Que tal confiscar toda a fortuna dos muito ricos?

Bolsonaro já avisou que não vai tirar dos pobres pra dar pros paupérrimos.

Muito bem. Então vamos tirar dos ricos. Está aí a lista dos brasileiros mais ricos, segundo a última edição da Forbes.

Na linha do “imposto sobre fortunas”, minha ideia é não ficar no meio termo. Vamos parar de fingir que estamos resolvendo o problema e vamos resolvê-lo de fato. Minha ideia é taxar os “brasileiros mais ricos” em 100% de sua fortuna. Confisco mesmo. Nada de soluções meia-boca, vamos partir para a ignorância.

Não se atenha a detalhes sem importância, como o fato de grande parte dessas fortunas serem representadas por ações das empresas dos quais esses brasileiros são sócios, o que significaria a venda dessas empresas supostamente para estrangeiros, pois brasileiros com bolso para comprar essas ações também seriam confiscados.Tendo feito o confisco, teríamos aproximadamente R$ 500 bilhões (faça a soma você mesmo). Com R$ 500 bilhões na mão, o que o governo poderia fazer? Eu lhe digo.

Com R$ 500 bilhões, o governo poderia pagar mais 10 meses de auxílio emergencial. Ou 1,5 mês de suas despesas totais, que somam R$4 trilhões por ano. E depois? Ah, depois vamos pra cima dos próximos 10 da lista.

Obviamente a fortuna dos próximos 10 brasileiros mais ricos soma muito menos que R$500 bilhões. Acredite, há concentração de renda no topo da pirâmide também. Talvez tivéssemos que pegar os próximos 20 ou 25 para somar R$ 500 bilhões. Daria pra pagar mais 1,5 mês de despesas. E depois?Pois é, dá pra perceber que logo chegaríamos nos milionários, o que inclui boa parte da classe média, pequenos empresários, profissionais liberais, executivos de empresas e funcionários públicos de alta patente. Se você tem um apartamento quitado em um bairro de classe média, você já é um milionário, taokey?

Ok, confisco foi só uma forma de estressar o argumento. Mesmo com 100% de imposto sobre fortunas, estaríamos longe, muito longe, de resolver os problemas do país. Sem contar que, ao taxar fortunas de empresários, provavelmente se estará inibindo a formação de novas empresas no país. Mas isso é discussão para outro post.

O ponto é que o número de muito ricos é proporcionalmente baixo. Para fazer face a despesas de R$4 trilhões por ano, o governo precisa ir pra cima dos pobres e remediados. E aí é que está a perversidade da coisa: o governo está continuamente tirando dos pobres para dar para os paupérrimos, não sem antes separar a sua parte. Só que este imposto é camuflado, ninguém vê, está embutido nas mercadorias compradas pelos mais pobres. Na verdade, a coisa é ainda mais perversa, pois existem vários mecanismos de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, mas isso também é assunto para outro post.

Falar em imposto sobre fortunas é uma forma de fugir do problema. O ponto é que o governo gasta R$4 trilhões por ano, e todo mundo sabe o que acontece quando precisa de um serviço público. Não há imposto sobre fortunas que dê jeito nisso. Continuaremos a tirar dos pobres para dar para os paupérrimos, para desgosto do presidente.

O encontro de dois luminares

Luciano Huck entrevista o economista francês Thomas Piketti, hoje, no Estadão.

Quando o badalado Capitalismo do Século XXI foi lançado em 2013, a Amazon tinha uma estatística (não sei se ainda tem) de “marcação de livros”. Essa estatística mostrava quais os trechos dos diversos livros disponíveis na plataforma Kindle eram mais marcados pelos leitores. Esses trechos nos dariam uma ideia das principais ideias do livro, na visão dos leitores.

Pois bem, no caso da bíblia de Piketti, as marcações eram muito numerosas no início, passando a ser mais esparsas na medida em que o livro avançava, o que indicava que poucos realmente tinham lido o livro até o final. Eu fui um deles, de modo que posso dizer que sou um especialista em Piketti. O mesmo não posso dizer de Huck, pois se assisti a dois trechos de seu programa, foi muito.

Bem, na primeira parte de sua obra, Piketti faz um trabalho soberbo de compilação de dados com base nos informativos das receitas federais de diversos países. O problema vem na 2a parte, onde o autor francês envereda pela ideologia: ele conclui, com base em sua própria cabeça (os dados não lhe permitem chegar a essa conclusão) que o problema do crescimento econômico é um problema não somente de desigualdade, mas da existência de grandes fortunas. Essa é a sua fixação. O trecho que destaco abaixo sobre Bill Gates está ipsis literis na pg 444 da versão em inglês do seu livro. Este trecho merece outro post.

Abaixo, destaco um trecho em que ele dá uma amostra da sua desonestidade intelectual, que permeia a 2a parte do seu livro. Uma alíquota de imposto sobre um bem não pode ser nominalmente comparada com a alíquota sobre o estoque de riqueza. São coisas completamente diferentes. É como comparar o valor das empresas com o PIB dos países, coisa que já critiquei aqui.

Por fim, gostaria de saber o que Piketti pensaria se soubesse que Huck financiou seu jatinho com juros subsidiados do BNDES, uma espécie de imposto negativo sobre fortunas. Não deixa de ser muito irônico.