O autoritarismo dos bons

Em fevereiro de 2013, a blogueira cubana Yoani Sánchez teve a sua palavra cassada por “manifestantes” em um evento na Livraria Cultura. Seu pecado? Criticar o regime cubano.

Em janeiro de 2023, o Centro Acadêmico XI de Agosto pretende cassar o direito de Janaína Paschoal de lecionar nas Arcadas. Seu pecado? Ter apoiado Jair Bolsonaro.

Em ambos os casos, os “manifestantes” se colocam do lado ”certo” da história, e se mostram “intolerantes com os intolerantes”, como se auto-descreve o presidente do XI de Agosto, em resposta aos professores que demonstraram apoio a Janaína. Torquemada não diria melhor.

Coincidentemente, matéria dessa semana na Economist chama a atenção para uma espécie de “bunkerização” da vida acadêmica nos EUA, em que liberais e conservadores cavam suas trincheiras e isolam suas universidades da “má influência” de quem tem ideias contrárias.

Os exemplos que a Economist usa, no entanto, mostram bem onde está o problema. Enquanto as trincheiras dos conservadores estão sendo cavadas por governadores simpáticos à causa, como De Santis na Flórida, as trincheiras liberais têm sua origem dentro das próprias universidades, que, segundo exemplo dado na matéria, aplicam questionários de “pureza ideológica” na admissão de professores. Em um caso, o autoritarismo vem de fora, no outro, nasce no próprio âmago do espaço que deveria ser plural por definição.

A aplicação de questionários DEI (Diversity, Equity and Inclusion) exige respostas padrão em um mundo complexo e confuso, e tem como pressuposto que repostas um milímetro fora do esquadro já denotam um exterminador de judeus em câmeras de gás em potencial. O mesmo padrão se exige em redações do ENEM, em que as respostas devem “respeitar os direitos humanos”, sendo que a régua deste “respeito” está nas mãos dos “intolerantes do bem”.

É preciso dar nome certo aos bois. Por mais que se vejam como o supra-sumo da democracia, os “manifestantes” que calaram Yoani Sánchez e que querem impedir Janaína Paschoal de lecionar (e certamente impedirão, invadindo as suas aulas) são autoritários, que querem impor suas ideias na base da força. O pluralismo e o debate de ideias, que é a própria essência da Universidade, cai vítima da intolerância dos bons. Parabéns aos que plantaram essa semente e cuidaram diligentemente para que germinasse.

Breves notas sobre as eleições

1) Os institutos de pesquisa são os grandes perdedores dessa eleição. As consideradas “padrão ouro” se provaram “padrão estrume”. Ainda vou fazer um levantamento mais sistemático dos erros, mas não precisa ser estatístico para isso, são visíveis a olho nu. A conclusão é de que talvez seja melhor mesmo contar motos em motociatas do que olhar os números das pesquisas.

2) Fernando Gabeira, na Globo News, com sua usual honestidade intelectual, reconheceu que o conservadorismo é uma força política a ser considerada na equação da democracia brasileira. Ele confessou que subestimou essa força em suas análises.

3) Bolsonaro chega ao 2o turno com moral muito mais elevado do que seu adversário. Isso, no entanto, não torna sua vida mais fácil. Faltaram apenas 1,7% dos votos para Lula ganhar no 1o turno. Ele ficou muito perto da vitória. Bolsonaro, para ganhar, precisa virar votos do próprio Lula, não basta conquistar os eleitores de Ciro e Tebet. Não é uma missão impossível, mas é bem difícil.

4) Janaína Paschoal teve 450 mil votos, menos de 1/4 do que obteve em 2018. Quando escrevi aqui que ela errou completamente o timing de sua candidatura ao senado, muitos se revoltaram, afirmando que iriam votar na deputada. Infelizmente, Janaína perdeu o tempo da política.

5) Tiririca teve apenas 70 mil votos, uma sombra do que já teve no passado. Foi eleito pelo quociente eleitoral. Ele, que já foi puxador de votos, dessa vez foi puxado.

E olhe lá

Janaína Paschoal surgiu no cenário nacional como a advogada que conduziu a parte técnica do impeachment de Dilma Rousseff. Miguel Reali Jr emprestou seu prestígio, mas foi Janaína quem carregou o piano. Extremamente articulada e expressiva, logo chamou a atenção dos partidos. A popularidade da algoz de Dilma a faria competitiva para a eleição de qualquer cargo. Chegou a ser cogitada, inclusive, para ser a vice de Bolsonaro.

Inexplicavelmente (talvez por não querer se mudar para Brasília), Janaína decidiu concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa de SP. Recebeu a maior votação da história para qualquer cargo no legislativo em qualquer esfera de poder. Com mais de 2 milhões de votos, foi mais votada, inclusive, que Eduardo Bolsonaro, o deputado federal mais votado em 2018. O único representante do bolsonarismo para o senado havia sido Major Olímpio. Janaína, como segundo representante do PSL, levaria fácil a segunda vaga, na onda bolsonarista que varreu o país e, em especial, São Paulo.

Agora, com o bolsonarismo em baixa e o impeachment de Dilma há distantes 6 anos, Janaína resolveu se lançar candidata ao senado. E, claro, como um elefante em uma loja de cristais, já começou a fazer estragos.

Janaína não fez como Joice Hasselman ou Alexandre Frota, que romperam formalmente com o bolsonarismo. Mas seus tuítes ao longo dos últimos 4 anos, onde se coloca, a mais das vezes, como uma analista distante da cena política nacional, irritou não poucos bolsonaristas. Resultado: Janaína hoje não conta com o apoio do bolsonarismo-raíz e, tampouco, com a sua oposição. Tem os votos, se muito, dos eleitores do “centro”. Mas estes costumam torcer o nariz para o seu jeito, digamos, histriônico.

Resumo da ópera: quando tinha votos para se eleger senadora, Janaína Paschoal decidiu concorrer a deputada estadual. Agora que decidiu concorrer para senadora, provavelmente vai ter votos suficientes para se eleger deputada estadual. E olhe lá.

O absurdo do inquérito do STF

Janaína Paschoal descreve em poucos tuítes o absurdo que está se passando no STF hoje.

Mas fiquem sossegados os corações timoratos, que temem pelas instituições brasileiras: a Lei do Abuso de Autoridade não alcançará o Egrégio Colegiado.

A nova fronteira da democracia

“De 513 (deputados), mais estatuais e municipais que nós elegemos, pusemo-nos nas mãos de 11 nomeados dos quais, para nos arrancar a pele, bastam 6. Isso se ninguém recorrer à ‘monocracia’!”. Trecho do artigo de Fernão Lara Mesquita, hoje, no Estadão.

O impeachment de ministros do STF é a nova fronteira da democracia brasileira.

Fora da política não há salvação

“Ele sangrou por ti!”

Quem me acompanha sabe que afirmei várias vezes que o petismo havia se tornado uma seita, no sentido de formar um grupo de iniciados que idolatram um messias e rechaçam qualquer crítica como se fosse uma heresia.

Pois bem, essa convocação confirma o que já vinha ficando claro há algum tempo: os bolsonaristas estão também formando uma seita. Lançam seus “fatwa” sobre todos aqueles que ousam sair um milímetro que seja da fidelidade devida ao seu mestre. A lista é longa, e inclui desde aliados de 1a hora até expoentes da direita brasileira. Todos uns traidores.

Tenho acompanhado as redes bolsonaristas, até para entender o que se passa. Existe uma ilusão de que Bolsonaro será capaz, com a força do “povo” nas ruas, dobrar o Congresso para aprovar a sua pauta. O mesmo “povo” que era monopólio da outra seita, o petismo. Deu no que deu.

Lamento trazer más notícias: não tem o mínimo risco de dar certo. Achar que aquele povo todo que saiu nas ruas para pedir o impeachment da Dilma vai serrar fileiras em torno de Bolsonaro é uma ilusão de ótica. Ser contra o PT não é o mesmo que ser a favor de Bolsonaro. São duas coisas, aliás, bem diferentes.

Neste caso, estou com a Janaína, a próxima, provavelmente, a ser alvo de um fatwa: não faz sentido uma manifestação a favor do governo. Isso é coisa de chavista, de peronista, de petista.

O governo tem em mãos todos os instrumentos de poder dentro dos limites de uma democracia, onde o presidente não é o dono da verdade, o possuidor da chave do bem e do mal, o messias. Ele só precisa fazer política. Não a “nova” ou a “velha”, apenas política.

“Ele sangrou por ti!”. Uma mensagem messiânica, não política. E fora da política, não há salvação.

Fazendo política

Cauê Macris (PSDB) deu uma surra em Janaína Paschoal, a deputada dos 2 milhões de votos: 70 x 16.

Enquanto Janaína conversava com seus eleitores no Twitter, Cauê conversava com seus colegas deputados. Fez aliança com todo mundo, inclusive com o PT, e massacrou sua adversária.

– Ain, mas foi uma aliança de bandidos, que não estão nem aí para o povo!

Pois é, esses bandidos foram tão eleitos quanto Janaína. Estão na Assembleia porque lá foram colocados pelo voto popular.

Admiro Janaína Paschoal, acho que ela tem uma grande contribuição a fazer para o debate político e para a população de São Paulo. Mas, para isso, precisa fazer política.

A deputada mais votada da história do Brasil não conseguiu se eleger presidente da Assembleia Legislativa. Não adianta dizer que isso diz muito sobre a Assembleia que temos. As coisas são como são, e Janaína será apenas um voto vencido se não começar a conversar com seus pares. Triste fim para os seus 2 milhões de eleitores.

O mesmo alerta serve para boa parte da bancada do PSL. Precisa começar a fazer política. Caso contrário, serão deputados de rede social sem real influência sobre as votações do Congresso.

Assembleia vazia

Os deputados estaduais eleitos de São Paulo assumem o cargo no dia 15/03, inacreditáveis 75 dias depois da posse do governador. Resultado: plenário vazio e uma perda de tempo lamentável.

Faria bem Janaína Paschoal e os deputados que dizem representar a “nova política” definir como nova data de posse o dia 01/02, como ocorre na Câmara Federal. Estariam cortando 45 dias de seus próprios mandatos pelo bem de São Paulo. Vamos ver.