Demonizar serve para fazer política, não para resolver problemas

Relatório preliminar do ONS responsabiliza as usinas eólicas e solares do Nordeste pelo apagão de agosto. A coisa é mais ou menos a seguinte.

Por algum motivo, a linha de transmissão Quixadá-Fortaleza caiu, mais ou menos como um disjuntor cai quando há alguma sobrecarga em uma residência. Coloco o mapa abaixo para dar uma ideia do tamanho da linha (165 km) em relação ao Brasil. Obviamente, não pode ter sido a única explicação para que um terço do país, de norte a sul, ficasse sem energia. E não foi.

Em casos como esses (que são mais ou menos comuns), há um sistema de backup, com a entrada em ação de geradoras dos arredores para compensar aquela linha que caiu. Ocorre que, nos modelos do ONS, as usinas eolicas e solares poderiam gerar muito mais do que efetivamente geraram naquele momento. Aparentemente, houve uma bela diferença entre o que os geradores informaram ao ONS e aquilo que efetivamente entregaram na hora do vamos ver. O relatório propõe uma série de mudanças para que isso não ocorra novamente, principalmente no que se refere à real capacidade dessas usinas.

Não se trata de demonizar as usinas eólicas e solares, que são muito úteis em uma matriz elétrica diversificada, mas apenas dimensionar corretamente a sua capacidade de entrega de energia. Demonizar é prática de quem quer usar qualquer assunto para ganhos políticos, como fez o governo Lula, ao atribuir o apagão à privatização da Eletrobrás. Trata-se de problema técnico que afeta milhões de brasileiros, e que deve ser tratado de maneira técnica.

Piscou

Como assim, “Lula pressiona Fazenda”? Lula é o chefe da porra toda S/A! Imagine que chefe pressiona subordinado. Chefe manda, subordinado obedece ou pede o boné. Essa de “pressionar” é só pra se desvincular do fiasco, com a ajuda dos coleguinhas da imprensa, ávidos por “notas de bastidor”. Típico.

O legal é ver até a Janja engajada em isentar a Shein, mesmo depois da aulinha que recebeu do Haddad no avião. Pelo visto, aquele tuíte em que a primeira-dama defendia a medida era fake, ou ela “desentedeu” aquilo que havia “entendido”. E o Felipe Neto, então? Já deve estar bolando outra thread para defender a não taxação.

O fato é que nem a Shein o governo consegue taxar, imagine outros setores, com seus lobbies encastelados no Congresso. O novo “arcabouço fiscal” só para em pé com aumento de carga tributária, o que passaria por fechar os “buracos” por onde vaza a arrecadação. O “buraco” da Shein já se mostrou mais embaixo. Vamos ver quando Haddad for enfrentar os lobbies de verdade.

Burguesia proletária

Entrevista com Helô Rocha, a estilista que vestiu a primeira-dama em seu casamento e na cerimônia de posse. Depois de ficarmos sabendo que a estilista conheceu Janja através da amizade comum com Bela Gil, em cujo restaurante acertaram os detalhes do vestido para o casamento, Helô nos brinda com sua, digamos, visão sobre a indústria da moda.

Segundo a estilista da primeira-dama, roupa tem que ser cara. Roupa muito barata significa que alguém não está sendo remunerado ”adequadamente” na cadeia de produção. Por isso, para que todos sejam remunerados “adequadamente” e, mesmo assim, a roupa seja acessível, seria necessário que o governo ”apoiasse” a indústria.

É difícil saber até por onde começar. Talvez, para ser técnico, pela inconsistência econômica da proposta. A estilista sugere que o imposto pago pelos pobres seja usado para subsidiar as empresas de moda, para que essas empresas supostamente vendam roupas mais baratas para esses mesmos pobres, na heróica hipótese de que o lucro adicional proporcionado pelos subsídios fosse repassado aos preços. Isso é o que eu chamo de economia circular!

Não ocorre à estilista que nem todos os brasileiros tenham, digamos, o acesso a recursos financeiros que a primeira-dama tem. Portanto, são obrigados a espremer as roupas de que necessitam dentro de um orçamento já atulhado de outras necessidades igualmente relevantes. As roupas baratas, normalmente feitas na China por operários mal pagos, são uma benção para esses brasileiros. E, acredite, são também uma benção para esses chineses, pois a alternativa seria viver no campo em condições ainda piores. O termo “salário adequado” é muito relativo.

Mas essas questões técnicas são as menos interessantes. O que mais me chamou a atenção nessa breve entrevista é o seu aspecto, digamos, sociológico. Trata-se de um exemplo acabado de “burguesia proletária”.

Antes de continuar, quero recordar uma matéria sobre a esposa de João Doria, publicada, se não me falha a memória, na Folha de São Paulo, logo após a eleição do marido para a prefeitura de São Paulo. Bia Doria é caracterizada, então, como uma dondoca desmiolada, cheia de vontades e frivolidades. Uma autêntica representante da burguesia brasileira.

Janja não. A primeira-dama é caracterizada, logo de saída, como uma mulher forte, que sabe o que quer. O fato de ter acesso a um vestido que não saiu por menos de algumas dezenas de milhares de reais (e Deus sabe de onde saiu esse dinheiro) não a caracteriza como burguesa. Ela é uma “mulher do povo”, que se casou com um “homem do povo”. O vestido desenhado pela Helô é uma concessão que se faz à vanguarda do proletariado, assim como as dachas da nomenklatura soviética. É o que eu chamo de “burguesia proletária”.

E não adianta apontar a contradição. Na verdade, todos as brasileiras deveriam poder contar com um vestido de noiva decente. Para isso, é preciso “apoiar” a indústria da moda com muitos subsídios. Afinal, foi para isso, além de tornar a picanha mais acessível, que seu marido foi eleito. Enquanto isso, não há nada demais em que a primeira-dama tenha o seu dia de princesa.