O Brasil definitivamente voltou

A coluna do Estadão do domingo nos informa que o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, é o encarregado de Lula para negociar a recuperação da Avibras. Detalhe: Coutinho não é funcionário do governo, ele é sócio de uma consultoria chamada MTempo Capital.

Em abril deste ano, escrevi artigo comentando sobre outra notinha na mesma coluna, em que éramos informados de que o governo buscava uma “solução” para a empresa. Luciano Coutinho é citado naquela notinha, mas não havia informação de qual era o seu papel. O foco estava no aumento dos gastos do governo em defesa, o que, supostamente, salvaria a Avibras.

Na notinha de hoje, por outro lado, é o papel de Luciano Coutinho no negócio que está em foco. Fazendo uma rápida busca, a única menção à consultoria do ex-presidente do BNDES é um site de CNPJs. Não há um website próprio e, tampouco, uma página no LinkedIn. Estranha maneira de fazer marketing.

Luciano Coutinho afirma que não está sendo remunerado pelo governo. Bem, como ainda não foi inventada uma forma de viver do ar, Coutinho deve estar sendo remunerado por alguém. Se não é o governo, só pode ser a Avibras, que contratou o seu principal expertise: ser amigo dos amigos de Lula.

Que bom que o Brasil voltou!

A Fiesp e a marcha batida para a desindustrialização

A Fiesp, sob a nova liderança de Josué Gomes, oxigenou o seu conselho, chamando nomes como Luciano Huck e Michel Temer para dar pitaco. Ok, é sempre bom ver lideranças empresariais abertas a ouvir pontos de vista fora da caixinha. No entanto, quando vemos os economistas que foram chamados para compor o novo conselho, fica claro de que massa a Fiesp é feita.

André Lara Resende é o principal arauto da Modern Monetary Theory (MMT) no Brasil. E o que diz o MMT? Simples. Um país que tem a capacidade de arrecadar impostos na própria moeda que emite pode imprimir dinheiro à vontade para fazer investimentos produtivos, sendo que não há, para isso, limite para a dívida pública ou para a base monetária. O MMT surgiu da tentativa de explicar porque os países desenvolvidos ultrapassaram em muito o limite de dívida pública que se imaginava, há não muitos anos, catastrófico, sem que a inflação desse as caras. Além disso, políticas de “quantitative easing”, em que os bancos centrais monetizam a dívida (compram dívida com dinheiro literalmente emitido para isso) também não tiveram efeito na inflação. Lara Rezende defende que a mesma experiência pode ser transplantada para países como o Brasil, ou seja, podemos imprimir dinheiro e nos endividar à vontade sem que haja efeito inflacionário relevante, desde que esse dinheiro seja usado de maneira “sábia”.

Para essa segunda parte, o uso sábio do dinheiro, a Fiesp vai ouvir os conselhos de Luciano Coutinho, o pai intelectual e operador da política de Campeões Nacionais dos governos do PT. Coutinho vai usar o dinheiro criado do nada do MMT de Lara Rezende para as “políticas de fomento ao crescimento econômico” tão caras aos desenvolvimentistas e tão importantes para manter a indústria nacional em seu estado zumbi.

Não há que se espantar. Essa é a Fiesp sendo a Fiesp. Novos nomes, velhas práticas. Daqui a 20 anos, vamos estar nos perguntando porque o Brasil continuou em sua marcha batida para a desindustrialização e colocando a culpa nos chineses e nos juros altos.

A nossa sina

Hoje, Celso Furtado completaria 100 anos de idade. O Valor Econômico fez uma reportagem especial a respeito, da qual destaquei dois trechos e uma foto.

Celso Furtado, como sabemos, representa para a economia brasileira o que Paulo Freire representa para a educação brasileira. É o seu Norte, a água de onde todos os estudantes brasileiros vão beber.

Uma inteligência brilhante, respeitadíssimo em certos círculos no exterior, desenvolveu a teoria-mãe das causas do subdesenvolvimento brasileiro. O remédio? Intervenção forte do Estado, para dirigir os esforços do mercado em direção ao desenvolvimento. Foi o primeiro Ministro do Planejamento do Brasil (quer coisa mais intervencionista do que “planejamento estatal”?) É o patrono dos chamados economistas desenvolvimentistas.

Nos dois trechos destacados, dois economistas desta escola colocam suas ideias, em sintonia com as de Celso Furtado. Infelizmente, o repórter não fez algumas perguntas que eu gostaria de ter feito. Faço-as aqui, e espero sinceramente que tenham uma boa resposta.

No primeiro trecho, Luciano Coutinho lamenta que o “grande impulso” entre as décadas de 30 e 80 tenha sido perdido, quando a industrialização do país foi impulsionada pela intervenção estatal. Além disso, sente falta de um “projeto de país”.

Minhas perguntas para Luciano Coutinho seriam as seguintes:

  • O que causou a grande dívida que quebrou o país na década de 80?
  • O que causou a hiperinflação da década de 80?
  • Em sua opinião, porque um projeto tão vitorioso como a industrialização entre as décadas de 30 e 70 teve um fim?
  • Se foi vitorioso, porque não nos levou a um patamar superior de desenvolvimento?
  • O senhor foi presidente do BNDES entre 2007 e 2016. O que o impediu de implantar um “projeto vitorioso” de desenvolvimento?

No segundo trecho, Bresser-Pereira, outro expoente da escola desenvolvimentista, defende a intervenção do Estado para regular os “preços básicos” da economia, assim como a China faz.

Minhas perguntas seriam as seguintes:

  • Como seria essa “administração correta” do câmbio, juros e preços? Qual o modelo que seria utilizado?
  • Que outra coisa a China fez nos últimos anos, a não ser explorar a sua vantagem competitiva de ter mão de obra barata e não sindicalizada em um regime de força para se transformar na “fábrica do mundo”? Esse modelo poderia ser replicado no Brasil?
  • O senhor foi ministro da fazenda do governo Sarney em 1987. O que o impediu de “administrar corretamente” os juros e o câmbio?

Por fim, a foto. Trata-se de Celso Furtado ladeado por Maria da Conceição Tavares (a mãe dos desenvolvimentistas) e o então candidato Lula, na campanha de 2002. Não tem imagem que melhor sintetize a nossa sina.

A verdade é que nunca deixamos de ser desenvolvimentistas. Celso Furtado não é o culpado por isso. Ele apenas foi o tradutor mais competente de uma mentalidade enraizada no ethos brasileiro.

Receita para sair da crise

Luciano Coutinho, hoje, em artigo no Valor, dá a sua receita acaciana para a retomada do crescimento: aumentar a taxa de investimento de 15% para 21% do PIB. Como? Fazendo a reforma da previdência, diminuindo a taxa de juros e usando o BNDES para “coordenar” os projetos.

Bem, quando esse senhor assumiu a presidência do BNDES, em 2007, a taxa de investimento era de 17,6% do PIB. Ao sair, em 2016, era de… 15,4%! É chocante como essas pessoas, responsáveis pelo buraco em que nos encontramos, ainda têm a cara de pau de sair por aí dando “receitas para sair da crise”.