Não há termos de comparação

Há um certo afã em se colocar Lula e Bolsonaro como igualmente prejudiciais ao Brasil em todos os campos possíveis, ainda que de formas diferentes. No campo econômico, isso é verdade em alguns campos, como o da disciplina fiscal ou o da proteção a corporações do serviço público, mas não o é, de maneira alguma, em outras. É o caso da Petrobras, foco do editorial do Estadão de hoje.

Segundo o editorial, ambos os políticos querem “prejudicar a companhia em nome de seus projetos pessoais de poder”.

Na superfície, parece isso mesmo: Lula usou a empresa como um puxadinho do governo, ao passo que Bolsonaro troca de presidente como quem troca de cueca, ao sabor de suas conveniências políticas.

Mas isso é só na superfície. Se analisarmos mais a fundo, veremos diferenças fundamentais de visões de mundo. O próprio editorial lembra que a Petrobras gerou R$ 120 bilhões de prejuízo durante os governos do PT para fazer política monetária e política industrial do governo. A roubalheira, no valor de R$ 6 bilhões, foi somente a cereja do bolo. Por outro lado, Bolsonaro indicou dois presidentes para a estatal que respeitaram a sua dinâmica empresarial, e havia indicado um terceiro na mesma linha. A troca de presidentes, portanto, não foi pela política de preços ou pela desmobilização que a empresa vem adotando desde o governo Temer. Foi simplesmente para jogar o boi de piranha no rio.

Alguns dirão que a Petrobras só está praticando preços de mercado porque é obrigada a tanto por uma lei aprovada no governo Temer. Justo. Mas também é verdade que Bolsonaro não se movimentou para alterar a lei, como Lula já prometeu que o fará se eleito, em seu projeto de fazer a Petrobras great again.

É óbvio que o troca-troca de presidentes é prejudicial à companhia. Mas não há termo de comparação entre um político atrapalhado, que vê a Petrobras como um estorvo ao seu projeto de poder, e outro que fez da empresa o pivô de seus projetos megalomaníacos de poder. Neste caso, os efeitos perversos dessas duas visões de mundo para os acionistas minoritários e para o próprio Tesouro são completamente diferentes.

A natureza do escorpião

É o segundo domingo seguido que reproduzo aqui o editorial do Estadão. Não é mera coincidência.

Domingo é o dia mais nobre para o editorial de qualquer jornal. É aquele dia em que as pessoas têm mais tempo para gastar lendo “opinião”. Portanto, não é mera coincidência que o Estadão tenha escolhido dois domingos seguidos para desancar Lula, guardando o topo da página do editorial para tão nobre tarefa.

Se, no domingo passado, o editorial homenageou a digamos, capivara de Lula, hoje o assunto é a sua pauta econômica. Reproduzo, aqui, trecho lapidar: “Sem nenhum exagero, o governo de Dilma foi a gestão dos sonhos dos petistas, com a aplicação – sem freios, sem limites e sem diálogo – de todas as teorias, ultrapassa das e equivocadas, que o PT sempre defendeu e, pasmem, ainda defende”.

Claro que há quem acredite que Lula seja pragmático, e não vai dar ouvidos aos economistas do PT. A respeito dessa expectativa, nada mais útil do que lembrar a natureza do escorpião.

O populismo é árvore frondosa

Editorial do Estadão repercute matéria do mesmo jornal, dando conta do aumento do custo da eletricidade nos últimos 7 anos, muito acima da inflação média.

A eletricidade, assim como a maior parte dos bens de consumo no país, é altamente taxada. É a escolha que fizemos: taxar o consumo ao invés de taxar a renda, como acontece nos países mais desenvolvidos. A taxação sobre o consumo é mais regressiva do que sobre a renda, pois alcança igualmente pobres e ricos. Todos pagam o mesmo imposto, pois não há diferenciação de preços por tipo de consumidor.

No caso da eletricidade, no entanto, há sim diferenciação de preços. Consumidores rurais, de energia solar e de baixíssima renda contam com subsídios, distribuídos por entre aqueles que não têm direito à tarifa diferenciada. Estes subsídios funcionam como um imposto adicional. Se estivessem no orçamento ao invés de na conta de luz, poderia significar um desconto de 9% na conta. Mas é mais fácil aprovar um subsídio que ninguém vê do que achar espaço no orçamento.

Além disso, estamos pagando a conta de populismos do passado. A MP 579, com a qual a então presidente Dilma Rousseff baixou as contas de luz em 20% em 2013, não passou de um exercício de prestidigitação: o custo da eletricidade não baixou um real, foi apenas adiado com juros e correção. Ainda estamos pagando essa conta, na forma de encargos na CDE, Conta de Desenvolvimento Energético, um nome desenvolvimentista para o cemitério aonde aportam todos os esqueletos do setor.

E a CDE já está preparando mais covas, com os jabutis aprovados pela MP da privatização da Eletrobrás. Construção de termoelétricas em lugares estapafúrdios e reserva de mercado para pequenas hidroelétricas prometem novos encargos a serem pagos pelo consumidor de eletricidade do futuro.

No Brasil, o populismo é árvore frondosa, que abriga sob sua sombra governos de todas as cores.

Onde está Dilma?

Uma análise dos economistas da Casa das Garças, de tendência social-democrata, conclui que o Brasil vai avançando lentamente na direção correta. Todos os governos pós democratização, de alguma forma, contribuíram para esses avanços.

Todos os governos?

A reportagem não chama a atenção para uma ausência ilustre nessa linha do tempo: o governo de Dilma Rousseff. Com a sua “Nova Matriz Econômica”, o governo Dilma, na verdade, contribuiu para dar marcha à ré nessa caminhada. Não à toa, vivemos a pior recessão da história brasileira durante o seu governo.

Lula omite a sua cria de todas as formas. Caberá aos seus adversários na campanha fazer a ligação entre os dois, mostrando que os “heydays” do governo Lula terminaram no desastre do governo Dilma.

Tem um bode na sala do Lula. Vamos ver se e quando começará a feder.

O verdadeiro legado dos governos do PT

Só falta um pequeno detalhe nesse artigo: o governo Dilma, nome que não foi citado uma única vez.

Mas esse não é, nem de longe, o principal problema. O problema, de fato, é o desfile de números sem uma demonstração de causa e efeito. Por exemplo, quando diz que a dívida pública no governo FHC aumentou, sem dizer que o governo tucano foi o responsável por tirar inúmeros esqueletos fiscais dos seus respectivos armários. Ou seja, houve um reconhecimento de uma dívida que já existia. Ou quando fala das condições macroeconômicas do governo Temer, quando este, na verdade, herdou-as todas do governo daquela que não se pode pronunciar o nome. Ou ainda, quando fala do investment grade, que foi obtido justamente porque o primeiro governo Lula seguiu o receituário “neoliberal”.

A grande vantagem de termos tido um governo Dilma é conhecermos o modelo petista de governo em seu estado puro. Além disso, serviu como desaguadouro dos excessos que tiveram início no governo de seu mestre, para que não tenhamos dúvida de quem foi a culpa.

Não é que os economistas neoliberais não reconheçamos o legado dos governos do PT. Pelo contrário, reconhecemos todos eles. Talvez fosse melhor para os petistas que os esquecêssemos.

Notícias boas e verdadeiras

Lauro Jardim nos faz saber que Haddad se reuniu com alguns empresários em São Paulo. Empresário, como sabemos, é um bicho pragmático. Pode até ter suas opiniões, mas prepara seus negócios para qualquer cenário. E um cenário possível é a volta de Lula ao poder.

Alguém anotou as “contribuições” de Haddad para o esclarecimento dos empresários e repassou-os ao jornalista.

Comento cada uma a seguir.

1) “O PT não é um partido de esquerda, mas de centro-esquerda.

”O PT quer ocupar o lugar do “centro”, aquele que não faz mal a ninguém. De fato, visto do PSTU, o PT é um partido de centro-esquerda. O problema é que, visto do centro, o PT é de esquerda mesmo.

2) “A culpa é da Dilma”

Já escrevi aqui que Dilma colheu o que Lula plantou. Na verdade, deu azar, porque a farra das commodities foi acabar justo no seu governo. Sem dinheiro para sustentar os gastos mastodônticos patrocinados desde o governo Lula, foi a pique. Mas ela não está sozinha nessa. Aliás, vemos que Haddad concorda com o Ciro.

3) “A grande vingança do Lula será fazer o Brasil crescer novamente”

A fala é uma bobagem, mas é interessante o tema da “vingança” aparecer na conversa. Há uma sensação ruim de que Lula de volta ao poder não deixará pedra sobre pedra. Mas pode ser só uma sensação ruim.

4) “Lula não sabia da corrupção na Petrobras.”

O esquema era 1/3 para o PT, 1/3 para o PMDB e 1/3 para o PP. Mas Lula não sabia de nada.

5) “Autonomia do BC, não”

Finalmente uma verdade. Parece aquela piada: “trago notícias boas e notícias verdadeiras. O problema é que as boas não são verdadeiras e as verdadeiras não são boas”.

É dura a vida do Haddad.

Para não esquecer

Marcos Mendes manda a real sobre a tentativa de reabilitar o PT pelo lado econômico, esforço em paralelo à reabilitação política.

Um belo resumo do desastre dos anos petistas na condução da economia, vale a leitura.

Dilmavírus

O impacto das medidas de isolamento social serão terríveis para a atividade econômica. Isso já sabemos. Mas quão terríveis?

Os primeiros chutes dos economistas do mercado financeiro indicam perdas do PIB neste ano que vão de -1% a -4%. Sem dúvida, uma grande desaceleração.

Fiquei tentando lembrar da última vez que isso aconteceu. Não foi difícil. Isso aconteceu recentemente. Não uma vez, mas duas.

Nos anos de 2015 e 2016, o PIB brasileiro recuou entre 3,5% e 4,0%. Sim, não um ano, mas dois anos seguidos. Foi o efeito do Dilmavírus.

Claro que hoje a coisa assusta mais, pois é um grande impacto no curtíssimo prazo, dando uma sensação muito ruim, como se estivéssemos em um carro que brecasse violentamente.

Além disso, não quero passar a impressão de menosprezar os efeitos deletérios da desaceleração que enfrentaremos. Serão meses bem sofridos. A comparação com um período péssimo não torna melhor um período ruim.

Mas, olhando em perspectiva, conseguimos, aos trancos e barrancos, sair daquele buraco. Sequelas ficaram, como o grande desemprego que ainda assola o país. Mas vamos caminhando.

Conseguiremos sair deste buraco também. Se sobrevivemos ao Dilmavírus, o coronavírus é fichinha.

Ficção Não-Científica

Economia é uma ciência humana. Portanto, não é exata. Nem por isso se pode ignorar os dados objetivos e inventar uma narrativa conveniente que não converse com a realidade.

A ressurreição do documentário de ficção indicado para o Oscar fez ressurgir também outra narrativa muito conveniente: o desastre econômico do governo Dilma foi, em grande parte, fruto da queda dos preços das commodities entre 2014 e 2016. Ignorar esse contexto global seria pura e simples má fé.

Destaquei dois tuítes de uma professora da FGV que resumem o, digamos, raciocínio. Até admite-se que a resposta à crise global por parte do governo Dilma não tenha sido das melhores. Mas é indisfarçável o desejo de livrar a cara da presidenta. Afinal, se Lula teve sorte, por que Dilma não teria simplesmente tido azar?

Bem, se alguém teve azar nessa narrativa foi a realidade. A forma mais fácil de entender quanto da crise brasileira foi causada pela queda dos preços das commodities e quanto foi obra nossa é comparar o nosso desempenho com um grupo de países comparáveis. Para tanto, peguei os dados do FMI de crescimento do PIB do Brasil e comparei com a média da América Latina (isso inclui Venezuela e Argentina!) entre os anos de 2003 e 2016 (governos Lula e Dilma). Nos anos em que o número é positivo, o Brasil cresceu mais do que a média, e vice-versa.

Podemos observar 4 fases distintas:

– 2003 a 2006: o governo Lula adota políticas ortodoxas, dando continuidade ao ajuste das contas pós desvalorização cambial. O Brasil cresce menos que a média.

– 2007 a 2010: aqui há duas narrativas possíveis. A primeira diz que o governo Lula começa a colher os frutos de anos de ortodoxia. A segunda diz que o Brasil começou a crescer mais do que a média porque começou a adotar políticas heterodoxas, com Guido Mantega e patota assumindo o controle. Eu prefiro a primeira, mas a segunda tem a sua utilidade, principalmente para explicar o período seguinte.

– 2011-2014: a heterodoxia aplicada a partir principalmente da crise de 2008 perde fôlego e não consegue mais sustentar o crescimento. Dizem os heterodoxos que a culpa foi de Dilma, que cedeu aos ortodoxos no início do seu mandato, elevando os juros e fazendo ajuste fiscal. Pode ser. Mas isso não explica o que aconteceu entre 2012 e 2014, quando a heterodoxia comeu solta.

– 2015-2016: dizem os heterodoxos que a grande recessão foi causada porque Dilma novamente cedeu aos ortodoxos, ao contratar os serviços de Joaquim mãos-de-tesoura Levy. Mas não ouvi ninguém negar que havia uma crise NO BRASIL. Está claro no gráfico que o Brasil sofreu muito mais que seus pares nesse biênio, o que é obra puramente tupiniquim.

No mercado se diz que, quando se tira a água da piscina, se descobre quem está nadando pelado. Não adianta culpar quem tirou a água da piscina, é obrigação de todo banhista nadar de sunga ou de maiô. Da mesma forma, a queda dos preços das commodities não pode servir de desculpa para o fato de se ter feito barbeiragem na condução da economia. A crise global só explicitou esse fato.

Tentar explicar o desastre econômico do governo Dilma a partir da crise das commodities é tão crível quanto a narrativa do golpe. Ambas se encaixam na categoria ficção não-cientifica.