Quem poderia imaginar…

Rapaz… quem poderia imaginar que se endividar até as tampas para jogar dinheiro de helicóptero diminuiria a pobreza só por um tempo, e tudo voltaria a ser como antes por causa da inflação? Por essa ninguém esperava…

Quer dizer, tudo voltaria a ser como antes, não. A pobreza continua a mesma, mas a dívida pública, quanta diferença! (essa é para os mais seniores, que se lembram da propaganda do xampu Colorama).

E a matéria do NYT tem um tom de alarme, como se assistência do governo tivesse o condão de mudar o patamar de pobreza de maneira definitiva. Talvez se o governo continuasse se endividando eternamente para manter a assistência no mesmo nível… bem, talvez Biden pudesse dar uma olhada para certo país na América do Sul, em que programas assistenciais existem há décadas, sem conseguirem mover o ponteiro da pobreza.

Talvez um dia se convençam de que a única forma de diminuir a pobreza é com o enriquecimento (crescimento) do país. Dinheiro do governo só serve como paliativo temporário. Enquanto o governo dá com uma mão, retira com a outra, via impostos e inflação. Trata-se de um jogo soma zero, em que o cidadão perde e os políticos populistas ganham.

O investimento público em infraestrutura

Quando estou discutindo investimentos com alguém, é relativamente comum ouvir coisas do tipo: “ação de banco é excelente investimento, banco nunca perde!” ou “o que você acha de investir em Ambev? Afinal, as pessoas sempre estão bebendo cerveja!”.

Há uma confusão danada entre a atividade das empresas e a sua viabilidade econômica. As pessoas podem estar comprando pets como se não houvesse amanhã. Isso não significa que investir em empresas do setor de pets seja necessariamente lucrativo. Tudo depende de como a coisa é administrada.

Este fato me veio à mente quando li o artigo de Fareed Zakaria, comemorando o pacote trilionário de investimentos em infraestrutura recém aprovado pelo governo Biden. Gosto do Zakaria quando se trata de análise política, mas o articulista já demonstrou em mais de uma ocasião que, em se tratando de economia, é mais raso do que um pires.

A frase que resume o artigo está destacada abaixo: o investimento em infraestrutura faz a economia girar e é um sinal de que a sociedade está pensando no futuro.

Platitudes equivalentes a dizer que bancos sempre ganham dinheiro, as pessoas sempre bebem cerveja e as famílias estão comprando muitos pets. O ponto relevante, e que não é tocado no artigo, é: como esses investimentos serão administrados.

Que o investimento em infraestrutura é importantíssimo, não resta dúvida. E que seus benefícios vão muito além do lucro que pode ser obtido pelo empreendimento em si, também é ponto pacífico. Uma estrada, por exemplo, beneficia mais pessoas do que os seus usuários. Justifica-se, então, algum nível de subsídio, financiado por toda a sociedade, através da coleta de impostos.

Isso é uma coisa. Outra coisa é o Estado encarregar-se da construção e da posterior gestão do equipamento. A única justificativa para isso seria a crença de que o Estado administra melhor esse tipo de investimento do que a iniciativa privada. Ou seja, que o Estado será capaz de construir mais com menos recursos. Acho que não preciso desenvolver nenhum raciocínio sofisticado para refutar essa ideia.

O articulista levanta o conhecido ponto de que a infraestrutura americana está caindo aos pedaços e há muito precisa de investimentos. Sem dúvida. No entanto, é preciso entender como se chegou nesse ponto.

Zakaria cita dados de investimentos públicos em infraestrutura desde a década de 50, mostrando que esses investimentos começaram a recuar na década de 70. O que aconteceu? O que estamos cansados de observar no Brasil: grandes obras são construídas pelo Estado, sem se ter a preocupação de como se vai fazer a posterior manutenção. É como comprar um carro e “esquecer-se” de que é necessário gastar dinheiro com combustível e manutenção. Aí, o dinheiro acaba (o dinheiro público sempre acaba, são infinitas as reivindicações sociais e finitos os recursos), e aquela bela obra vai sendo presa fácil da passagem do tempo. Fora a ineficiência clássica da administração estatal. Para ilustrar o ponto, se ainda for necessário para convencer alguém, basta comparar as estradas brasileiras administradas pela iniciativa privada com aquelas gerenciadas pelo governo. I rest my case.

O Estado não precisa, ele mesmo, construir e administrar infraestrutura. Conceder a empresas privadas a construção e administração é muito mais eficiente. Externalidades positivas podem ser compensadas via subsídios no financiamento do capital ou nas tarifas.

Alguns apontarão dois problemas nesse modelo: o cálculo do subsídio e o lucro das empresas, que é inexistente quando o Estado se encarrega de construir e administrar. O cálculo do subsídio ideal, de fato, é tarefa complexa. No entanto, melhor explicitar o subsídio, submetendo-o ao escrutínio da sociedade, do que não saber quanto está sendo pago para ter aquele serviço, que é o que acontece quando o dinheiro gasto pelo governo embute os mesmos subsídios, só que implícitos.

Quanto ao lucro das empresas, aí é uma questão de fé: eu acredito que, mesmo cobrando seu lucro, empresas privadas gastarão menos dinheiro dos contribuintes do que o governo, com todas as suas ineficiências. Mas pode ser que outros acreditem no inverso. Um ponto, no entanto, é pacífico: haverá uma grande festa de construção de infraestrutura nos próximos anos. Qual será o estado desses equipamentos daqui a 30 anos?

A importância do jornalismo profissional, apesar de tudo

“Apesar de adotar objetivos progressistas, governo democrata enfrenta número excessivo de imigrantes”.

Este é o lead da matéria sobre o imbróglio que o governo Biden está enfrentando nessa questão da imigração. Digamos, em uma realidade alternativa, que o lead fosse o seguinte:

“Por causa de seus objetivos progressistas, governo democrata enfrenta número excessivo de imigrantes”.

Este segundo hipotético lead seria interpretado como propaganda do governo Trump e só poderia ter sido publicado em algum site alt-right. Já o primeiro é, supostamente, neutro. Só que não.

O uso do “apesar” também faz uma ligação entre as “políticas progressistas” e o “número excessivo de imigrantes”: trata-se de uma relação de não causalidade. Ao usar “apesar”, o jornalista está afirmando que as políticas progressistas NÃO SÃO responsáveis pelo número excessivo de imigrantes. A causa da crise humanitária deve ser procurada em outro lugar.

Sairá de mãos abanando os que procurarem, na matéria, possíveis explicações para o aumento do número de imigrantes. Parece mais uma força incontrolável da natureza, uma catástrofe que calhou de cair sobre os ombros do presidente democrata. Um azar, dado que justamente ele adotou “políticas progressistas”.

A matéria seria neutra se deixasse essa bobagem de “políticas progressistas” de lado. Existe uma crise humanitária e o governo Biden não está conseguindo enfrentá-la, ponto. Avaliações sobre “políticas progressistas”, em clara contraposição às “políticas reacionárias” de seu antecessor, só mostram o lado do jornalista. E abrem o flanco para um leitor medianamente inteligente chegar à óbvia conclusão de que são exatamente essas “políticas progressistas” que estão causando a vaga de imigrantes.

Para terminar: em favor do jornalismo profissional, é de se notar que esse tipo de reportagem sequer teria espaço em um veículo puramente militante. O Granma não publica os problemas do sistema cubano, como o fazem o NYT ou o Washington Post em relação aos problemas do governo americano, apesar dos vieses. O fato de se publicar matérias sobre a crise dos imigrantes, apesar da tendência do jornalista, mostra a importância de termos uma imprensa profissional independente em uma democracia. Cabe a nós, leitores conscientes, separar o joio do trigo, evitando jogar o bebê junto com a água suja da banheira.

Pensando no bem dos imigrantes

“EUA aumentam voos de deportação para desencorajar imigração ilegal”.

Esse desumano governo Trump insiste em tratar uma crise humanitária como se fosse um caso de polícia, fechando suas fronteiras para as pessoas mais necessitadas.

Hã, o que? O Trump não é mais o presidente? Ah, ok.

O governo Biden, pensando no bem-estar e segurança dos imigrantes, alerta que a imigração irregular é muito arriscada.