Ministro fake

Fernando Haddad, em sua primeiríssima fala como futuro ministro da Fazenda, já mostrou a que veio: chamou de “fake news” a fama de “gastador” que teria. Como “prova”, vem dizendo que foi o primeiro prefeito a obter grau de investimento no Brasil.

A agência de checagem Gutercheck, aquela que mergulha fundo debaixo da superfície dos fatos, foi checar a informação.

Para começar, vamos aos fatos, aqueles que as agências comuns normalmente checam. Não, Fernando Haddad não foi o primeiro prefeito a conseguir grau de investimento. A cidade do Rio de Janeiro já contava com grau de investimento desde, pelo menos, 2014, quando Haddad conquistou o seu grau de investimento, em novembro de 2015. Portanto, essa afirmação do ex-prefeito não passaria pelo crivo nem das agências que se atém à superfície dos fatos.

Mas este está longe de ser o principal problema da fala do futuro ministro. Muito longe. Temos aqui, para não variar, uma mistura de mistificação com desonestidade intelectual. Vejamos.

O município de São Paulo obteve o seu rating da agência Fitch em novembro de 2015. Naquele momento, o rating soberano do Brasil pela mesma agência era BBB-, rebaixado de BBB no mês anterior, mas, ainda assim, grau de investimento. O rating atribuído à cidade de São Paulo, assim como ao município do Rio de Janeiro, foi exatamente igual ao rating soberano, BBB-, grau de investimento. À época, este era o rating também dos estados de São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Ou seja, o rating desses entes subnacionais era (e sempre foram) o mesmo do Brasil. Isso acontece porque, no final do dia, os entes subnacionais “não quebram”, são sempre ajudados pela União. Portanto, não há mérito algum, por parte do prefeito, no fato de a cidade de São Paulo ter recebido “grau de investimento”.

Em dezembro de 2015, apenas um mês depois de ter “recebido” o investment grade, a cidade de São Paulo foi rebaixada para BB+ (grau especulativo), juntamente com o rating soberano brasileiro. Seria interessante confrontar o futuro ministro com esse fato. Não foi culpa dele, assim como não havia sido mérito dele anteriormente. Mas, para manter a coerência do discurso, Haddad precisaria explicar esse rebaixamento…

Fernando Haddad pode ter e reivindicar o perfil que quiser. O seu perfil importa tanto quanto o meu. O fato é que faz parte de um futuro governo que está procurando garantir R$ 200 bilhões além teto de gastos para gastar nos próximos dois anos, no mínimo. O “perfil gastador” é de Lula, que, nas palavras do próprio, será o verdadeiro responsável pela política econômica. Haddad será um fantoche obediente, pronto a chamar o azul de amarelo se for preciso para justificar as decisões do chefe. Usando seus próprios termos, Fernando Haddad será um ministro fake.

O brasileiro fake

As agências de checagem já checaram: o autor do atentado nasceu no Brasil. Portanto, segundo as leis nacionais, é brasileiro.

Mas a Gutercheck também fez a sua checagem, buscando o sentido político das informações, e não a sua checagem literal e burra. Segundo a Gutercheck, o uso da palavra “brasileiro” para descrever o rapaz é inadequado e está prenhe de segundas intenções.

Imagine, por um momento, que o rapaz fosse negro. A manchete jamais seria “negro tenta matar a vice-presidente da Argentina”, apesar de a informação estar correta, segundo as agências de fact checking. O uso da palavra “negro”, ao chamar a atenção para uma característica secundária do criminoso, teria, obviamente, uma conotação política negativa.

Voltemos ao uso da palavra “brasileiro” para designar um cidadão que tem zero laços com o Brasil, a não ser a sua certidão de nascimento. É óbvia a conotação política do uso de uma característica secundária do criminoso: uma suposta violência política brasileira já estaria se espraiando por outros países da América Latina, em uma espécie de Internacional Fascista. ”Achar munição” na casa do brasileiro orna com o perfil. Só falta encontrarem posters de Hitler no quarto do rapaz.

Lembro das manifestações “pacíficas” lideradas pela esquerda, mas que acabavam em quebra-quebra. Os black-blocs, responsáveis pela violência, não tinham relação com os manifestantes. As reportagens os chamavam de “black blocs”, não de manifestantes. Hoje, pelo contrário, todos os brasileiros que não gostam da esquerda e, eventualmente, têm munição em casa, são potenciais assassinos, capazes da mais extrema violência política. Essa é a narrativa.

Checando as agências de checagem

Amigos, estou inaugurando hoje a Gutercheck, a agência de verificação das agências de verificação. Aqui você terá a leitura correta da mensagem dos candidatos, substituindo as interpretações robóticas e literais das agências por uma interpretação política. Porque acredito que a política não pode ser substituída por algoritmos.

Começamos hoje com o Estadão Verifica, que checou as informações citadas por Tarcísio de Freitas em sua sabatina no jornal.

Tarcísio: “o Brasil é o único país do mundo que cresce com deflação”

Estadão Verifica: “apesar de ter deflação em um mês, no ano temos inflação”

Gutercheck: o candidato estressou a inflação de curto prazo em seu discurso. Qualquer brasileiro sabe que temos inflação, não deflação, para isso não precisamos de agência de checagem. Ou a agência queria que o candidato do governo afirmasse que temos uma inflação de 12 meses muito alta? Para isso já temos seus adversários.

Tarcísio: “temos o melhor resultado do emprego em mais de 10 anos”

Estadão Verifica: ”em dezembro de 2014 tivemos desemprego de 4,3%, bem menor que os 9% projetados pelo candidato”

Gutercheck: em primeiro lugar, de acordo com a PNAD do IBGE, o desemprego foi de 6,6% em dezembro de 14, então nem acertar o número eles acertam. Ainda assim, menor que os 9% do candidato. Mas o ponto principal é que o candidato quis estressar que fazia muito tempo que não tínhamos um desemprego tão baixo, o que é verdade. A última vez que tivemos desemprego de um dígito foi em dezembro de 2015, ou seja há vários anos. O discurso do candidato quis enfatizar esse tempo, e usou “mais de 10 anos” como uma forma de fazê-lo. Lembremos que ele não é um professor dando aula, ele é um político procurando passar uma mensagem.

Tarcísio: “o governo Bolsonaro gerou 4,7 milhões de empregos de 2020 para cá”

Estadão Verifica: “o número correto é 3,9 milhões de empregos”

Gutercheck: na ponta do lápis, nem um nem outro estão corretos. Pra começar, “desde 2020” é uma expressão ambígua. Se considerarmos os anos de 2021 e 2022 (até junho) são 4,2 milhões de vagas. Se considerarmos o ano de 2020 na conta, são 4,4 milhões. Se considerarmos desde julho de 2020, quando a economia começou a se recuperar do pior da pandemia (que acho que é a mensagem que o candidato queria passar), são 5,6 milhões de empregos. Mas todas essas contas são bobagem. A mensagem política é que o governo Bolsonaro criou “milhões” de empregos desde a pandemia. Se foram 3,9, 4,7 ou 5,6 milhões, é irrelevante para o discurso político. A exatidão do número só importa para gente que tem na picuinha a sua razão de viver.

É isso por hoje. Até a próxima edição.