A sociedade brasileira é estruturada em torno da corrupção

Segundo a Lei da Ficha Limpa, membros do MP não podem se candidatar a cargos eletivos se houver algum processo administrativo contra si. Quando Deltan Dallagnol pediu exoneração, não havia. Portanto, sua candidatura era limpa, conforme a lei. Assim havia sido o entendimento unânime dos juízes do TRE-PR, que deferiram a sua candidatura. No entanto, os juízes do TSE, por unanimidade, entenderam que os procedimentos contra o ex-procurador no MP iriam se tornar processos se Deltan não tivesse pedido para sair. Portanto, viram nisso uma “manobra” para burlar a lei.

Não vou aqui entrar no mérito da decisão. A interpretação dada pelos juízes é possível, ainda que possamos discutir sua justeza até o fim dos tempos. O fato é que há juízes, e quando os juízes decidem, acabou, mesmo que não concordemos com o mérito. A questão de fundo é como lidar com uma legislação e um sistema de justiça montados para proteger o criminoso, principalmente o de colarinho branco.

Com o benefício de olhar pelo retrovisor, podemos concluir que a tática usada por Moro, Dallagnol e Cia para lidar com o arcabouço jurídico/político corrente não deu certo. Por outro lado, penso ser ingenuidade achar que a turma da Lava-Jato poderia atingir os resultados desejados seguindo os trâmites by-the-book da justiça brasileira. Não que eu ache que eles tenham passado a risca em algum momento. Mas é disso que são acusados: “combinação juiz-promotor”, “delações forçadas”, “juiz não natural” e outras cositas más. Aliás, é por isso que Dallagnol tinha procedimentos contra si no MP. Digamos que tivessem evitado todas essas cascas de banana. Teriam chegado a algum lugar? E se tivessem chegado, outras cascas seriam encontradas nesse nosso maravilhoso arcabouço jurídico tupiniquim.

A sociedade brasileira é estruturada em torno da corrupção. A pequena e a grande. A corrupção, como já afirmou alguém, é a graxa que mantém as engrenagens funcionando. Essa é a realidade que nos condena à eterna mediocridade. Qualquer tentativa de mudar essa realidade estará fadada ao fracasso.

Escolhendo a desonra

Ainda sobre a candidatura de Lula mesmo contra a Lei da Ficha Limpa, como uma solução de compromisso para “preservar a democracia”, ou para “garantir a governabilidade”.

Essa situação me faz lembrar a leitura completamente equivocada das potências ocidentais em relação a Hitler antes da 2a Guerra e em relação a Stálin após a 2a Guerra.

Kissinger, em sua monumental obra Diplomacia, descreve com precisão: as potências ocidentais (Inglaterra e França antes da guerra, EUA depois da guerra) queriam a paz a qualquer custo. Desconsideravam os objetivos do seu interlocutor. Ou melhor, assumiam que o objetivo era o mesmo. E, com isso, fizeram concessões e mais concessões, até que ficou claro que Hitler não iria parar até conquistar a Europa e Stálin tivesse instalado governos-títeres em todos os países da Cortina de Ferro. Mas aí, já era tarde demais.

Enquanto as forças que jogam o jogo democrático continuarem achando que o PT joga o mesmo jogo, continuarão a ceder terreno, até ser tarde demais. Aí, só restará a luta com “sangue, suor e lágrimas”, como disse Churchill, um dos poucos que entenderam a real natureza dos seus oponentes. Sangue, suor e lágrimas que nossos vizinhos venezuelanos estão vertendo nesse momento.

Parafraseando Churchill, entre o descumprimento da lei e a guerra, eles escolheram o descumprimento da lei, e terão a guerra.

Aposta de risco

Do calendário de manifestações recém divulgado pelo PT, o evento mais importante ocorrerá no dia 25/01: a confirmação da candidatura Lula, independentemente do resultado do julgamento.

Pelo visto, o PT já tomou a decisão estratégica que vai moldar o partido nos próximos anos: trocará um candidato nanico com chances nulas de ser eleito por uma lenda que, qual um El Cid tupiniquim, será levado morto sobre seu cavalo para lutar uma batalha perdida.

Não se trata de uma decisão fácil nem óbvia. Não contar com um candidato a presidente nem participar de coligações significa quase certamente uma bancada no Congresso muito menor que a atual. O PT opta, assim, por plantar uma narrativa de longo prazo, em troca de perdas eleitorais de curto prazo.

Claro, todo esse raciocínio parte do pressuposto de que a Lei da Ficha Limpa não será rasgada, como o foi, por exemplo, a lei do impeachment quando da manutenção dos direitos políticos da presidenta cassada. Talvez o PT esteja apostando nisso, o que não seria uma surpresa, dado o desprezo que o partido dedica às instituições.

De qualquer forma, trata-se de uma aposta de risco, mas talvez a única que tenha restado ao outrora maior partido de esquerda deste planetinha.