casas das pessoas com determinado perfil. Lojas fazem promoções entre seus clientes de acordo com aquilo que compraram.

As redes sociais (vamos chamar assim, embora o Google e a Amazon não o sejam) levaram a segmentação ao estado da arte, ao usar Big Data para identificar os seus usuários. O que você escreve em um e-mail, as páginas que você visita, o que você comprou um dia, tudo alimenta algoritmos de inteligência artificial, procurando adivinhar a sua próxima necessidade. Isso é bom ou ruim?

Isso não é bom nem ruim. Isso é técnica de publicidade, como sempre foi. Claro, há os que acham a publicidade um instrumento do demônio, por incitar o consumismo. Se você é uma dessas pessoas, então o problema não são as redes sociais, o problema é a publicidade em si. Se você, por outro lado, entende que a publicidade é a alma do capitalismo, então deveria aceitar numa boa a sua evolução em direção a uma maior efetividade.

Mas há a questão da privacidade. Uma coisa é você assinar um jornal ou uma revista com anúncios. Outra bem diferente é um software de inteligência artificial “roubar” os seus dados e comercializá-los.

Aí que está o ponto. Acho que hoje nem o mais ingênuo dos usuários pensa que o seu uso das redes sociais não gera dados que serão usados para caçar cliques. As pessoas usam as redes sociais “sem pagar nada”. Mas, como já dizia Milton Friedman, não existe almoço de graça. Portanto, o uso dos dados pessoais é o preço cobrado para usar as redes sociais. Se a pessoa não está disposta a pagar este preço, não deveria usar. Ponto. Revoltar-se contra o modelo de negócios das redes sociais é inútil. Esperar por uma regulamentação governamental, também. No limite, se a regulamentação realmente coibir o uso de dados pessoais para segmentação da publicidade, o negócio das redes sociais acaba. E aqueles que não se importam de receber publicidade segmentada ficarão sem o serviço.

Pergunta: quanto você pagaria por uma assinatura mensal do Google ou do Facebook para não ter seus dados comercializados? Haveria assinantes suficientes para pagar a conta? Jornais e revistas cobram assinatura e nem por isso deixam de ter anúncios. Qual teria que ser o valor da assinatura para evitar a necessidade de anúncios?

O último ponto, e que reputo o mais importante, é o vício. Acho que este é o ponto nevrálgico da questão, mais ainda do que a privacidade dos dados. Mas este não é um problema apenas das redes sociais. Todos os veículos de comunicação trabalham arduamente para manter a audiência. Procuram usar técnicas para prender o usuário o maior tempo possível diante da tela ou do papel. Não é diferente com as redes sociais. Isso é inerente a qualquer mídia que trabalha com anunciantes.

A diferença, neste caso, está na acessibilidade. O problema é que as redes sociais estão disponíveis nos celulares. E o celular está perto de você 100% do seu tempo. Este é o real problema. Na verdade, se precisássemos sentar na frente do computador para navegar, a coisa não seria muito diferente da TV, ainda que existam pessoas viciadas em TV. Mas o fato de carregar o celular conosco o tempo inteiro faz com que o vício se torne muito mais fácil. É como deixar um copo de pinga 100% do tempo ao alcance de um alcoólatra.

Este é um problema sério e que merece a nossa atenção. Não tem muito o que se possa fazer aqui, a não ser apelar para o autocontrole. Alguns truques ajudam, como, por exemplo, desligar as notificações. De vez em quando também é útil adotar períodos sabáticos, em que nos afastamos completamente das redes. Na verdade, do celular. Refeições em família sem os respectivos celulares também ajudam muito. Tudo isso é tanto mais difícil quanto mais estivermos viciados. O que torna a coisa ainda mais importante.

Note que o problema não são as “redes sociais”. Assim como o álcool, as redes sociais são bem úteis quando usadas com moderação. A comparação com cocaína é algo completamente desproporcional e inadequado. Não há reações químicas no cérebro que nos tornam escravos físicos do “vício em redes sociais”. Acredite, não temos “síndrome de abstinência” quando deixamos de usar as redes sociais. A comparação com o álcool ou com o cigarro é um pouco mais próximo da realidade. É possível usar com moderação.

Por fim, considerações sobre “ameaças à democracia” e “discursos de ódio” supostamente facilitadas pelas redes sociais são apenas mais uma forma de discurso político. Vivemos, no século XX, muitas “ameaças à democracia” e “discursos de ódio” sem o auxílio das redes sociais. Trata-se de uma confusão, proposital ou não, entre meio e mensagem. Acabar com as redes sociais não acabará com as mensagens de ódio. Elas apenas mudarão de meio. Culpar as redes sociais por supostos ataques à democracia é um meio fácil de deslocar a culpa da própria incompetência em transmitir uma mensagem alternativa que ganhe mentes e corações. Afinal, as redes sociais estão aí para todos, basta usar.

PS.: não é à toa que a Netflix tenha produzido este documentário. Ela também está na briga pela sua audiência, não se esqueça. E cada minuto a menos no Facebook significará potencialmente um minuto a mais na Netflix. Não tem santo nessa história. Todos estão em busca do seu olhar.

Depoimento histórico

Os mais antigos vão lembrar: nos anos 90, a Microsoft foi acusada de “práticas monopolistas” por entregar o seu navegador Explorer junto com o Windows. Na época, Yahoo e Netscape brigavam com o Explorer palmo a palmo por esse mercado. Hoje, mais de 20 anos depois, o Chrome, que nem sequer existia na época, domina esse mercado. Yahoo e Netscape são sombras do passado e o Explorer foi substituído pelo Edge na 342a tentativa da Microsoft de destronar o navegador do Google.

Curiosamente, a Microsoft não estava entre os depoentes do “depoimento histórico”, na chamada grandiloquente do jornal. E é curioso porque o seu sistema operacional Windows e seu pacote Office detém uma considerável fatia dos seus respectivos mercados. O que nos faz concluir que a preocupação dos nobres parlamentares não está em supostas práticas monopolistas, mas em algum outro lugar. Mas não é esse o objetivo deste post.

O ponto que quero fazer é que não há setor econômico mais aberto à competição do que o de tecnologia. Claro, isso não significa que qualquer Zé Mané pode competir com o Google desde a garagem da sua casa. São precisos milhões, ou até bilhões de dólares de investimentos até chegar lá. Meu ponto é que qualquer um com uma boa ideia e capacidade de convencimento tem à sua disposição bilhões de dólares para alavancar a sua ideia, em um mercado de capitais ávido por encontrar o próximo Facebook ou o próximo Google. Todos esses gigantes nasceram na garagem de casa ou no dormitório da universidade, e desafiaram outros gigantes da tecnologia.

Este mercado é absolutamente aberto porque está ao alcance dos dedos dos usuários. Ninguém, absolutamente ninguém, impede que você teste outros navegadores, outras redes sociais, outros serviços de entrega. Os atuais líderes de mercado precisam suar continuamente a camisa para manter a experiência do usuário em alto nível, pois sabem que um competidor pode rouba-lo a qualquer momento. Eles próprios fizeram isso.

Lembro como se fosse hoje. Era 1999, estava eu trabalhando no escritório, quando veio um colega e digitou no meu computador “Google.com”. Apareceu uma tela branca, com apenas uma linha no meio para digitar a busca (basicamente o que se tem ainda hoje). Um choque para quem, como eu, estava acostumado com a aparência carnavalesca da página do Yahoo. Aquilo me cativou imediatamente. Meu amigo falou: “preste atenção, esse é o futuro”. Profético.

O Google conquistou o mercado com um produto melhor. Assim como o Facebook desbancou o Orkut. E, daqui a 20 anos, outras empresas estarão no lugar dessas. No final do dia, é o consumidor que decide quem vive e quem morre, como em uma arena romana.

O tal do “depoimento histórico” nada mais foi do que o tributo que a genialidade precisa pagar para a mediocridade. Um dia de trabalho perdido na vida desses empresários, que poderia ter sido empregado para agregar valor aos consumidores. Ayn Rand na veia.

Os belzebus do capitalismo

O Google é o penúltimo dos grandes belzebus do capitalismo a atingir a impressionante marca de U$ 1 trilhão de valor de mercado, fazendo companhia à Apple, Amazon e Microsoft. Falta só o Facebook, que vale “só” US$ 630 bilhões. Para se ter uma ideia, o conjunto de todas as companhias abertas do Brasil (incluindo aí Petrobras, Vale, Itaú, Bradesco e todos os outros grandes mamutes nacionais) vale cerca de US$ 1,25 trilhões. Ou seja, se os investidores do Google resolvessem vender todas as suas ações, teriam dinheiro suficiente para praticamente comprar todas as empresas da bolsa brasileira.

O que mais impressiona no caso do Google é que a empresa não vende nada. Você compra produtos Apple, livros na loja Amazon e softwares da Microsoft. Mas do Google (assim como do Facebook) você não compra nada. É uma empresa que ganha dinheiro basicamente com publicidade. E vale US$ 1 trilhão. Não é à toa que as grandes empresas de mídia estejam em polvorosa, e os governos estejam buscando formas de “quebrar o monopólio” do Google e do Facebook. Iniciativa risível, em um mercado em que a barreira de entrada é praticamente zero, basta fazer um motor de busca que ganhe as mentes e corações dos usuários. O Google fez isso com o Yahoo, que já havia feito isso com o Altavista. Acontece que não surgiu nada efetivamente melhor desde então. “Quebrar o monopólio” significaria, na prática, forçar os usuários a terem experiências piores, em nome de um “mercado mais saudável”. Para quem?

Há 100 anos, as empresas líderes na bolsa americana eram as ferrovias. Há 50 anos, eram as automobilísticas e empresas de petróleo. Hoje, são as empresas de tecnologia. Toda indústria tem o seu ciclo natural, e essas empresas também serão uma lembrança daqui a 50 anos, sendo substituídas por algo sobre o qual não fazemos a mínima ideia. Esta é a beleza do capitalismo.