A macheza do ministro

O planejamento de qualquer empresa, de qualquer porte, passa, necessariamente, pelo aspecto tributário. Todo empreendedor, ao ponderar se vai abrir ou não um negócio, calcula de quanto será o retorno do capital investido. Obviamente, o quanto será pago de imposto pode ser a diferença entre estabelecer ou não o negócio.

Na selva tributária brasileira, as empresas gastam tempo e dinheiro para encontrar formas de minimizar o imposto pago. Inclusive, a sonegação pode ser uma saída, em que o empreendedor pondera o retorno adicional vis-a-vis o risco de ser multado pela Receita. Os seguidos programas Refis diminuem a percepção desse risco.

Benefícios tributários entram nessa conta. Uma empresa tem uma operação em Manaus porque o imposto menor mais do que compensa os custos maiores. E assim por diante, cada empreendedor que se beneficia de uma isenção faz a conta do retorno sobre o capital considerando aquela isenção. Se não fosse pelo benefício, o empreendedor poderia optar por diminuir o seu lucro, aumentar os seus preços ou, simplesmente, descontinuar o negócio, dado que o retorno passou a não compensar o risco do negócio, ou os preços mais altos o inviabilizam.

Benefícios fiscais introduzem distorções na economia. Empresas inviáveis são viabilizadas, o que diminui a produtividade da economia como um todo. Alguns benefícios são justificados por, supostamente, produzirem as chamadas externalidades positivas, que são aumentos de produtividade que extrapolam a empresa que está recebendo o benefício. O difícil é demonstrar esse benefício. Grande parte das isenções fiscais são aprovadas mesmo é na base da saliva dos lobbies.

O ministro da Fazenda afirmou que vai publicar a lista de todos os CNPJs que se beneficiam de exceções tributárias. Vai precisar de toneladas de páginas do diário oficial: o maior benefício tributário do país é o regime do Simples, que beneficia milhares de empresas no país. No Brasil, o limite de faturamento para uma empresa fazer parte do Simples é de quase 1 milhão de dólares, contra uma média de 27,5 mil dólares para os países da OCDE que possuem políticas semelhantes, sendo o máximo de 115 mil dólares. Há algo de errado que não está certo aqui.

Além disso, essa ameaça de publicar os CNPJs, como se fosse estampar os nomes das empresas em um muro da vergonha, é típico de populistas que querem transferir suas responsabilidades. As empresas estão apenas se aproveitando legalmente de leis aprovadas pelo governo brasileiro. Uma parte relevante dos atuais subsídios foi aprovada nos governos do PT, sempre em busca do Santo Graal do desenvolvimento via incentivos específicos, que os luminares petistas avaliaram como essenciais para o crescimento do país. Agora vem o ministro da Fazenda apontar o dedo, como se essas empresas fossem criminosas. Menos, Haddad, menos.

O fim de benefícios tributários tornaria o país mais produtivo no longo prazo, mas, no curto prazo, pode inviabilizar não poucos empreendimentos. Assim, se Haddad espera arrecadar mais para já eliminando esses benefícios, talvez seja o caso de refazer as contas. Esses CNPJs podem simplesmente desaparecer, e o aumento de arrecadação pode não passar de uma miragem.

Enfim, o ministro da Fazenda quer aumentar a arrecadação de maneira indolor para a sociedade, elegendo alguns inimigos e dando uma de machão. Desconfio que vai bater de frente com a realidade mais cedo do que mais tarde.

Piscou

Como assim, “Lula pressiona Fazenda”? Lula é o chefe da porra toda S/A! Imagine que chefe pressiona subordinado. Chefe manda, subordinado obedece ou pede o boné. Essa de “pressionar” é só pra se desvincular do fiasco, com a ajuda dos coleguinhas da imprensa, ávidos por “notas de bastidor”. Típico.

O legal é ver até a Janja engajada em isentar a Shein, mesmo depois da aulinha que recebeu do Haddad no avião. Pelo visto, aquele tuíte em que a primeira-dama defendia a medida era fake, ou ela “desentedeu” aquilo que havia “entendido”. E o Felipe Neto, então? Já deve estar bolando outra thread para defender a não taxação.

O fato é que nem a Shein o governo consegue taxar, imagine outros setores, com seus lobbies encastelados no Congresso. O novo “arcabouço fiscal” só para em pé com aumento de carga tributária, o que passaria por fechar os “buracos” por onde vaza a arrecadação. O “buraco” da Shein já se mostrou mais embaixo. Vamos ver quando Haddad for enfrentar os lobbies de verdade.

Tchutchuca com os grandes sonegadores, tigrão com os pequenos

Influencers governamentais saíram em socorro do tiro no pé que foi fechar a brecha de sonegação do imposto de importação para pequenos valores entre pessoas físicas.

Haddad já tinha sido claro: sonegadores não passarão! Tem os grandes sonegadores (aquelas 500 empresas “super-lucrativas” que o ministro citou, além dos bilionários que não pagam imposto no Brasil) e tem os pequenos sonegadores, aqueles que importam da China em quantias abaixo de 50 dólares. O governo começou pelos pequenos. Mais fácil.

A mensagem governamental que os influencers estão tentando passar é que Shein e Shoppee são os grandes sonegadores que serão taxados. No entanto, trata-se de imposto de importação. E quem está importando é a pessoa física remediada que se aproveita de uma brecha da legislação. Repito: o importador é a pessoa física, não o site chinês.

De qualquer forma, trata-se de uma questão quase semântica. O fato, com o qual até Felipe Neto concorda, é que “você pode ficar puto porque os produtos que eram baratos vão ficar mais caros”. Tanto faz quem está pagando o imposto ou onde o imposto está sendo pago. O fato é que os produtos vão ficar mais caros, ponto. Quem é beneficiado? O governo e o comércio local. Quem é prejudicado? Os sites chineses e o consumidor de baixa renda. Pode contar a história que quiser, o resultado final é esse aí. Não tem combate a feiqueniús que dê jeito nisso.

Tributar a globalização é fácil, difícil mesmo é aplicar bem o dinheiro

Destaquei abaixo trecho do editorial do Estadão a respeito de um acordo no âmbito do G7, de modo a tributar multinacionais. Seria o fim dos chamados “paraísos fiscais”, onde essas maldosas fontes de desigualdade escondem os seus polpudos lucros, evitando, assim, que os governos possam usar esse dinheiro para mitigar o sofrimento dos mais pobres.

O trecho destacado já traz, em si, o ceticismo do editorialista com relação a essa arrecadação adicional de impostos. Não do ponto de vista técnico, ainda que seja uma tarefa difícil tributar entre fronteiras. Mas do ponto de vista da aplicação do dinheiro arrecadado: “se o dinheiro fosse bem aplicado, sem interferência do Centrão e de ministros gastadores”.

Confesso que tive que abandonar a leitura nesse ponto por conta de um ataque irreprimível de risadas.

Não vou nem perder muito tempo com a impropriedade: se não for o “Centrão” (Legislativo) e nem “ministros gastadores” (Executivo), quem vai definir o que fazer com o dinheiro dos impostos? O Judiciário? Anjos travestidos de deputados e ministros? O que temos é isso aí, e são esses que estão aí que vão decidir o destino do nosso dinheiro. Esse “se” não faz o mínimo sentido.

Mas o buraco é mais embaixo, como diria o poeta.

Não são nem esses os que realmente decidem. Foram outros deputados e ministros, no passado, que já decidiram pelos que hoje estão no poder. Cerca de 93% do orçamento federal está vinculado a gastos decididos nas décadas passadas. Os atuais legisladores e ministros têm pouquíssima margem de manobra.

Acrescentei duas notícias para ilustrar esse ponto: o imbróglio das dívidas dos Estados (R$350 bilhões são impagáveis) e o furo atuarial da previdência dos militares, calculado em R$700 bilhões. Ambos os gastos deverão ser cobertos por impostos no futuro. São somente amostras de como o grosso do nossos gastos já está decidido.

Claro que o Legislativo e o Executivo atuais poderiam mudar o curso dessa história, mexendo em privilégios adquiridos. Por exemplo, grande parte do rombo dos Estados tem origem na previdência dos funcionários públicos. A alíquota de contribuição já foi foi elevada em alguns Estados de 11% para 14%, mas está longe de resolver o problema. E sempre que se fala sobre o assunto, existe unanimidade em dizer que o tema não é “popular”, podendo prejudicar ambições eleitorais. Ora, se conter gastos com funcionalismo público é “impopular”, isso só significa que o peso do funcionalismo já ficou tão grande na sociedade brasileira que é impossível reverter o quadro. E mesmo que Legislativo e Executivo fizessem a sua parte, teríamos sempre um Judiciário pronto a defender os “mais pobres”.

Voltando à tributação das multinacionais: hoje, o dinheiro salvo da sanha arrecadatória é utilizado para novos investimentos por parte dessas empresas ou para pagar dividendos para os seus acionistas, a maioria pequenos investidores que têm nesses dividendos a sua renda para consumo. Os grandes acionistas, por outro lado, terão menos dinheiro para os seus gastos com luxo e suas ações de filantropia. Tudo isso para que os governos possam continuar sustentando suas máquinas de fazer o bem.

O que importa é a carga tributária, não o imposto

Está rolando (mais) um ranking de preços internacionais do iPhone. É o ranking do site de comparação de preços Nukeni, mostrando que o iPhone 12 256Gb custa R$ 9.500 aqui no Brasil, contra R$ 5.167 nos EUA. A revolta é geral.

As duas reportagens que li hoje sobre o assunto se concentram na crítica ao imposto de importação, que encarece desproporcionalmente o produto em terras tupiniquins. Acho que as duas reportagens erram o foco.

Não tem dúvida de que o imposto de importação encarece os produtos. Mas sabemos por experiência própria todos os que já viajamos e fizemos compras nos States, que as coisas são sempre mais baratas lá, mesmo comparando com preços de produtos produzidos no Brasil. Roupas, eletrodomésticos, carros, enfim, tudo. Não precisa ser importado para ser mais caro.

Por que isso acontece? A resposta está no gráfico abaixo, retirado de um relatório elaborado pela Receita Federal.

O problema não está tanto na carga tributária, ainda que este seja um ponto importante sobre o qual falaremos em seguida, mas na distribuição dessa carga. Compare a carga tributária sobre bens e serviços do Brasil em relação à média da OCDE: 14,3% contra 11,1% do PIB. Nos EUA, essa mesma carga tributária é de apenas 4,3% do PIB. A diferença lá é cobrada sobre outros fatos geradores, principalmente renda. Ou seja, nos EUA e outros países desenvolvidos, há mais cobrança sobre a renda das pessoas do que sobre os bens e serviços produzidos.

Aqui no Brasil, portanto, os produtos são mais caros, mas o imposto de renda é muito menor. Assim, quando a classe média chora o iPhone caro no país, está analisando apenas um lado da equação. O outro lado é que paga menos imposto de renda do que seu equivalente norte-americano ou europeu. O resultado é que sobra mais dinheiro no bolso do brasileiro (ajustado pela renda de cada país), para gastar em produtos mais caros.

No final do dia, o que faz sentido é a comparação entre cargas tributárias totais. A distribuição do imposto, se pagamos sobre a nossa renda ou sobre os produtos que compramos, do ponto de vista estritamente econômico, importa pouco. Claro que esta é uma simplificação: o nosso sistema tributário é tão caótico, com tantas exceções e regimes especiais, que o nosso consumo é sim influenciado pelas escolhas dos produtos privilegiados. Mas, do ponto de vista de renda total disponível para consumo, o que importa é a carga tributária total do país.

Assim, não chore pelo iPhone caro. Chore pela carga tributária de 33% do PIB, equivalente à média dos países ricos e cerca de 10 pontos percentuais acima da média dos países da América Latina. Nos EUA, a carga tributária é de 25% do PIB. Antes do Biden, claro. E prepare seu bolso: ou você acha que essa dívida pública monstruosa que temos será paga com controle de gastos?

PS.: Não comentei, mas uma grande carga tributária sobre bens e serviços acaba sendo um instrumento de concentração de renda, na medida em que o imposto está embutido no produto, independentemente se é comprado pelo rico ou pelo pobre. Ou seja, o pobre acaba pagando a mesma coisa que o rico, mesmo tendo uma renda menor. Se o imposto fosse sobre a renda, o rico pagaria mais. Por isso, o nosso sistema tributário é altamente regressivo e concentrador de renda. E isto não está endereçado por nenhuma reforma tributária em análise no Congresso.

A ilusão dos direitos trabalhistas

Reportagem interessante de hoje no Estadão mostra brasileiros que estão sendo contratados por empresas no exterior sem precisar se mudar do país.

Essa é uma realidade que já existia antes da pandemia para as empresas de desenvolvimento de software. Por exemplo, o programa que uso para controlar minhas finanças pessoais foi desenvolvido em Utah, EUA, mas tem gente trabalhando em várias partes do mundo. A pandemia fez acelerar esse processo, e cada vez mais empresas vêm acessando a mão de obra onde ela está, principalmente em tecnologia.

Mas o que verdadeiramente me chamou a atenção na reportagem foi o trecho que destaquei abaixo.

O profissional não tem “direito” a 13o salário e nem a um terço de adicional de férias. No entanto, no total, ganha 50% a mais do que ganhava em seu último emprego, com todos esses direitos “assegurados”.

Não conheço outras legislações trabalhistas ao redor do mundo, mas sou capaz de apostar que a CLT deve ser uma das que mais “garantem direitos” ao trabalhador. São tantos os mecanismos de “proteção” que se perde de vista o principal: o real poder de consumo do trabalhador.

No caso em tela, estamos comparando um emprego com “carteira assinada” com outro sujeito a legislação menos protetiva. Aliás, nem sabemos ao certo, pode ser que a legislação na Polônia seja tão protetiva quanto, mas o contrato seja o equivalente à nossa “PJ”, que permite driblar a cunha tributária representada pela carteira assinada. Para o nosso argumento, no entanto, pouca importa: o que vale é o poder de consumo final do trabalhador.

Todos os benefícios trabalhistas criados pelos nossos políticos são apresentados como grandes “conquistas dos trabalhadores”. No entanto, o que vale, no final do dia, é o poder de consumo do trabalhador. As empresas, quando determinam o salário dos seus empregados, fazem a conta de quanto podem pagar. Tanto faz se dividirão em 12 ou 13 parcelas, se as férias terão direito a 1/3 adicional, se tem FGTS. O que importa, para as empresas, é o quanto irão desembolsar no total. Os empregados não receberão um real a mais pelo fato de a legislação determinar o pagamento do 13o, 14o ou 15o salários. A lógica econômica acaba se impondo.

A prova de que a lógica econômica acaba se impondo é o imenso contingente de trabalhadores informais que recebem menos do que um salário mínimo. A lei não tem o poder de criar riqueza. Não é o fato de um determinado valor estar determinado em lei que as empresas terão, como que em um passe de mágica, dinheiro em caixa para pagar o devido legalmente.

Enquanto os “direitos” inventados pelos nossos políticos causavam apenas a informalidade no mercado de trabalho, convivíamos bem com isso. No entanto, o problema agora é outro: em um mundo em que o mercado de trabalho passa a ser globalizado, onde o funcionário pode trabalhar em sua casa para qualquer empresa do mundo, a nossa legislação trabalhista passa a ser um peso para as empresas locais contratarem trabalhadores mais qualificados.

Este é um problema especialmente grave para as empresas do setor de tecnologia. Há um déficit global gigantesco de trabalhadores deste setor, que vem crescendo a taxas exponenciais. Os nossos profissionais de tecnologia estão sendo disputados por empresas do mundo inteiro, sem as antigas barreiras físicas e, principalmente, podendo pagar mais por terem outro tipo de legislação trabalhista em seus países. Não por coincidência, todos os exemplos da reportagem do Estadão são desse setor.

Outro dia, as empresas de tecnologia estavam fazendo lobby para a continuidade da isenção de encargos trabalhistas na folha de pagamento. Diziam que, se essa isenção não fosse estendida, o desemprego do setor aumentaria. Na verdade, o medo é outro: esses empregados poderiam ser capturados por empresas de outros países que não precisam pagar encargos trabalhistas. A competição é desigual.

Mão de obra qualificada é um diamante que necessita de muito tempo, esforço e dinheiro para ser lapidado. É desesperador saber que, uma vez finalmente lapidado, muitas vezes em faculdades pagas com dinheiro público, esse diamante acabe servindo para agregar valor para empresas de fora do país, porque temos uma legislação que “protege” os trabalhadores da única coisa que lhes interessa: vender a sua habilidade pelo melhor preço possível.

Explicitando a derrama

Estudo do IPEA concluiu que a alíquota de um teórico imposto sobre consumo seria de 27% para compensar todos os outros impostos que deixariam de existir. Seria uma das mais altas do mundo, só perdendo para os suspeitos de sempre, tipo Suécia.

Essa alíquota explicita o tamanho do peso do Estado na economia brasileira. Isso sem contar o imposto de renda, que não seria extinto. O pesquisador ainda diz que seria possível diminuir um pouco o IVA se o IR fosse aumentado. Gênio.

Bem, essa notícia é de ontem. Destaco notícia de hoje, em que um grupo de trabalho da Embratur chegou à brilhante conclusão de que as passagens aéreas são caras no Brasil por causa dos impostos.

Bem, qualquer grupo de trabalho de qualquer setor brasileiro chegaria à mesma conclusão. Claro que, por trás do trabalho da Embratur, estará um pedido do setor de diminuição de impostos. Como a carga tributária total não pode diminuir, o conjunto dos outros setores seriam onerados. Mas, como é de praxe, o governo populista cacarejaria apenas os “incentivos ao turismo”. O fato incontornável é que os impostos sobre o consumo representam mais de um quarto de tudo o que se consome, entre bens e serviços.

A Inconfidência Mineira foi detonada pela cobrança do “quinto”, um imposto de 20% sobre a extração do ouro. Já estamos pagando 27% sem saber. Entende-se o grande receio da Corte em escancarar esse número.

O nosso sócio oculto

Sua conta de luz está cara? Pois saiba que metade não vai para as companhias, mas sim para o nosso sócio oculto: o governo.

Bem, nem tudo. Dos R$87 bilhões arrecadados, cerca de R$19 bilhões vão para bancar a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que serve para subsidiar “tarifas sociais”, usinas termoelétricas em lugares isolados como Rondônia (isolados porque as linhas de transmissão passariam por terras indígenas que, como sabemos, são sagradas) e “energias limpas”, como, por exemplo, os subsídios aos painéis solares. O restante é imposto mesmo, principalmente ICMS, que vai para o caixa dos Estados, onde é usado, entre outras coisas, para subsidiar as universidades públicas.

Portanto, sempre que você pensar em reclamar da conta de luz, lembre-se que seu dinheiro está sendo usado com sabedoria.

Substituindo o DPVAT: uma sugestão

Ontem escrevi um post curto, registrando e comemorando o fim do DPVAT. Foi uma reação de quem já faz seguro e, portanto, vê no DPVT apenas um imposto a mais. Recebi críticas de amigos que respeito, então fui estudar o assunto.

Em primeiro lugar, pensei na natureza da coisa. Trata-se de um seguro obrigatório, que procura compensar o fato de que o brasileiro não faz seguro. Em todas as reportagens que li, o número de veículos sem cobertura chega a 80% da frota. Não tive como verificar este número, mas digamos que seja isso mesmo. Isso por si só justifica a adoção de um seguro obrigatório? Penso que não.

Vamos pensar em sua alternativa. Digamos que, na hora de licenciar o veículo, ao motorista lhe fosse oferecida a seguinte alternativa: pagar R$45 por ano (para carro) e R$185 (para moto) para ter uma indenização de R$13,5 mil em caso de morte, até R$13,5 mil em caso de invalidez e R$2,7 mil para despesas médicas e hospitalares. Alguns motoristas topariam, outros não. A escolha por fazer ou não passa pela avaliação pessoal do risco envolvido. Ao tornar a contratação obrigatória, o governo toma a decisão pelo cidadão, tratando-o como menor de idade.- Ah, mas você está falando como alguém bem instruído, que sabe calcular riscos. A maioria da população não sabe, precisa que o governo lhe enfie o seguro goela abaixo.

Pois é. Eu tenho o péssimo hábito de acreditar que as pessoas, independentemente de sua renda, sabem onde o calo aperta. E também tenho o estranho pensamento de que as pessoas devem pagar pelas suas decisões. Não fez o seguro? Que pague pelas suas despesas hospitalares. O SUS deveria cobrar de quem não fez o seguro. Mas como o SUS é “de graça” para todo mundo, obriga-se todo mundo a pagar seguro. É uma forma de construir o mundo, tutelando os cidadãos. Depois reclamamos da estatolatria que nos cerca.

Além disso, o fato de haver um seguro obrigatório inibe o surgimento de um mercado privado de seguros de acidentes de trânsito. Quem disse que R$45 é o prêmio justo pelo tamanho da indenização? Sim, é verdade que o monopólio da seguradora Líder não tem nada a ver com a obrigatoriedade. Poderia haver, em tese, a convivência de um mercado competitivo com a obrigatoriedade. No entanto, não sei qual seria a complicação burocrática da coisa, como administrar isso. O fato de ser um monopólio deve ter relação com a dificuldade de administrar um mercado livre, competitivo.

A questão do prêmio justo nos leva a outra questão importante: metade dos prêmios arrecadados vão para financiar o SUS (45%) e o Denatran (5%). Portanto, trata-se de um imposto disfarçado. O fato de ser um dinheiro carimbado para o SUS não torna o DPVAT menos imposto. O IPVA é carimbado para a melhoria de vias e estradas, e ninguém acha que o IPVA deixa de ser um imposto por conta disso. Para os que estão preocupados com o buraco no orçamento do SUS, sugiro a criação de uma “Contribuição Sobre Veículos Automotores para Financiamento da Saúde – CSVAFS”, imposto a ser cobrado no licenciamento no valor de R$22 para automóveis e R$92 para motos. Não, não se trata de um imposto adicional, é apenas a explicitação do imposto embutido no DPVAT.

Tem ainda o aspecto dos danos a terceiros. O motorista corre um risco calculado ao não contratar o seguro, mas o pedestre atropelado assume este risco involuntariamente. Bem, isso não é verdade, por dois motivos: 1) o motorista continua sendo responsável por indenizar a vítima. Azar se não tiver o seguro, terá que se virar para pagar de qualquer maneira e 2) o próprio pedestre pode contratar um seguro de acidentes pessoais. Que provavelmente sairá mais barato do que os R$45 anuais cobrados do motorista.

O DPVAT é uma mistura de tutela do Estado sobre o cidadão com imposto disfarçado. As repercussões que li e ouvi sobre a medida tinham o tom de “prejuízo aos pobres, que não mais receberão indenização em caso de acidentes, principalmente os motociclistas”. Como se a indenização fosse uma dádiva do céu, e não fruto de um imposto disfarçado e de um prêmio pago a uma seguradora, que nem sabemos se seria o prêmio justo, pois não há concorrência.

Queremos que os cidadãos estejam protegidos contra acidentes? Sugiro a substituição do DPVAT por uma combinação de um imposto para financiamento do SUS com o oferecimento de um seguro livremente fornecido pelo mercado no momento do licenciamento. O que não é obrigatório terá um escrutínio maior do cidadão, e a concorrência fará caírem os prêmios do seguro. E que cada um pague pelas suas decisões.