Mariana Mazzucato é a nova musa dos economistas desenvolvimentistas brasileiros. Depois de décadas do domínio inconteste de Maria da Conceição Tavares, e preenchendo o vácuo que a professora da Unicamp deixou, a professora italiana vem dar um novo brilho às velhas ideias de sempre.
Mazzucato embala a sua teoria com o papel de embrulho do conceito de “missão”. O Estado seria o indutor do desenvolvimento ao determinar “missões” em torno das quais os agentes econômicos trabalhariam harmoniosamente, alavancando o crescimento econômico. Neste artigo no Valor (e em outro que já tinha lido), Mazzucato cita como exemplo a “missão” de colocar um homem na Lua, dada por John Kennedy em 1963, e que levou ao desenvolvimento das muitas tecnologias necessárias para o bom termo do empreendimento. Assim, um “pequeno” investimento do Estado (via NASA) alavancou muitos setores econômicos, multiplicando em muitas vezes a sua potência.
A ideia, como todas as ideias às quais se agregam uma narrativa ex-post, é muito sedutora. O problema é achar que o investimento estatal em uma “missão” é condição suficiente para que a mágica aconteça. É o mesmo que ver alguém riscando um fósforo e colocando fogo em um tanque de combustível, e tentar fazer o mesmo com um tanque de água. O ambiente empresarial e acadêmico dos EUA é um tanque de combustível, pronto a responder a qualquer estímulo, enquanto o ambiente brasileiro é um tanque de água. Pode riscar quantos fósforos quiser, a água não vai pegar fogo.
Vou listar aqui alguns problemas que a indústria enfrenta, e que não há “missão” que dê jeito:
– carga tributária que incide principalmente sobre o setor. A reforma tributária vai melhorar isso, mas vai levar alguns anos de transição.
– complexidade tributária (a reforma vai ajudar aqui também)
– insegurança jurídica, apesar do que possa dizer o presidente do STF
– ambiente de corrupção em vários níveis, sem punição
– protecionismo, que dificulta a atualização tecnológica
– falta de mão-de-obra bem formada
Além disso, a professora sugere usar as compras governamentais para “induzir” o crescimento. A fórmula é batida: o governo privilegiaria a compra de produtos nacionais, beneficiando o empresário local em detrimento da eficiência dos seus gastos. Como isso contribuiria para o crescimento permanece um mistério.
Enfim, as ideias da professora Mazzucato soam como música aos ouvidos de nossos burocratas e políticos. Afinal, ela passa a impressão de que finalmente encontramos a fórmula que garantirá a eficiência dos investimentos públicos. Nos nossos vários ciclos de planejamento central e investimento estatal (JK, ditadura militar, Lula/Dilma), a coisa começou com festa e terminou em um desastre profundo de recessão e dívidas impagáveis. Agora não! Agora temos “missões”, que é o que faltou nos ciclos anteriores. Assim é se assim lhe parece.
Não foi à toa que a bolsa caiu hoje, na contramão do mundo. Só não é pior porque, como sabemos, este é o governo Circo de Pulgas, em que se anuncia o maior espetáculo da Terra para depois entregar algo minúsculo e que não vai fazer muita diferença, a não ser para os amigos de sempre.
O crescimento econômico está ao alcance da mão, sua fórmula é conhecida, basta nos livrarmos de amarras ideológicas para a sua implementação. Esta é a tese dos professores da FEA-USP autores deste artigo. As amarras ideológicas seriam, grosso, modo, o Consenso de Washington, que preconizaria, segundo os autores, taxas de juros altas para combater a inflação e equilíbrio fiscal. E qual a fórmula defendida pelos professores? Do ponto de vista macroeconômico, taxas de juros baixas e câmbio administrado. Do ponto de vista microeconômico, aumento do crédito via aumento da competitividade do sistema financeiro e retomada da capacidade de investimento do Estado. Tudo isso levaria a um modelo de exportação de manufaturados, a chave para a retomada do crescimento. Ouvi a palavra “neoindustrialização” aí?
Vamos nos ater às recomendações macroeconômicas dos professores. Para entender seus efeitos, vamos lembrar da “trindade impossível”, um modelo proposto pelo prêmio Nobel Robert Mundell. Segundo este modelo, as seguintes três coisas são impossíveis de acontecer ao mesmo tempo:
– Fluxo livre de capitais
– Câmbio fixo
– Política monetária independente
Volte lá na proposta dos professores. Note que eles propõem câmbio fixo (para manter a indústria competitiva no mercado global) e política monetária independente (para fixar a taxa de juros em níveis “baixos”). Portanto, essa proposta não funciona se o fluxo de capitais for livre. Essa é a parte feia da proposta, e que os professores não mostram. Em outras palavras, para seguir este modelo, o Brasil precisaria fechar suas fronteiras para a saída do capital, tanto estrangeiro quanto dos nacionais.
É fácil de entender porquê: com juros baixos, inflação alta e câmbio fixo, que idiota manteria seu dinheiro no país? Quer um exemplo prático, que está acontecendo agora, enquanto falamos aqui? É só dar uma olhada para o nosso vizinho ao sul, que enfrentará eleições nesse fim de semana em meio a uma grave crise macroeconômica. Câmbio fixo, juros baixos, Estado investidor, o pacote completo.
Mas claro, essa políticas só não foram adotadas por “birra ideológica”, mesmo depois de mais de uma década de governos do PT.
PS.: existe um fetiche pela “exportação de manufaturados”. Austrália e Nova Zelândia exportam basicamente commodities, e são países desenvolvidos. O desenvolvimento de um país se faz com instituições desenvolvidas, e não pela exportação de parafusos.
Um diretor da CNI e um diretor do BNDES nos oferecem um artigo sobre o tema candente do momento: neoindustrialização. Fui ler, já sabendo o que encontraria, e não me decepcionei. Em artigo de 5.000 caracteres, os autores conseguem elencar apenas duas ideias que, teoricamente, nos levarão ao próximo patamar: o reestabelecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Nacional, ligado à presidência da República, e novas linhas subsidiadas do BNDES. (Suspiro).
Para preparar o terreno, os articulistas nos informam que EUA e Europa recém aprovaram subsídios para fomentar a indústria de semicondutores em suas regiões. Ora, se eles estão fazendo, o índio aqui também pode fazer. É como o pobretão que vê os ricaços jogando golfe, e conclui que, para ser rico, precisa comprar o equipamento e treinar umas tacadas. Quando, na verdade, é o oposto: primeiro fica rico, depois vai jogar golfe. Subsídios para fábricas de semicondutores é uma política cara, que diminui a produtividade das economias desenvolvidas, e só está sendo feito por razões geopolíticas, que justificam seu custo.
A pergunta é: se não foi o golfe, o que levou as economias desenvolvidas a terem indústrias pujantes? O que levou a Coreia, e agora a China, a terem indústrias pujantes? Bem, a lista do que é preciso ser feito para chegar lá é de amplo conhecimento, mas nada disso aparece no artigo. Aliás, pelo contrário. Por exemplo, sabemos que, para aumentar a produtividade da indústria, é necessário abrir para a importação de maquinário. Pois bem, uma das linhas subsidiadas do BNDES citadas é dedicada a financiar a aquisição de maquinário NACIONAL. Ou seja, na direção oposta ao que é preciso ser feito.
Enfim, esse tipo de miopia foi a responsável pelo encolhimento da indústria brasileira. Ao que tudo indica, ainda estaremos falando de desindustrialização daqui a 20 anos.
O presidente e o vice-presidente da República fizeram publicar um artigo no Estadão de hoje. Trata-se de importante peça, que deve ser lida com atenção. Muito se reclamou que Lula não explicitara seu programa econômico antes da eleição. Pouco menos de 5 meses após a posse, aí está. Neste artigo, Lula descreve o que de mais importante pretende fazer na seara econômica durante o seu governo. Essa é a boa notícia. A má, é que, depois de ler, não me ocorre outro ditado do que “a ignorância é uma benção”.
Optei por comentar trecho por trecho, pois trata-se de artigo em que o presidente e o vice-presidente desfilam, parágrafo após parágrafo, todas as suas várias ideias equivocadas sobre como funciona a economia.
O primeiro parágrafo já começa com uma imprecisão e uma mistificação. A imprecisão está no uso da palavra “anos” para caracterizar o período de encolhimento da indústria no PIB. A palavra correta seria “décadas”. O pico da participação da indústria no PIB foi na década de 80. A partir de então, só fez diminuir, inclusive durante os “anos de ouro” do governo PT, em que abundaram “políticas de incentivo à indústria”, as mesmas que estão sendo apresentadas agora como grande novidade. A mistificação é o termo “emprego de qualidade”. Aqui vou fazer uma pequena digressão.
Quando se defende a indústria por criar “empregos de qualidade”, ou se demoniza os aplicativos por “precarizar os empregos”, o foco está na DEMANDA por mão de obra. O raciocínio é sempre esse: precisamos criar demanda por “empregados de qualidade” e suprimir a demanda por “empregados precários”. O problema, no entanto, está na OFERTA de mão de obra. O Brasil simplesmente não cria suficiente mão de obra de qualidade. Pergunte a qualquer empresário a dificuldade de se encontrar mão de obra com a qualificação necessária, principalmente em áreas de exatas. Formamos psicólogos, advogados e sociólogos a rodo, enquanto faltam engenheiros e técnicos. Quando, por outro lado, empresas como o Uber oferecem uma opção de fonte de renda para essas pessoas sem qualificação, são demonizadas, como se fossem elas as culpadas pela vergonhosa falta de qualificação da nossa mão de obra. Nunca se discute produtividade da mão de obra, mas somente os seus “direitos sociais”, que serão pagos por alguém, independentemente da geração de valor do trabalho.
Continuemos. A seguir, os autores afirmam, corretamente, que o Brasil está perdendo a corrida da sofisticação tecnológica, e citam o exemplo da China, que fez o caminho inverso. Seria interessante que explorassem um pouco mais esse exemplo. Lula/Alckmin afirmam que a China foi capaz de levantar centenas de milhões de trabalhadores da pobreza. O que eles não contam é que o trabalhador chinês está longe, muito longe, do tal “emprego de qualidade” que eles sonham para o brasileiro. Eles têm uma fração dos “direitos sociais” com que os trabalhadores daqui contam, além de enfrentarem jornadas de trabalho que fariam um entregador do iFood parecer um bon vivant. Não tem dúvida de que o trabalhador chinês hoje está muito melhor do que há 3 ou 4 décadas. Mas isso aconteceu também no Brasil, entre as décadas de 30 e 70 do século passado, quando houve uma urbanização intensa do país. O próximo passo é que é o complicado, que é a formação dessa mão de obra. Nisso a China se saiu muito melhor, basta ver os exames internacionais de proficiência. Mas, certamente, Lula olha para a “política industrial” da China, não para a sua “política social” ou mesmo sua “política educacional”. Como se uma coisa prescindisse das outras.
A seguir, nossa dupla dinâmica entra na seara que mais lhes interessa, que é montar o seu país no Sim City. Então, devemos ser “criteriosos” em estimular que setores em que já tenhamos know how caminhem para produzir mais “valor adicionado”. Acho graça quando ouço esse termo, como se fosse algo mágico, uma espécie de varinha de condão, e não o resultado de muito capital de risco e mão de obra especializada. Claro, e não poderia deixar de haver a menção ao “conteúdo nacional”, como “até” os países desenvolvidos estão fazendo. Ou seja, continuaremos a ser um país fechado, reinventando a roda com nossos parcos recursos.
Mas é a seguir que Lula/Alckmin revelam o plano em todo o seu esplendor. Um tal de Conselho Nacional de Desenvolvimento Nacional vai dar “missões” para a indústria brasileira! Uau! Não consegui deixar de lembrar do agente 86, recebendo uma missão do Controle. Como pode, depois de décadas de “políticas industriais” que alguém ainda defenda que o governo pode dirigir investimentos produtivos de maneira eficiente. E já sabemos que há um programa novo de incentivos na praça, o Padis, para estimular a produção de semicondutores, hoje uma commodity. Quando vejo uma nova sigla, já sei que, daqui a alguns anos, será a plaquinha na porta de um armário onde estará guardado um esqueleto em decomposição. Não falha.
Ah, e tem a política comercial também. Porque, sabiamente, Lula&Alckmin nos informam que, além de produzir, precisa vender. Vender para quem? Para quem tem dinheiro? Naaaao! Para os pés rapados dos nossos vizinhos e da África. Essa é a “nova política comercial”. Que, claro, deverá envolver “linhas de financiamento” do BNDES. Afinal, como você vende para alguém que não tem dinheiro? Outro dia, comentei aqui que a China está passando por problemas de calote, principalmente na África. Queremos tomar o lugar dos companheiros chineses nessa missão.
Em seguida, vem o mambo jambo dos “investimentos verdes”. O Brasil estaria posicionado para receber investimentos porque tem “energia limpa”. É a versão moderna do “aqui, em se plantando tudo dá”, de Pero Vaz de Caminha. Todo dirigente brasileiro, e uma parcela relevante do povo brasileiro, acredita piamente que as nossas “riquezas naturais” (e nossa matriz de energia é limpa porque fomos abençoados com uma quantidade imensa de rios, sol abundante e ventos) são suficientes para nos fazer ricos. Segundo Lula&Alckmin, ter “energia limpa” seria condição suficiente para atrair investimentos, quando, na verdade, é condição apenas necessária, e talvez nem isso.
Para o agronegócio, haverá um Plano Nacional de Fertilizantes (PNF, outra sigla). Não custa lembrar que as maiores minas de produção de potássio estão no Amazonas, perto de terras indígenas. Mais um embate titânico no governo à vista?
Quase no final, como quem havia esquecido o assunto e foi lembrado, a dupla Lula&Alckmin faz menção a “medidas horizontais”, citando a reforma tributária como o elixir mágico que curará a sua unha encravada e todos os males da economia brasileira. É nesse parágrafo que os autores mencionam, pela única vez em todo o artigo, o “custo Brasil”. Um único parágrafo para endereçar o que realmente é o problema brasileiro e deveria ser o foco e o guia para todo o resto. É sintomático.
Claro, não poderia deixar de haver menção à “redução do custo do capital”, deixando claro que o governo já fez a sua parte com a aprovação do novo arcabouço fiscal. Só pode ser piada, não é possível que acreditem que esse arremedo de teto de gastos seja suficiente para reduzir o alto custo de capital no Brasil, que tem várias origens, sendo a insegurança jurídica a não menor delas. Óbvio que Lula&Alckmin querem jogar a bomba no colo do BC, nesse caso.
Ah sim, e tem o “investimento nas pessoas”. Afinal, como dissemos acima, sem mão de obra qualificada, nada feito. E quais são esses investimentos? Bolsa Família e aumento do salário mínimo! Não sei se choro de rir ou choro de chorar mesmo.
O último parágrafo encerra com a tese inicial, para que ninguém tenha dúvida do que estão falando: a indústria será o condutor da política econômica. O Brasil retomará a linha de produção de esqueletos e zumbis que ainda hoje assombram as contas públicas sem terem movido um milímetro sequer o ponteiro da industrialização brasileira. Está aí, escrito, preto no branco, para que ninguém possa alegar ignorância depois.
Em 1990 (século passado, portanto) fui admitido no programa de trainee do Lloyds Bank. Não era minha intenção trabalhar em banco quando me formei em engenharia, mas era o emprego possível em um país destroçado pelo Plano Collor.
E que emprego! Não dava para reclamar. Não podia haver maior símbolo de solidez. Um dos maiores bancos do Reino Unido, o Lloyds Bank tinha, à época, nada menos que 127 anos de presença no Brasil. Depois do Banco do Brasil, era a casa bancária mais antiga em atividade no país.
Ao longo da década de 90, eram comuns os boatos de saída do banco do país. A argumentação da diretoria era sempre a mesma: com 127, 130, 135 anos de presença no Brasil, o banco saberia sobreviver aos problemas do nosso país e não tinha a mínima intenção de interromper essa história.
Saí do Lloyds Bank em 2000 e, em 2003, o Lloyds Bank saiu do Brasil, vendendo seus ativos para o HSBC e colocando um epílogo em 140 anos de história. O HSBC, alguns anos depois, venderia seus ativos para o Bradesco, seguindo o mesmo caminho.
Dizem que o melhor negócio do mundo é um banco bem administrado e o segundo melhor, um mal administrado. Não é bem assim. Bancos, como qualquer negócio, precisa ser bem administrado. E, como qualquer setor da economia, segue um determinado ciclo de vida. No caso, a indústria bancária no Brasil, principalmente no varejo bancário, entrou em sua fase de maturidade nos anos 90-2000. Nessa fase do ciclo, as empresas que têm a pretensão de sobreviver precisam ganhar escala e investir muito, principalmente em tecnologia, para simplesmente permanecer no jogo. O Lloyds Bank avaliou que não valia a pena e resolveu abandonar a mesa. HSBC e Citibank tomaram a mesma decisão alguns anos depois.
Assim como a queda de um avião é o resultado de uma cadeia de acontecimentos que resulta no acidente, uma decisão empresarial é normalmente o resultado de uma série de fatores e decisões anteriores. No caso do Lloyds Bank, a indústria bancária avançou para a consolidação e o banco decidiu não acompanhar. Claro que o ambiente de negócios complexo e volátil teve o seu papel, talvez em um ambiente melhor a decisão tivesse sido diferente. Talvez.
Todo esse filme me passou pela cabeça quando a Ford anunciou a sua decisão de sair do país depois de mais de 100 anos de atividades. Assim como os bancos, as montadoras também têm essa aura de que têm margens de lucro absurdas, pois os carros no Brasil “são muito caros”. O fechamento da Ford não orna com essa percepção.
Claro, o ambiente de negócios complexo e volátil deve ter tido o seu papel na decisão. Mas a Ford está inserida em uma indústria em profunda transformação e, pelo menos no Brasil, estava perdendo terreno há anos. A decisão de sair do Brasil é fruto dessa conjunção de fatores, difícil apontar o dedo para um só. Mas, claro, não deixa de ser impactante.
Fica aqui minha solidariedade às famílias dos funcionários da Ford, alguns dos quais são meus clientes e amigos.
Mais um editorial do Estadão clamando por alguma “política pública” para levantar a indústria brasileira. Como é comum nesse tipo de argumentação, está a comparação com o “sucesso do agronegócio”, que só teria evoluído porque recebeu incentivos de crédito e pesquisa por parte do governo.
É lugar comum pensar no agronegócio como o “salvador da lavoura” (sem trocadilhos) da economia brasileira. Este setor da economia seria o responsável por dar robustez às contas externas, livrando o país do fantasma da crise de balanço de pagamentos que tantas vezes nos assombrou durante a nossa história.
Vejamos o que dizem os números.
Hoje, as exportações brasileiras são dominadas basicamente por três grandes grupos de produtos: agrícolas, industriais e extrativa mineral. Quanto cada um desses representa na pauta exportadora? Respectivamente 29%, 31% e 25%. Surpreso? Pois é. Exportamos, em termos absolutos, o mesmo em bens industriais e produtos agrícolas.
Como era essa divisão 20 anos atrás? Em 1999, eram 27%, 52% e 9%. Portanto, o que houve foi uma perda de importância da indústria para a mineração, e não para a agricultura. E, dentro da mineração, para o petróleo, não para o minério de ferro.
O que ocorreu neste período é que os números absolutos cresceram muito, em função da demanda da China. Então, ficamos superavitárias na balança comercial. Mas não por mérito especial do agronegócio. Aliás, dentro do agro ocorreu uma mutação interessante: a soja representava 30% da pauta exportadora agrícola há 20 anos, e hoje representa 50%. Tudo demanda da China.
Vamos olhar de outra forma: há 20 anos, exportávamos cerca de U$50 bilhões. Hoje, exportamos U$225 bilhões, um crescimento de 350%, ou 8% ao ano. As exportações agrícolas cresceram, no mesmo período, de 13 para 65 bilhões, ou pouco acima de 8% ao ano. Por outro lado, as exportações de soja cresceram 11% ao ano no mesmo período. O que houve foi uma rotação dentro do setor agrícola para atender a China.
Tudo isso pra dizer que existe uma certa mística em torno do agronegócio, que se transforma em uma miragem inalcançável para a indústria. Como se “Brasília” (sim, o editorial cita a capital da burocracia como solução dos problemas) tivesse o condão de fazer pela indústria o que “fez” pelo agronegócio. Ora, Brasília, se fez alguma coisa, foi atrapalhar o agronegócio, com uma infraestrutura caindo aos pedaços da porteira para fora da fazenda, além do pesadelo tributário e legislativo que nos impõe a todos. Os paliativos que oferece, como as pesquisas da Embrapa ou linhas subsidiadas de crédito, são só isso mesmo, paliativos.
O agronegócio só conseguiu manter o seu share nas exportações porque apareceu a China demandando nossa soja e temos uma vantagem competitiva nessa área, que é o clima e o solo. Como é óbvio, essas vantagens competitivas desaparecem quando se trata da indústria. É um verdadeiro milagre que produtos industriais ainda representem um terço das nossas exportações. Trata-se de um setor que sobreviveu a incontáveis “políticas industriais” ao longo de décadas. Nossa indústria é “nascente” desde que Getúlio resolveu instalar a CSN. Sabe como é, quase 80 anos não foram suficientes. É preciso que Brasília “faça alguma coisa”.
Pedro Cafardo, editor-executivo (!) do maior jornal de finanças e economia do país, comete mais um artigo inacreditável hoje no Valor Econômico.
O colunista é saudosista do tempo em que os industriais “tinham voz”, na pessoa de Antônio Ermírio de Moraes. Ou seja, o tempo em que o lobby da indústria funcionava, e arrancava do governo benefícios subtraídos do restante da sociedade. O novo programa de incentivo à indústria automobilística deve ser somente um acidente de percurso nessa “falta de apoio governamental à indústria”.
Cafardo também chora o “encolhimento absurdo do BNDES”. Faltou dizer que nos tempos áureos de Antônio Ermírio, o balanço do BNDES raramente representava mais de 1% do PIB. Esta participação foi elevada a quase 10% do PIB nos anos Dilma, e o que colhemos foi a maior recessão da história brasileira. Hoje, essa participação está em cerca de 4% do PIB, ainda quatro vezes mais do que nos tempos de Antônio Ermírio. E o colunista vem falar de encolhimento.
Outro ponto é o nível dos juros e do spread bancário. Antônio Ermírio, assim como todos os brasileiros, sempre reclamaram do nível dos juros. Ocorre que estamos, hoje, com a Selic no menor nível da história, tanto em termos nominais quanto em termos reais. O spread bancário continua sendo um problema, e tem a mesma raiz da questão que tornam absurdos os preços dos automóveis brasileiros: impostos. O aumento da alíquota da CSLL sobre os lucros dos bancos só vai piorar o problema.
Antônio Ermírio representava uma casta de industriais que serviam de fonte para os jornalistas. Hoje, segundo Cafardo, os jornalistas vão sondar a opinião dos profissionais do mercado financeiro. Que nunca, segundo ele, defenderão a queda dos juros. Bem, se o colunista lesse o próprio jornal onde é editor-executivo, veria opiniões de muitos executivos do mercado na direção da queda da Selic. Inclusive, o próprio relatório Focus, que traz a mediana das expectativas do mercado, indica Selic de 5,75% no final do ano.
Só faltou o câmbio no cardápio da “desindustrialização brasileira”. Deve ter faltado espaço na coluna.
Enfim, um amontoado de mistificações que servem para defender uma agenda que já se mostrou perniciosa para o país. Que o digam os 12 milhões de desempregados.
Luis Eduardo Assis, ex-diretor do BC, escreve artigo com um assunto sobre o qual já havia lido em outros lugares: o estímulo estatal a indústria local anunciado pelo ministro das finanças da Alemanha.
Segundo Assis, deveríamos aprender com a Alemanha. Afinal, eles têm um sucesso incontestável na indústria e, se eles estão planejando suporte estatal, então deve estar certo!
Seria assim se fosse assim.
O próprio artigo aponta que, de 1991 para cá, a representatividade da indústria no PIB da Alemanha caiu levemente, de 24,9% para 21,1%, enquanto no Brasil despencou de 22,1% para 10,5%. O que deveríamos estar investigando, então, é o que a Alemanha fez de diferente do Brasil nesse período, não aquilo que foi anunciado pelo ministro, cujos resultados conheceremos apenas nos próximos anos.
Confesso que não sei o que a Alemanha fez, mas nós sabemos o que fizemos para destruir a nossa indústria nos últimos 30 anos. O próprio autor do artigo descreve: “juros subsidiados, incentivos fiscais e reservas de mercado”, em grande parte aproveitados por “lobbies poderosos que capturaram o Estado”. Perfeito. E o que temos a aprender com o neo-intervencionismo alemão? Na verdade, parece que eles têm mais a aprender conosco nesse quesito.
O Valor traz uma reportagem sobre como a indústria 4.0 tem tido uma implementação muito lenta no Brasil.
O diagnóstico é a falta de mão de obra qualificada. Talvez a intervenção estatal seja por aí, na formação da mão de obra, e não um fundo para evitar a desnacionalização de empresas, que é o que a Alemanha acabou de fazer. Fora resolver o pesadelo tributário, a infraestrutura precária e todos os outros obstáculos que fazem do industrial brasileiro um herói da sobrevivência.
Há muito o que fazer para chegarmos ao patamar onde hoje se encontra a Alemanha, para daí pensarmos em estímulos diretos à indústria. Os quais, como vimos no caso brasileiro, não servem de nada. O autor do artigo diz que os alemães nos ensinaram a jogar futebol. Não custa lembrar que a seleção alemã foi humilhada na última Copa, sendo eliminada na primeira fase. Arrisco a dizer que, adotando a receita brasileira, a Alemanha arrisca a sua indústria ao mesmo destino.
Ciro defende um “câmbio competitivo” para ajudar na “reindustrialização” do país.
Ao mesmo tempo, Ciro defende a ideia de vender US$ 200 bilhões das reservas para pagar a dívida.
Como Ciro pretende internalizar US$ 200 bilhões e, ao mesmo tempo, desvalorizar a moeda, é desses mistérios que somente um gênio da raça como o Coronel domina.