A estratificação por faixas etárias

No meu (longo) post anterior, cito de passagem a experiência da Islândia. O pequeno país do Ártico, que não conta com muitos raios UV para acabar com o vírus, está tentando controlar a doença utilizando um método um pouco mais científico: a testagem em massa.

O site do governo islandês dá um show de informação. Que inveja! Vamos lá.

A Islândia até hoje testou 42.271 pessoas, ou nada menos que 12,6% de sua população. Seria o equivalente, no Brasil, a testar 26 milhões de pessoas. Acho que nem daqui a um século.

O número de contaminados é de 1.771 pessoas, ou 4,1% da população testada. Ou seja, estão longe de atingir imunidade de rebanho. Em relação à população total, representa 0,5%. Se tivéssemos o mesmo nível de testagem com o mesmo grau de contaminação, teríamos o registro de aproximadamente 1,1 milhão de casos no Brasil. Mesmo que tenhamos metade da contaminação da Islândia, seriam mais de 500 mil contaminados hoje. Outro dia saiu um estudo, que comentei aqui, que dizia que o Brasil teria mais de 300 mil casos. Talvez não seja nenhum absurdo.

Mas o ponto que eu queria comentar é o seguinte: a Islândia estratifica os contaminados por faixa etária. Essa informação vale ouro, porque se uma determinada faixa etária for, por algum motivo, mais imune, pessoas dessa faixa etária poderiam circular mais por aí. Isso é de especial interesse para as crianças. As escolas estão fechadas porque não sabemos se as crianças pegam mais ou menos a doença, e se poderiam ser vetores do vírus em suas casas. As estatísticas mostram que os mais velhos são mais acometidos pela doença simplesmente porque os testes são aplicados nas pessoas que chegam aos hospitais, normalmente as mais velhas.

Fiz o seguinte: peguei a distribuição de casos por faixas etárias e dividi pelo número de pessoas em cada faixa etária de acordo com a pirâmide populacional do país. Com mais de 12% da população testada de maneira aleatória, esse número deve estar próximo da realidade. Tive que fazer pequenas interpolações, pois as faixas etárias dos casos não casam exatamente com as faixas etárias da pirâmide etária. Os resultados foram os seguintes (os resultados devem ser comparados com 4,1%, que é o índice de infecção sobre a o número de testados e que, supostamente, representa o percentual total de infectados no país):

  • 0-4 anos: 1,3%
  • 5-9 anos: 0,9%
  • 10-14 anos: 1,7%
  • 15-19 anos: 4,8%
  • 20-29 anos: 5,0%
  • 30-39 anos: 4,9%
  • 40-49 anos: 6,6%
  • 50-59 anos: 5,5%
  • 60-69 anos: 4,6%
  • 70-79 anos: 2,1%
  • 80-89 anos: 1,2%
  • mais de 89 anos: 2,7%

Observe que a faixa de 15 a 69 anos apresenta um grau de infecção que é, grosso modo, o dobro ou um pouco mais, em relação às faixas inferiores e superiores da pirâmide. Se isso for verdade, a letalidade nos bem mais velhos (acima de 80 anos) é bem maior do que se imagina, pois mesmo “pegando” menos a doença, estão morrendo mais.

Mas é para a faixa inferior que quero chamar a atenção: as crianças até 14 anos aparentemente estão menos suscetíveis à doença! Isso significa que, talvez, a reabertura de escolas possa ser possível, com alguns cuidados especiais de higiene. Ou seja, não tem nada a ver com “crianças aspiradoras de vírus” sem base científica alguma. Estamos diante de dados que podem ser significativos.

Não tenho formação epidemiológica e nem estatística, portanto esta análise pode estar totalmente furada. Mas acho que os dados que vêm da Islândia podem sim ser muito úteis para compreender cada vez mais o comportamento do vírus e dirigir as políticas públicas com base em conhecimento científico.