1) Lula in an interview with foreign journalists, opposing the war between Germany and Poland: “both countries should stop the war!” (Sep 2, 1939)
2) Lula talking to a crowd in Sao Paolo, delivering his famous speech “I only listen the word ‘war’ while children are starving!”, reasoning that Germany and France should be negotiating to end the war. (May 11, 1940)
3) Lula holding a sheet of paper with his speech known as “nobody’s to blame the war”, urging Germany and USSR to sit and talk (Jun 23, 1941).
“Paz”, assim como “democracia” e “amor”, é uma palavra fácil. Todos queremos paz, democracia, amor. Quem seria contra?
Lula acha que não. Lula acredita (e fala) que somente ele quer a paz no mundo. E como todos os problemas brasileiros já foram resolvidos, Lula gasta seu tempo e energia para alcançar justamente isso, a paz no mundo.
O problema, meus amigos, é que, assim como democracia e amor, paz não é um termo unívoco. Lula age como se paz significasse apenas e tão somente “ausência de bombardeios”. Trata-se, obviamente, de uma simplificação tosca de quem alçou papo de botequim ao nível de diplomacia internacional. Ou, rebaixou diplomacia internacional a papo de botequim, como queiram.
Mas se fosse somente isso, seria apenas folclórico. O problema é que Lula, de fato, aprova o modus operandi de Putin, e o adota internamente. O governo Lula, por exemplo, quer a “paz no campo”, mas passa a mão na cabeça do MST, inclusive levando Stédile a tiracolo para a China. Até reconhece que as invasões a propriedades não deveriam acontecer, mas “o erro aconteceu, não adianta ficar falando quem está certo e quem está errado”. E negocia com MST e proprietários de terras como se fossem duas forças simétricas. No fundo, Lula pensa que o MST e a Rússia têm a razão ao seu lado, e faz contorcionismo retórico para parecer neutro.
Lula, em sua megalomania insuflada por um ego nunca visto na história desse país (para usar expressão consagrada em suas falas), tem a pretensão de ser visto como um Mahatma Ghandi do século XXI, o mensageiro da paz. Como falta-lhe a grandeza do indiano e sobra-lhe a malandragem de Macunaíma, o máximo que consegue é ser visto como um anão diplomático, que serve de pet para Xi Jiping. Poderíamos ser poupados dessa vergonha.
Jô Soares era um humorista genial, criador de inúmeros personagens que ficaram na memória. Um deles era o Múcio, um sujeito com ideias muito firmes, até ser confrontado com uma opinião contrária. Nesse momento, Múcio metamorfoseava sua própria opinião, de forma a concordar com a opinião contrária.
Lula deu uma de Múcio nessa questão da Ucrânia. Após afirmar que ambos, Ucrânia e Rússia, eram responsáveis pela guerra, agora, diante do presidente da Romênia e depois das duras críticas de EUA e UE às suas falas, Lula condenou a violação à integridade do território da Ucrânia. Faltou um “pela Rússia”, mas ok, está implícito.
Não poderia ser diferente, dado o discurso lido, que não deixou margem à improvisação, e à presença do presidente da Romênia, país vizinho ao conflito. Aliás, vale ler o trecho do discurso do romeno. A Romênia, assim como a Ucrânia e os outros países do leste europeu, livrou-se de décadas de jugo russo, e não pretende repetir a experiência. Eles sabem que a luta na Ucrânia é de vida e morte não somente para os ucranianos, mas para todos os países da antiga órbita soviética. Diante dessa perspectiva, esse papinho de “clube da paz” soa como um ultraje.
Aliás, ontem foi o dia do Múcio. Lula também mudou de opinião sobre os “contrabandistas” da Shein. Agora, tá liberado. Aprendemos: basta apertar um pouco, que Lula muda de opinião rapidamente. Afinal, Múcio é um homem de ideias firmes, até ser confrontado.
O chanceler russo esteve no País ontem. Em uma visita diplomática de alto nível, tanto ou mais importante do que o que dizem os interlocutores (poucas surpresas costumam vir daí), o que vale, de fato, são os gestos.
Por exemplo, Sergei Lavrov poderia ser recebido somente pelo nosso chanceler, Mauro Vieira, mas manteve reunião com o próprio presidente da República, o que dá à visita um caráter de alto nível. Curioso que não existe (pelo menos não vi) uma fotografia desse encontro. Ou Ricardo Stuckert estava de folga, ou até Lula achou que seria demais fazer propaganda desse encontro.
Mas o mais simbólico dessa visita do representante de Putin nesse giro pela América Latina é o seu roteiro. Saindo do Brasil, Lavrov seguirá para Venezuela, Nicarágua e Cuba. Desses três países, a Nicarágua votou contra e Cuba se absteve na votação da última resolução da ONU condenando a agressão russa (a Venezuela não votou por não estar em dia com suas obrigações).
Lavrov poderia passar, por exemplo, por Argentina, Chile e Colômbia, três países, como sabemos, também governados por partidos de esquerda. Lendo, no entanto, as intervenções de seus representantes na ONU durante a votação da última resolução, fica claro que o chanceler russo não teria muito o que fazer ali. Vejamos:
Argentina: “reiterando sua condenação à agressão contra a Ucrânia, urgiu Moscou a cessar imediatamente seu uso da força”.
Chile: “a agressão da Federação Russa contra a Ucrânia deve levar os Estados Membros a reafirmar seu compromisso aos princípios da Carta e da lei internacional”.
Colômbia: “rejeitou o uso da força contra a integralidade territorial ou independência política de qualquer país”.
Como sabemos, na mesma sessão, o Brasil emitiu a abjeta opinião de que ambos os lados deveriam cessar a violência sem pré-condições. Com o seu roteiro, Lavrov mostra a quem o Brasil está alinhado nessa questão.
O chanceler Mauro Vieira afirmou não concordar com a fala do porta-voz da União Europeia, dizendo-se surpreso com a interpretação sobre as falas de Lula e sobre a visita de Lavrov. “Na conversa tanto comigo quanto com o presidente, não entramos em questões de guerra, entramos em questões de paz”. Se para você isso soa a 1984 (“guerra é paz”), você está superestimando esse governo. Trata-se apenas de um anti-americanismo juvenil, que se presta a ser lobista de Putin (na feliz expressão de Rodrigo da Silva) só para marcar uma posição contra o “imperialismo”.
Lula é, sem dúvida, o presidente do diálogo. Na guerra da Ucrânia, por exemplo, ele propõe o diálogo como forma de encerrar o conflito. Pouco importa se há um agressor e um agredido na história, ou se houve trangrsssão de leis internacionais. O que vai “solucionar” o problema é colocar as partes em uma mesa de negociações “sem pré-condições”.
O padrão se repete com a invasão de uma fazenda de eucaliptos da Suzano por parte do MST. Pouco importa se existe um agressor e um agredido, se houve transgressão de leis. O que vai “solucionar” o conflito é colocar as partes em uma mesa de negociações ”sem pré-condições”.
Esse modus operandi, digamos, construtivo, poderia ser adotado em outras situações de “conflito”. Por exemplo, em um assalto, a polícia deveria servir como mediadora, promovendo o diálogo entre as partes, “sem pré-condições”. E assim por diante, todos os “conflitos” seriam resolvidos na base do “diálogo”. Quem seria contra essa abordagem de “paz”?
A Suzano, assim como a Ucrânia, não aceita qualquer diálogo antes que suas terras sejam devolvidas. Lula certamente acha que intransigências desse tipo são obstáculos para uma resolução pacífica dos conflitos. Da próxima vez em que você for assaltado, não seja intransigente: sente-se à mesa com o assaltante e com um árbitro acima de qualquer suspeita, como um petista, por exemplo. E o mais importante: sem pré-condições.
Terminei de ler um livro que ganhei de presente de aniversário: “The Man Without a Face: The Unlikely Rise of Vladimir Putin”, da jornalista russa Masha Gessen.
A foto abaixo é da última página, um posfácio escrito após a primeira edição.
Ela começa se referindo a um discurso de Barack Obama na NATO, em março de 2014, após a invasão da Crimeia. Obama afirmara que não acreditava em uma nova guerra fria, porque Putin não liderava um grupo de nações e tampouco representava uma corrente ideológica.
Masha afirma que Obama estava enganado. Putin se achava liderando uma missão civilizacional contra o decadente Ocidente. Tratava-se sim de uma guerra também ideológica.
Agora, atenção: esse posfácio foi escrito em abril de 2014. Ela afirma que Putin iria ter ainda muitas vitórias e causar muitas baixas antes que os líderes ocidentais percebessem o risco da transformação de Putin de um burocrata em um líder de uma cruzada pelos valores anti-ocidentais. Premonitório.
Não é à toa que Putin, quando aparece em público, é para falar dos valores conservadores. É esta cola que dá a liga a tudo o que a Rússia vem fazendo. A Ucrânia foi invadida porque ameaçou entrar definitivamente na órbita ocidental. E não estamos falando somente da OTAN, mas da União Europeia. A questão é: qual a fronteira final dessa guerra?
A máquina de propaganda do PT está a todo vapor, com a prestimosa ajuda de jornalistas dispostos a servir de assessoria de imprensa, ao invés de apurar os fatos.
Hoje, duas páginas do Estadão movem para frente a história de que o Brasil de Lula está se tornando um ator relevante no cenário diplomático global. Na primeira, uma notinha diz que o Brasil fez duas contribuições relevantes para a resolução da ONU que condena, pela enésima vez, a invasão da Ucrânia pela Rússia. A primeira teria sido a inclusão de um pedido de que “os dois lados cessem ações hostis” (mais à frente comento o absurdo dessa proposta). A segunda seria a inclusão da “necessidade de esforços diplomáticos para alcançar a paz”.
Na segunda página, Eliane Cantanhêde afirma que tanto a Rússia quanto a Ucrânia mandaram “leves sinais” de que estariam aceitando as propostas de Lula. No caso da Rússia, o vice-ministro das relações exteriores “agradeceu ao Brasil por não enviar munições à Ucrânia e afirmou que Putin estuda a proposta de paz de Lula”.
Dá vontade de gargalhar, não fosse algo trágico. Essa posição da Rússia é muito clara sobre a quem interessa a posição do governo brasileiro. Em seguida, Cantanhêde afirma que o “cessar-fogo imediato” foi um elemento da resolução pedido pela própria Ucrânia, em linha com o que Lula defende, e que isso seria um sinal de aceitação da mediação do presidente brasileiro. Veremos que a informação está factualmente incorreta, mas mesmo que estivesse certa, ligar isso com Lula é muita vontade de babar ovo.
Vamos por partes. Em primeiro lugar, fui às fontes, como os jornalistas deveriam ter feito. A ONU publica não somente as resoluções, como também os debates que deram origem às resoluções. No caso da última resolução, foram dois dias de debates, na quarta (22) e quinta (23). Fui dar uma busca nas atas desses debates (aqui e aqui) pelas intervenções do Brasil. No primeiro dia não há nenhuma. A intervenção no 2o dia foi a seguinte:
“O representante do Brasil disse que sua delegação votará a favor da resolução, pois a Assembleia Geral deve respeitar os princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas e do direito internacional. Enfatizando que o elemento mais importante do texto é o apelo à comunidade internacional para redobrar os esforços para alcançar uma paz justa e duradoura na Ucrânia, ele disse que seu país considera o pedido de cessação das hostilidades no parágrafo dispositivo 5 um apelo a ambos os lados para deter a violência sem pré-condições“.
Estão aí os dois elementos levantados pelos jornalistas: esforços diplomáticos e cessar-fogo. O problema é que nem um e nem o outro ponto são o que os jornalistas dizem ser, os pontos devem ter sido soprados pelo governo. Vejamos.
No caso dos esforços diplomáticos, este é um ponto que já tinha sido mencionado, por exemplo, na resolução votada em outubro do ano passado. Em seu parágrafo 7, podemos ler, entre outras coisas: “… uma resolução pacífica do conflito através diálogo político, negociação, mediação e outros meios pacíficos, …”. Então, os tais “esforços diplomáticos” não foram uma ideia do Genial Guia dos Povos, mas algo que faz parte da própria natureza da ONU. Isso é tão óbvio que dá até vergonha de ter que explicar.
Mas é no segundo ponto que se encontra o ponto chave da posição brasileira. A intervenção brasileira nos debates fala de “deter a violência sem pré-condições”. Este “sem pré-condições” não está na resolução. Podemos ler no tal parágrafo 5:
“Reitera a sua exigência de que a Federação Russa retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia, segundo suas fronteiras reconhecidas internacionalmente, e apela à cessação das hostilidades“.
Note 1) toda a frase anterior ao pedido de fim das hostilidades, que claramente coloca a responsabilidade sobre a Rússia em relação a este movimento e 2) a ausência do “sem pré-condições” pedido pela delegação brasileira nos debates.
Ou seja, a resolução nem mostrou uma novidade em relação aos esforços diplomáticos e nem acolheu a sugestão brasileira de um cessar-fogo incondicional. E, obviamente, não foi a Ucrânia que pediu a inclusão dessa última cláusula, como sugere Cantanhêde, basta ler a intervenção da Ucrânia nos debates. Portanto, a festinha dos jornalistas em torno da diplomacia de Lula parece mais um trabalho de assessoria de imprensa do que jornalismo.
Até aqui, uma crítica ao jornalismo. A partir daqui, uma crítica (ou um lamento) sobre a posição brasileira em relação ao conflito.
A delegação brasileira pede um “cessar-fogo sem pré-condições”. Procurei, nas atas dos debates, os países que pediram um cessar-fogo ou o fim das hostilidades. Além do Brasil, Peru, Tunísia, Costa Rica, México e China pediram um cessar-fogo. Mas o Brasil foi o único que pediu um cessar-fogo a ambos os lados sem pré-condições. Desculpem-me a crueza, mas às vezes uma imagem xucra transmite melhor a mensagem: o pedido do Brasil é equivalente a pedir para que estuprador e estuprada parem de se machucar mutuamente sem pré-condições, ou seja, o estuprador pode manter o pênis dentro da vagina da estuprada, desde que parem de brigar. É ultrajante.
Encerro com a posição do Japão nos debates, um exemplo de como uma nação civilizada deveria se posicionar sobre este conflito:
“HAYASHI YOSHIMASA, Ministro das Relações Exteriores do Japão, enfatizou que o projeto de resolução é sobre a paz. A paz deve ser baseada em princípios, apontou, acrescentando que, embora as hostilidades devam cessar imediatamente, isso não produziria necessariamente uma paz abrangente, justa e duradoura. “E se um membro permanente do Conselho de Segurança lançasse uma agressão contra sua pátria, tomasse seu território e então cessasse as hostilidades, pedindo paz?” ele perguntou, chamando tal paz de injusta. Seria uma vitória para o agressor se tais ações fossem toleradas e abririam um terrível precedente para o resto do planeta, disse ele, acrescentando que o mundo voltaria à selva, seja em terra ou no mar. Conclamando a Federação Russa a retirar suas tropas imediata e incondicionalmente da Ucrânia, ele observou que a Assembleia Geral exigiu isso, assim como o Secretário-Geral e a Corte Internacional de Justiça. Infelizmente, acrescentou, “a Rússia aparentemente não se importa com as resoluções da Assembleia Geral e as ordens da Corte Internacional de Justiça, como se fossem apenas pedaços de papel inútil”, disse ele, destacando também seu abuso do poder de veto e sua retórica irresponsável como um Estado com armas nucleares.“
A professora chega na sala de aula do 9o ano para mais uma aula de Português. Propõe o seguinte tema para a turma:
– Façam uma pequena redação, um parágrafo, sobre a guerra na Ucrânia.
Depois de uma hora de laborioso esforço, Joãozinho entrega a sua redação:
“Precisamos começar um grupo de países que se organiza pela paz. Alguém tem que falar para o Putin e o Zelensky para pararem a guerra. Acho que o Biden tem a clareza que a guerra tem que parar”.
A professora, muito orgulhosa do seu pupilo, elogia a redação:
– Muito bom Joãozinho, sua redação respeita os Direitos Humanos. Guerra é uma coisa muito feia.
Não, essa história não aconteceu, é uma ficção. Mas a redação de Ensino Fundamental é verdadeira.
Thomas Friedman usa sua pena para lamentar os impactos da guerra da Ucrânia no meio ambiente e na luta contra o aquecimento global. Uns 80% do artigo são gastos louvando “os povos originários”, que estariam ali para “defender as florestas virgens”, e de como a guerra está ameaçando esses povos e florestas ao pressionar os preços de commodities agrícolas, o que estaria aumentando a pressão pelo uso dessas terras.
Nem vou entrar nos vários detalhes pitorescos do artigo (haveria muitos, como normalmente acontece com quem tem uma visão romântica da atividade econômica), mas um ponto me chamou especialmente a atenção. Está já nos finalmentes do artigo, como que um anexo, pois não tem nada a ver com “florestas tropicais” e “povos originários”. A questão é a seguinte: Rússia, Belarus e Ucrânia abasteciam 25% da madeira consumida como combustível até o ano passado. Por causa da guerra, outros países estão tendo que queimar suas próprias “florestas protegidas” no lugar.
Eu diria que preocupante não é o “relaxamento de leis ambientais” para permitir a exploração de madeira. O preocupante é a falta de uma mísera frase nesse artigo que lembrasse o PORQUÊ se queima madeira. Friedman, em seu confortável gabinete com calefação no inverno e ar-condicionado no verão, não liga lé com cré. Enquanto são madeiras exploradas na Rússia, Belarus e Ucrânia, tudo certo. Mas algumas árvores são mais iguais do que outras, então é preciso que a guerra acabe para proteger as árvores mais iguais, pois eu mesmo não vou consumir um kWh sequer a menos para diminuir meu conforto.
Estou sendo repetitivo, eu sei. Mas artigos desse tipo se sucedem, então não resta outra alternativa. Formadores de opinião de países ricos estão muito preocupados com o meio ambiente, mas não estão dispostos a abrir mão de seu conforto pela causa. Como diria Adam Smith, enquanto houver demanda haverá oferta. E a demanda por conforto não tem limites. Enquanto não ficar claro para todos que proteger o meio ambiente como os índios supostamente o protegem significa viver como os índios, vamos continuar com esses artigos bem-intencionados que só apontam culpados. Friedman faria bem em se mudar para uma aldeia isolada para entender o que é viver sem as benesses da civilização que agride o meio ambiente.
Depois de 7 meses de guerra, com seu exército perdendo territórios e tendo que mobilizar reservistas, Putin decidiu trucar a Ucrânia e a aliança ocidental que a apoia, anexando politicamente territórios ucranianos. A ameaça de Putin é de que, sendo estes territórios agora russos, qualquer tentativa da Ucrânia de retomá-los significaria uma agressão ao próprio território russo, o que autorizaria o Kremlin a usar “armas nucleares táticas” no confronto.
Pode-se dar o adjetivo que se queira, “tático”, “estratégico” ou “arrasa quarteirão”, o fato é que o uso de armas nucleares mudaria a guerra de patamar. Por outro lado, sem o seu uso, a anexação significa zero: a Ucrânia continuará lutando pela reconquista desses territórios como se nada tivesse acontecido. Portanto, a anexação somente faz sentido se for para escalar a guerra.
No entanto, essa anexação mostra que a mão de Putin é fraca, para continuar na linguagem do truco. Gritou truco sabendo que o adversário tem uma mão mais forte, mas na confiança de que não terá culhões para utilizá-la. Essa mão chama-se “admissão da Ucrânia na OTAN”. Uma vez que uma arma nuclear seja detonada em território ucraniano, este é o próximo movimento óbvio da aliança ocidental, de modo que a Rússia estaria às voltas com uma guerra direta contra os Estados Unidos e seus aliados europeus.
Dentre os possíveis desdobramentos do uso de uma arma nuclear, Putin certamente está contemplando essa hipótese. As outras duas são os EUA fazerem cara de paisagem e continuarem a dar o mesmo apoio de sempre à Ucrânia como se nada tivesse acontecido, ou forçar a Ucrânia a celebrar um acordo de paz nos termos russos. Qualquer dessas duas hipóteses significaria dizer que o uso de ”armas nucleares táticas” é admissível para atingir objetivos geopolíticos. Já vejo Xi Jiping esfregando as mãos, mas não só ele. Como essa admissão parece impensável, creio que a hipótese do ingresso da Ucrânia na OTAN é a mais plausível.
O problema é que Putin pode até ter a mesma avaliação, mas está acuado com uma mão fraca. E, ao contrário do truco, não terá a possibilidade de jogar outra mão. Por enquanto, a anexação é só um grito de truco. Se a Ucrânia continuar a lutar pelos seus territórios anexados, terá gritado um “seis”. Putin decidirá então se prefere correr do jogo ou gritar um “nove” desesperado, usando armas nucleares. Caberá então à aliança ocidental decidir se corre ou grita um “doze”, admitindo a Ucrânia na OTAN e lutando diretamente contra a Rússia, o que seria certamente o fim de Putin. Neste caso, o máximo que poderemos fazer é rezar para que não seja também o fim do mundo.