A roda-gigante da democracia

A respeito do meu post sobre a democracia no Brasil e a probabilidade de “virarmos uma Venezuela”, vários seguidores desta página argumentaram mais ou menos na seguinte linha: o judiciário está mancomunado com o PT, e é só uma questão de “quando”, não de “se”, vamos virar uma Venezuela. Meu argumento, naquele post, era de que o centro político (não confundir com o “centrão”, ainda que este último faça parte do primeiro) é muito forte no Brasil, e não tolera extremismos. Nosso problema é patrimonialismo, não extremismo.

A confirmar essa visão, uma matéria e uma coluna de hoje no Estadão trazem aspas importantes. A matéria, sobre o “isolamento de Lula na cúpula do Mercosul”, traz falas de Carlos Siqueira e Luciano Bivar, repercutindo as declarações de Lula sobre a Venezuela. Bivar é um expoente do Centrão, mas Siqueira é nada menos que o presidente do PSB, demonstrando que o centro político é mais abrangente que o “centrão”.

Mas o mais importante, e que ganhou pouca repercussão, foi o tuíte do decano do STF, Gilmar Mendes, publicado logo após Lula ter afirmado que a democracia seria um “conceito relativo”, e reproduzido na coluna de Marcelo Godoy. O mesmo Gilmar Mendes que impediu Lula de assumir a Casa Civil no governo Dilma e foi instrumental para que Lula fosse solto e recuperasse seus direitos politicos, esse mesmo Gilmar agora mostra o cartão amarelo ao presidente. É a roda-gigante a que me referi no meu post.

Godoy, em sua coluna, afirma que Lula perdeu o habeas corpus que tinha para falar o que bem entendesse no momento em que os direitos políticos de Bolsonaro foram cassados. Lula era o que havia à mão para o sistema se livrar de Bolsonaro. Agora, Siqueira, Bivar e Mendes alertam que a licença de Lula expirou.

“Simplificação tributária”

Luciano Bivar, aquele que quer ser o vice de Moro, indicou um “técnico” para “conversar” com a equipe econômica do candidato do Podemos.

Trata-se, nada menos, de Marcos Cintra. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Cintra é o principal “teórico” do país por trás do “imposto único”. Leia-se CPMF.

Marcos Cintra foi levado por Paulo Guedes para o governo para assumir a Secretaria da Receita. Cheguei a escrever um post a respeito, dizendo que se tratava de uma “preferência revelada” de Guedes, termo técnico do economês para dizer que Guedes podia negar até a morte, mas o que ele queria mesmo era a volta da CPMF.

O professor da FGV foi defenestrado do governo por pressão de Bolsonaro, que não queria mais um assunto impopular sendo discutido a céu aberto. Isso não impediu que Guedes, várias vezes depois, voltasse a esse que é um de seus assuntos prediletos, acoplado à desoneração da folha de pagamentos.

Agora Cintra volta à cena pelas mãos de Bivar. Fico imaginando a conversa com Pastore. Se é que um dia um dos maiores economistas do país vai se dispor a discutir a genial ideia.

Nó tático

É incomensurável a distância, em termos de poder, entre Jair Bolsonaro e Luciano Bivar. O primeiro é só o presidente da República com uma popularidade não desprezível. O segundo é o obscuro presidente de um partido obscuro. Como então Bolsonaro está passando vexame público na queda de braço com o presidente do seu partido?

Bem, descobrimos todos que presidente de partido manda bagarai. A democracia brasileira (aliás, qualquer democracia liberal) é baseada nos partidos políticos. A vida parlamentar, onde as decisões que importam acontecem, gira em torno dos partidos.

Por isso, em partido com dono, é o dono que indica o presidente. No PT, por exemplo, para ser presidente do partido tem que ter a bênção de Lula. Mesmo de dentro da cadeia. Em partido sem dono, como o PSDB ou o PMDB, o presidente do partido é eleito atendendo às muitas correntes internas.

O PSL é um partido com dono. Chama-se Luciano Bivar. Como todo dono de partido, ele controla verbas e diretórios. Nem a caneta presidencial consegue superar esse poder. Ou melhor, conseguiria, se estivéssemos tratando da “velha política”. Mas como Bolsonaro inaugurou a “nova política”, em que não há barganhas em troca de votos, eventuais promessas de cargos e outras benesses carecem de credibilidade. Afinal, os deputados do PSL foram eleitos sob a bandeira da “nova política”. Como poderiam ceder à “velha”?

Bivar é velha, velhíssima política. E está dando um nó tático em Bolsonaro. No final, o poder do presidente da República deve prevalecer. Afinal, é o presidente da República contra um reles presidente de partido. Mas a batalha deve deixar muitos mortos e feridos no meio do caminho. E o exército de Bolsonaro ficará ainda menor.