Perdendo a virgindade

Todos conhecem a piada do namorado que, tentando convencer a namorada virgem a transar, a tranquiliza dizendo algo que não vou repetir aqui para não ferir suscetibilidades.

Quando o ministro da Fazenda, que é, em tese, o guardião da disciplina fiscal, usa o mesmo artifício do namorado, sabemos que a virgindade foi para o espaço. No caso, o teto de gastos, para todos os efeitos, não existe mais.

Lula está esfregando as mãos. Com sua capa de defensor dos pobres, exige que o auxílio seja de R$600.

Por que não? Afinal, como sabe qualquer casal de namorados, uma vez iniciado o ato, é impossível qualquer tipo de controle. Por que só R$ 30 bilhões? Por que não 60 ou 100 ou 200? Afinal, os pobres estão precisando, e não podemos nos tornar escravos do mercado, como afirmou o sábio Mourão.

O Congresso já está falando de um auxílio de R$500, e para chegar nos R$600 de Lula é um pulinho. Lula não se importa com os eventuais ganhos eleitorais de Bolsonaro porque é reconhecido como o pai do programa, desde sempre vilipendiado por Bolsonaro. Além disso, a deterioração das condições macroeconômicas, com o aumento dos juros, dólar e inflação, pode significar uma perda líquida de popularidade para o presidente no final do dia.

Há um suposto embate ideológico encomendado para o ano que vem, com candidatos de esquerda e de direita polarizando as eleições. Nada mais falso. O inimigo do Brasil não é o comunismo ou o capitalismo. O verdadeiro inimigo do Brasil é o populismo, terreno em que a esquerda e a direita tupiniquim se encontram festivamente.

Meu sobrenome é bananinha

Mourão disse tudo.

Claro que sua frase não pode ser retirada do contexto. Ele estava tentando dizer que Eduardo Bolsonaro tem o direito de dizer o que bem entender por ser deputado, e seu posicionamento não tem nada a ver com o posicionamento do governo brasileiro.

Mas não é bem assim.

O 03, para o bem e para mal, carrega o sobrenome do presidente da República. E não é um filho qualquer de uma família qualquer. É público e notório que temos uma filhocracia vigente no Brasil, onde o pai governa junto com seus filhos. E, no caso de Eduardo, a coisa é anda por: ficamos meses discutindo a ideia de Jair de colocá-lo na embaixada mais importante disponível. Imagine o embaixador do Brasil em Washington tuitando um troço desses.

O próprio Eduardo tentou amenizar a coisa, dizendo que não teve intenção de ofender o povo chinês. Ocorre que, na China, o Partido Comunista Chinês é o único representante do povo, é a encarnação do povo. Um ataque ao PCC é considerado um ataque ao povo chinês. Sei que parece estranho, mas não devia ser assim tão difícil de entender. Afinal, qualquer ataque ao governo Bolsonaro é visto pelo presidente, pela sua família e pelos bolsonaristas em geral como um ataque ao Brasil e ao povo brasileiro. O mesmo acontece por lá.

Não, o 03 não se chama Eduardo Bananinha. Seu sobrenome e sua posição têm um peso, assim como tem um peso todos os atos do presidente da República (já falamos sobre isso aqui ontem). Eles não têm espaço para serem inconsequentes. Podem até sê-lo mas, como diria o Conselheiro Acácio, as consequências vêm depois.

Eduardo precisa decidir se quer ser um Bolsonaro ou um Bananinha.

PS.: Não vou entrar aqui no mérito de se o que o 03 escreveu tem razão ou não. Até acho que tem, o PCC deve ter escondido a coisa até o último momento. Mas não é disso que se trata. O que ganhamos enfiando o dedo na fuça de nosso principal parceiro comercial? Qual o objetivo? Lacrar não é exatamente uma forma sábia de conduzir relações exteriores.

Cadê os americanos?

Lembro, no início da era dos telefones celulares na década de 90, do surgimento de uma empresa finlandesa revolucionária, que em pouco tempo dominou a indústria com seus produtos inovadores: a Nokia.

Passou o tempo (pouco tempo), e os celulares viraram commodities. A Nokia foi comida por baixo pelos coreanos (e depois pelos chineses) e por cima pela Apple. Dez anos após o seu auge, a Nokia havia desaparecido.

Sim, a tecnologia do 5G é detida por empresas chinesas e finlandesas. Cadê a empresa americana?

Eu respondo para o general Mourão: a empresa americana que vai dominar o próximo ciclo tecnológico ainda não surgiu. Está morando anonimamente em algum dormitório de uma grande universidade americana.

Estelionato eleitoral

Pra discutir a privatização das estatais com os funcionários pendurados em suas folhas de pagamento, teria sido melhor eleger o Haddad. Pelo menos não haveria esse gosto de estelionato eleitoral.

Mourão pop star

Acho que o Mourão já foi mais entrevistado em dois meses de governo do que Marco Maciel, José Alencar e Michel Temer nos três governos anteriores juntos.

A verdade ultrassecreta vos libertará

Segundo Mourão e vários outros próceres do governo, o decreto que permite que assessores de 1o escalão decretem dados como ultrassecretos serviria para eliminar a burocracia.

No entanto, ainda segundo Mourão, dados ultrassecretos seriam “raríssimos”. Ora, se é assim, onde está a burocracia? Um fast track do processo só se justificaria se houvesse um grande fluxo. Com o novo decreto haverá?

Além do mais, é curioso que a bem-vinda cruzada pela desburocratização tenha começado por algo que não tenha nada a ver com as agruras do cidadão no seu dia-a-dia. Na verdade, esse é o tipo de burocracia do bem, que torna o governo mais transparente.

Diz o Ministro da Transparência (!), em outro ponto da reportagem, que o acesso continua o mesmo, pode-se entrar com um recurso para se levantar o sigilo, como já acontece hoje. Ora, como serão mais dados sigilosos, vai na verdade aumentar a burocracia de quem quiser ter acesso aos dados. Falar em “desburocratização”, neste caso, é de uma cara-de-pau sem limites. Que seja o Ministro da Transparência a defender a limitação da transparência é coisa digna da George Orwell.

Além disso, não consigo pensar em nenhum dado governamental que devesse ficar sob sigilo por 25 anos, a não ser aqueles que potencialmente envolvam segurança nacional e governos estrangeiros. Que tanto “dado ultrassecreto” existe que demande um decreto desse tipo? Empresas mantém seus “segredos industriais” guardados a sete chaves, para defenderem-se da concorrência. O Brasil, no entanto, não é uma empresa competindo no mercado. A que tipo de segredo o governo não quer que seus cidadãos tenham acesso?

Bolsonaro elegeu-se com o versículo João 8,23: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Talvez tenhamos que adapta-lo aos novos tempos: “conhecereis a verdade, desde que não seja ultrassecreta, e a verdade vos libertará”.

Sentar para negociar com quem?

De maneira geral, boa entrevista do Mourão hoje no Valor. Diagnóstico correto sobre o que impede o crescimento do PIB. Mas quando desce aos detalhes…

Mourão ainda vive na década de 80 quando fala da dívida pública. Como se o governo devesse pra meia dúzia de bancos e fosse possível sentar em uma mesa e renegociar a divida…

A dívida pública está nas mãos dos investidores em geral, através principalmente de fundos de investimento e fundos de pensão. Os administradores profissionais desses fundos, no final do dia, fazem o que os donos do dinheiro querem. E o que queremos? Rentabilidade com segurança.

O Brasil paga muito juros porque os juros são altos e a dívida é gigante. As duas coisas estão interligadas: se a dívida fosse menor, os credores teriam mais confiança e cobrariam juros menores. Além disso, quanto menos dívida no mercado, mais sobra dinheiro, diminuindo a pressão sobre os juros. Uma questão de oferta e demanda.

Não tem isso de “negociação”. O que existe é o mercado de dívida. Se o governo fizer a lição de casa, os juros exigidos pelos credores (repito, todos os que temos investimentos no mercado) será menor. Isso se dará de maneira natural. Isso de “sentar pra negociar” é uma rematada bobagem. Ainda bem que Mourão, ao que parece até o momento, será uma figura decorativa no novo governo.

Não é o 13o salário que vai acabar, é o salário

Quando o general Mourão disse que o 13o é uma jabuticaba brasileira o mundo caiu em cima. A ideia era que seria muito mais racional dividir o salário anual em 12 partes e não em 13, dado que há 12 meses e não 13 no calendário. Mas o que ficou foi que Mourão queria pura e simplesmente eliminar o 13o, diminuindo o salário anual total.

A situação nos estados mostra que, na prática, tanto faz. Quando não há dinheiro, o funcionário pode ter direito a 13o, 14o ou 15o salário. Tudo de fachada, porque o que importa, que é dindin no bolso, não tem.

O Rio Grande do Sul, inclusive, adotou a proposta de Mourão: dividiu o 13o em 12 parcelas e, na prática, acabou com o 13o da forma usual. (Na verdade, não era bem essa a proposta. Mourão nunca sugeriu ATRASAR o 13o, se algo fosse feito, o 13o deveria ser ADIANTADO durante o ano de sua vigência).

Eu já disse isso aqui e repito: se um ajuste fiscal sério não for feito pelo lado das despesas, é questão de tempo para que outros entes da federação e a própria União comecem a atrasar o salário do funcionalismo. No caso da União, há sempre a saída inflacionária. Aí, quem paga o pato é a sociedade como um todo.

O preconceito do bem e o preconceito do mal

Houve (mais) um frisson, por parte do Brasil bem-pensante, com as declarações de Mourão.

Desta vez, o vice dEle ousou ligar a pobreza ao narcotráfico.

Bem, Mourão não inovou na área. “Especialistas”, intelectuais e imprensa vêm, há anos, ligando a pobreza ao crime, ao afirmar que o problema da marginalidade está na falta de educação e de oportunidades aos jovens. Ora, quem não tem educação e oportunidades? Os ricos é que não são, não é mesmo?

Mourão está sendo taxado de preconceituoso ao dizer exatamente a mesma coisa. Ora, por que? Simples: Mourão não pertence à Igreja da esquerda. Então, tudo o que ele diz é preconceituoso, simples assim.

Mais de uma vez escrevi aqui que essa visão embute um preconceito atroz. A grandessíssima maioria dos mais pobres é honesta, enquanto há muito rico sem-vergonha por aí. A fala de Mourão, portanto, é preconceituosa sim, assim como a visão classista da esquerda.

Mas há um detalhe interessante, e que talvez seja a origem do mal-estar com a fala de Mourão por parte dos bem-pensantes.

Mourão não culpa apenas a pobreza. Culpa também as famílias desestruturadas pela violência.

Para a esquerda, não existem famílias desestruturadas. Existem apenas “estruturas familiares alternativas”. Então, quando Mourão diz que uma criança que cresce sem o pai tem maior propensão ao crime, o escândalo está instalado.

Não sou antropólogo para dar palpite nessa seara. Mas parece-me (só parece-me) que a família faz parte sim da natureza humana. Ao contrário da riqueza ou da pobreza, que são circunstâncias externas, o núcleo familiar não é dispensável na formação do caráter de uma pessoa. Para o bem ou para o mal. Então, parece-me que Mourão tocou em um ponto relevante.

Tendo dito isso, não conheço estudos científicos que comprovem a causalidade entre famílias sem pai e crime. Não estou dizendo que não existam, estou apenas confessando minha ignorância. Talvez Mourão tenha acesso a pesquisas desse tipo. Senão, é mais um chute com base no “bom-senso”. O mesmo que guia os preconceitos das esquerdas.