No dia 29/03 do ano passado, fiz uma análise do estudo do Imperial College London, que previa até 1 milhão de mortes no Brasil pela Covid-19 se nenhuma medida de distanciamento social fosse adotada.
Na época, os números foram considerados muito alarmistas. O Brasil, naquele dia, havia acumulado apenas 137 óbitos.
O estudo previa alguns cenários de mitigação. O segundo cenário mais otimista, o de supressão tardia, previa 206 mil óbitos, número que atingimos no último dia 13/01.
Como enfatizo no post, tratava-se de um modelo matemático que utilizava certas premissas. Várias destas podem não ter se confirmado, como por exemplo, o coeficiente de transmissão. De qualquer modo, não deixa de ser interessante observar como números que pareciam exagerados na época são, 10 meses depois, vistos como possíveis. A matemática é cruel.
Samy Dana e outros quatro autores publicaram um estudo de fôlego, em que simulam o número de mortes no Brasil pelo Covid-19.
A apresentação começa dizendo que as simulações feitas até o momento erraram em “várias ordens de grandeza” o número esperado de mortes. Bem, várias ordens de grandeza significa, pelo menos, em 100 vezes (duas ordens de grandeza). Fiquei curioso para conhecer os resultados.
Depois de descrever o modelo de maneira bem detalhada, a apresentação chega nos resultados: no Brasil, teríamos entre 23 mil e 93 mil mortes, com a mediana das expectativas em 38 mil mortes. Isso, mantendo as condições atuais de isolamento social, como os autores fazem questão de lembrar em todos os slides.
Muito bem. Fui revisitar o estudo do Imperial College, aquele que fez o Reino Unido sair correndo para fazer o isolamento, e que foi taxado de sensacionalista por meio mundo. Aliás, a simulação de Dana et al utiliza o modelo do Imperial College para modelar o número de pessoas infectadas no tempo.
Para o Brasil, o estudo do Imperial College estimou 44 mil mortes para o cenário de isolamento precoce e 206 mil mortes para o cenário de isolamento tardio. Bem, para começo de conversa, não se trata de um erro de “várias ordens de grandeza”. Parece-me que o Brasil adotou um isolamento mais precoce do que tardio, de modo que o número de 38 mil de Dana et al se compara mais com os 44 mil do Imperial College. Mas mesmo que fosse com os 206 mil, trata-se de um erro de menos de 10 vezes, e não de 100 vezes. Além disso, o estudo inglês é de 26/03 e, portanto, foi feito com dados menos precisos sobre o Brasil do que temos hoje.
Ocorre que o que causou furor no estudo do Imperial College foi o cenário SEM QUALQUER ISOLAMENTO SOCIAL, que previa, para o Brasil, mais de um milhão de mortes. Infelizmente, Dana et al não publicaram a sua previsão para a hipótese de não isolamento social, de modo que não podemos fazer comparações neste caso.
Em resumo: mais um estudo que corrobora a simulação feita pelo Imperial College, e a importância do isolamento social para controlar os efeitos da epidemia.
Alguns dias atrás, comentei trabalho do Imperial College de Londres, que vem embasando a resposta ao coronavírus mundo afora. Segundo as simulações do ICL, a província de Hubei, que tem a mesma população da Itália, deveria ter tido 15 mil mortes pelo vírus se adotasse a política de supressão precoce, a mais draconiana. A China reportou 3 mil.
Minha hipótese é de que, ou eles tinham adotado medidas ainda mais duras de contenção, ou os números estavam subestimados. Bem, começa a surgir a verdade.
Tem sido muito citado o estudo do Imperial College London (ICL) para cenários de propagação do Covid-19, inclusive no Brasil. O Reino Unido, por exemplo, mudou a sua tática de combate, de mitigação para supressão, depois deste estudo. Resolvi estudar um pouco o assunto.
O estudo nada mais faz do que variar o grau de “distanciamento social”. Os vários cenários nada mais são do que variações desse distanciamento. o ICL desenha basicamente 5 cenários:
1) Não fazer nada (distanciamento social zero)
2) Mitigação: diminuir os contatos sociais em cerca de 40% para a população como um todo.
3) Mitigação com reforço para os idosos (seria o tal “distanciamento vertical”) : interação social dos idosos acima de 70 anos reduzida em 60%, e o restante em 40%.
4) Supressão: distanciamento social de 75% para toda a população.
O ICL divide este último cenário em dois:
4.1) supressão precoce se implementada quando há 0,2 mortes para cada 100 mil habitantes, em uma média semanal e
4.2) supressão tardia, se implementada quando há 1,6 mortes para cada 100 mil habitantes na mesma média semanal.
Por exemplo, para a Itália, os números de mortes, de acordo com esses cenários, seriam os seguintes:
1) Sem mitigação/supressão: 593 mil
2) Com mitigação: 293 mil
3) Com mitigação e reforço para os idosos: 223 mil
4.1) Com supressão tardia: 131 mil
4.2) Com supressão precoce: 15 mil
Até o momento, a Itália contabiliza 9 mil mortos. O governo decretou o país inteiro em “red zone” no dia 08/03, quando a taxa média semanal era de 0,54 mortes/100.000 habitantes. Se considerarmos esta data como a inauguração do período de supressão, teríamos um cenário intermediário entre as hipóteses 4.1 e 4.2. Fazendo uma regra de 3 simples, teríamos algo como 45 mil mortes no total na Itália. À taxa atual, de cerca de 800 mortes/dia, a marca seria atingida em cerca de 45 dias a partir de hoje. Provavelmente em menos dias, pois a velocidade está se acelerando. Esse exercício com a Itália serve só para corroborar a validade desses números.
(Desculpem-me se estou sendo macabro, sei que estou lidando com vidas, e é algo que certamente não me agrada fazer. Mas alguém precisa mostrar essas contas).
Uma forma de testar a validade do modelo é observar o que ocorreu na província de Hubei, que tem mais ou menos a mesma população da Itália. Eles adotaram o modelo de supressão no dia 20/01, mais ou menos quando a taxa semanal estava em 0,2 (supressão precoce). O modelo indicaria um total de mortes de 15 mil, mas ocorreram apenas 3 mil mortes em Hubei. Afora sonegação de dados por parte do governo, podemos pensar em um modelo mais rígido de distanciamento social, com uma redução de interações de, por exemplo, 90%. Se de 40% para 75% de redução o modelo indica uma queda de 293 mil para 15 mil, imagino que seja possível diminuir de 15 mil para 3 mil se aumentar o distanciamento de 75% para 90%. Mas, infelizmente, não tenho o modelo aqui para simular.
Agora o Brasil: de acordo com as simulações do ICL, o Brasil enfrentaria os seguintes números de mortes de acordo com cada um desses cenários:
1) Sem mitigação/supressão: 1,088 milhões
2) Com mitigação: 576 mil
3) Com mitigação e reforço para idosos: 472 mil
4.1) Com supressão tardia: 206 mil
4.2) Com supressão precoce: 44 mil
Apresento 3 gráficos, mostrando a evolução da taxa média semanal de mortes/100.000 habitantes para alguns países selecionados desde a primeira morte em cada um deles.
Observe como, na província de Hubei, onde temos um ciclo completo de supressão precoce com um distanciamento draconiano, a curva cresce até 1,4 mortes/100.000 e depois decresce rapidamente, atingindo um patamar tolerável depois de 45 dias após adotado o regime. No caso da Coreia, nem sequer foi atingido o índice de 0,2 mortes/100.000, de modo que eles não precisaram adotar um regime muito severo.
Observe como Alemanha e Reino Unido ultrapassaram recentemente a barreira dos 0,2 mortes/100.000. Provavelmente por isso, ambos os países começaram a adotar regras mais rígidas de distanciamento social. A Suíça aparentemente perdeu o controle, e terão problemas por lá.
Itália e Espanha são casos à parte, e tive que colocá-las em um gráfico separado. Ambos já estão com uma média semanal de quase 9 mortes/100.000 habitantes, e não parece estar se estabilizando. Provavelmente demoraram muito para implementar a supressão, e agora estão sofrendo as consequências.
Agora, o Brasil. Estamos hoje (27/03) com uma taxa semanal de apenas 0,04 mortes/100.000 habitantes. Não é muito alta, provavelmente porque estamos muito no início do ciclo. Nesta altura, estamos semelhantes à Itália e EUA. Mas já estamos tomando algumas medidas de mitigação mais duras, como fechamento do comércio, o que pode nos dar alguma vantagem em relação a estes dois países. Mas vamos descer um pouco mais no detalhe.
O terceiro gráfico mostra Brasil e EUA, e também os estados de São Paulo e Nova York, que são os epicentros da epidemia nesses dois países. Nova York fechou escolas, bares e restaurantes (como São Paulo) no dia 15/03, quando a taxa estava em meros 0,01 mortes/100.000 habitantes. Mas algo não funcionou, pois a taxa explodiu, muito mais que no resto do país.
São Paulo, por sua vez, está com uma taxa de 0,14, bem acima da média nacional, portanto. Mas ainda assim, um pouco abaixo do nível de 0,20. Ainda dá tempo de adotar a supressão precoce, portanto, e limitar o número de mortos de acordo com o melhor cenário.
Estes números calculados pela ICL são exagerados? Na verdade, são resultado de modelos matemáticos de propagação de vírus. Não se trata de rocket science, é só colocar os parâmetros e simular. Tudo depende das premissas adotas. Por exemplo, o modelo considera uma taxa de transmissão de 3 (um indivíduo infecta 3 outras pessoas) e uma taxa de mortalidade de cerca de 0,4%. Premissas diferentes irão gerar resultados diferentes. Mas, fora isso, não há muito o que discutir com a matemática.