A credibilidade do Banco Central

2,25%. A menor taxa de juros da história do Brasil.

Dilma Rousseff, na sua guerra declarada aos fundamentos econômicos, certa vez expressou seu desejo de ver uma taxa básica de juros de 2% ao ano. Taxa real, que se frise, acima da inflação. Pois bem, a taxa real de juros hoje é próxima de zero.- Ah, mas com essa brutal recessão é fácil, dirão os desenvolvimentistas.

Pois é.

Dilma foi apeada do governo em abril de 2016, depois de provocar uma recessão de mesma magnitude da que estamos vivendo hoje, cerca de 7,5% do PIB. Curiosamente, aquela recessão deixou um IPCA de 9,3% e uma Selic de 14,25% (números de abril de 2016). Pelo visto, somente a recessão do coronavírus tem o dom de gerar inflação e taxas de juros baixas. A recessão do dilmavírus gera inflação e taxas de juros na lua.

Em um sistema de metas de inflação, conta muito a credibilidade do BC e, em última instância, do governo. Credibilidade esta que foi destruída durante o governo Dilma. Então, não atribua somente à recessão as taxas de juros mais baixas da história. O colapso da atividade econômica é uma condição necessária, mas não suficiente, para este nível de taxas de juros. Sem credibilidade, as taxas de juros serão sempre mais altas ao longo do tempo. É o preço cobrado pelos credores de um devedor pouco confiável.

A importância da independência do BC

José Serra é um político que normalmente tem boas ideias no campo microeconômico. Já no macro, sua formação cepalina cobra o seu preço. Hoje, Serra publica artigo atacando a proposta de independência formal (“política”, ele chama) do Banco Central.

Segundo o senador, o BC toma decisões muito importantes para ficar independente. A mais importante delas é o nível da taxa de juros, que tem efeitos fiscais e distributivos. Ele não diz isso, mas é o que se conclui do seu raciocínio, o BC deveria decidir sobre o nível das taxas de juros com um olho no déficit fiscal. E, por isso, não deveria ser independente, subordinando suas decisões ao ente que é responsável pelo déficit, que é o governo.

O que dizer? Bem, no momento que o BC subordinar a política monetária à questão fiscal, a política monetária morre, com tudo o que isso significa para a inflação. Imagine o BC tendo que perguntar ao governante de plantão ou ao Congresso se ele pode aumentar a taxa de juros. Não precisa ser gênio para adivinhar a resposta.

Serra cita o socorro que supostamente os BCs dos países desenvolvidos deram para os bancos e “super-ricos” na crise de 2008 e, por isso, a independência desses bancos estaria em discussão. Bem, não sei de onde ele tirou essa ideia de que há essa discussão nos EUA, na Europa ou no Japão. Só se ele leu alguma coisa a respeito na plataforma do Bernie Sanders. Mesmo porque, não foi o Fed que “salvou” os bancos, foi o Tesouro americano. Foi Obama que deu dinheiro do contribuinte para que a GM, por exemplo, não quebrasse. Os BCs fizeram somente o que está em seu escopo, que é afrouxar a política monetária como nunca antes na história do planeta.

Não custa lembrar que Serra foi candidato à presidência da república duas vezes. Este seu artigo serve mais uma vez de alerta para a importância do projeto de independência do BC. Imagine um governo Serra sem essa independência. Estaríamos competindo com a Argentina pelo título de segunda maior inflação do mundo, atrás da Venezuela.

Paul Volcker e a política monetária raíz

Você consegue imaginar a inflação nos EUA em 12% e a taxa básica de juros (a Selic deles) em 20%? Pois é, isso aconteceu nos selvagens inícios dos anos 80.

Com o 2o choque do petróleo em 1979, a inflação subiu de maneira descontrolada no mundo desenvolvido. Paul Volcker era então o presidente do Federal Reserve, o equivalente ao Banco Central norte-americano, responsável por manter o poder de compra da moeda. O instrumento para isso, assim como hoje, eram as taxas de juros básicas, determinadas pelo board do Fed.

Paul Volcker não teve dúvida: para uma inflação que já estava em dois dígitos, não se deixou levar pela cantilena do “esse é um choque de oferta, não um problema de demanda em excesso”, argumento preferido dos adeptos do “um pouco mais de inflação para um pouco mais de crescimento”. Para Volcker, inflação era inflação, não tinha raça nem cor.

A política monetária de Volcker jogou os EUA em uma grande recessão, além de quebrar os países mais endividados, como México e Brasil. Mas controlou a inflação, que era o seu objetivo. E os EUA, para não variar, saíram melhores do que entraram. Tudo porque o presidente do Banco Central, que cumpriu seu mandato sob presidentes democratas e republicanos, teve a ousadia e a autonomia para cumprir o que prescrevia o livro-texto.

RIP, Paul Volcker.

As coisas sempre podem piorar

A página Inflacionistas descobriu essa relíquia, uma matéria com a visita de Joseph Stiglitz à Venezuela nos idos de 2007. Destaquei o trecho acima, em que Stiglitz defende que o BC não pode ter “autonomia excessiva”. A Venezuela implementou os ensinamentos de Stiglitz, e hoje, como sabemos, tem a maior inflação do mundo.

Argentinos, as coisas sempre podem piorar.

Um pouco de otimismo

Bolsonaro propõe a independência do BC, enquanto Haddad volta atrás no plano de “mandato dual” e reafirma a autonomia do BC.

Quem diria que, há somente 4 anos, Marina Silva foi pulverizada na TV por propor a independência do BC, que teria como consequência o desaparecimento da comida da mesa do brasileiro.

O mesmo aconteceu com as privatizações. Há 12 anos, Alckmin foi pulverizado por uma campanha anti-privatização do PT, a ponto de ter a brilhante ideia de vestir o “jaleco das estatais”.

Hoje, Paulo Guedes propõe uma “privatização selvagem” e o PT sequer toca no assunto.

Sai otimismo, sai desse corpo que não te pertence!