Imunidade de rebanho ainda está longe

Em Nova York, fizeram uma testagem controlada por amostragem e encontraram 21% de contaminação na cidade e 14% no Estado. A manchete é de que muito mais gente do que o imaginado estava contaminada.

Bem, as estatísticas do worldometer apontam que, de cada 100 pessoas testadas, 39 casos foram detectados no Estado de Nova York. Ou seja, praticamente o triplo do apontado pela pesquisa por amostragem. E olha que Nova York tem um senhor volume de testes, tendo testado 3,5% da população (lembrando que a Coreia testou 1%). Se, com essa quantidade de testes, Nova York sobre-estimou o número de contaminados na ordem de 3 para 1, imagine em países onde a testagem é mínima.

No Brasil, 17% dos testes deram positivo, ainda segundo o worldometer. Se a experiência de Nova York puder ser extrapolada, aqui temos, no máximo, 6% da população contaminada. Digo no máximo porque, sendo a base de testagem muito menor (o Brasil testou apenas 0,13% da população até o momento), o resultado tende a ser muito menos confiável.

Em resumo: com no máximo 6% da população contaminada, estamos muito longe de ter atingido a imunidade de rebanho.

Imunidade de rebanho

A saída mais segura da quarentena seria a chamada “herd immunity” ou imunidade de rebanho. Quando um certo percentual da população já pegou a doença e, pelo menos teoricamente, adquiriu imunidade, o surto termina, porque falta gente para ser contaminada. Este percentual da população é objeto de debates, mas já ouvi coisas entre 50% e 70%.Como saber se um país ou região atingiu a imunidade de rebanho? Não há outro modo a não ser testar a população. Por isso, é incontroverso que é preciso fazer testagem extensiva para que se tenha segurança na saída da quarentena.

O gráfico abaixo mostra a relação entre o grau de imunidade da população (eixo y) e a extensão da testagem, em número de testes/milhão de habitantes (eixo x). O grau de imunidade é calculado dividindo-se o número de casos registrados pelo número de testes aplicados. Obviamente, quanto mais testes, mais confiável será esse número.

Vamos avaliar dois extremos: no país A, somente se testa aqueles que chegam com sintomas claros de Covid-19 no hospital. A tendência é de que 100% dos testes resultem positivo. Isso significa que 100% da população tem o vírus? Provavelmente não, a testagem é muito limitada e enviesada. Já no país B, os testes são aplicados aleatoriamente a um número grande de pessoas. O resultado, neste caso, é uma aproximação mais fidedigna do grau de contaminação da população como um todo.

A má notícia aqui é que o índice de 50% não foi atingido em nenhum país, mesmo naqueles que testam pouco. No Brasil, por exemplo, o índice é de 15%, mesmo testando somente 0,13% da população. Ou seja, provavelmente, o grau de contaminação da população, hoje, é muito baixo.

Na Islândia, campeã mundial de testagem, o índice de contaminação é de meros 4%. Países que combinam alta testagem (acima de 1% da população) com contaminação relativamente alta (acima de 20%) são raros, e normalmente são aqueles onde o surto causou muitas hospitalizações/mortes, como é o caso da Espanha, Bélgica, EUA e Holanda).De qualquer forma, parece claro que a imunidade de rebanho não foi atingida em lugar nenhum do mundo. O que fazer? Manter tudo fechado até encontrar uma vacina? Impraticável. O que será feito é uma abertura cuidadosa, sabendo-se que novos surtos irão surgir, a que se seguirão novos fechamentos. Conviveremos ainda muitos meses com essa epidemia, é bom se acostumar.