Um nome de centro. Qualquer um.

Eliane Catanhêde é colunista política. Não é analista nem muito menos cientista política. É colunista. E, sendo colunista, tudo o que escreve tem fonte, tenha sempre isso em mente.

Não é à toa que o nome de Luiza Trajano aparece nesta coluna. Noutro dia, o nome da fundadora da Magazine Luiza apareceu em uma outra notinha como vice dos sonhos de Lula.

Luiza Trajano está se preparando para entrar no jogo da sucessão de 2022. A colunista descarta Eduardo Leite, por ter “pouca experiência política” mas acolhe o nome de Trajano como uma alternativa séria. No fundo, o que Catanhêde e todos os jornalistas e analistas buscam desesperadamente é uma alternativa “de centro” viável.

Por algum motivo misterioso, Trajano teria chances reais em um campo onde nomes muito mais consistentes como Doria, Huck, Moro e até Eduardo Leite já não têm chances. O desespero obnubila o raciocínio das pessoas.

A importância dos partidos políticos

Um total de 1.216 candidatos concorreram nas eleições presidenciais norte-americanas: Joe Biden, Donald Trump e mais 1.214 candidatos independentes.

Surpreso com essa informação? Pois é. Quem está acostumado a ver apenas dois candidatos disputarem as eleições nos EUA, não imagina a quantidade de maluco que acha que pode ser presidente fora das máquinas partidárias dos partidos Democrata e Republicano.

Quem quer concorrer de verdade à cadeira no Salão Oval, submete-se ao escrutínio interno de um desses dois partidos, para, assim, poder contar com a máquina partidária trabalhando a seu favor. Uma campanha eleitoral do tamanho da americana envolve centenas de milhões de dólares, sem os quais não dá nem para começar a pensar em concorrer.

Pensei nisso quando vi as articulações entre Huck e Moro com vistas às eleições de 2022. Nenhum dos dois pertence a qualquer partido. E, mesmo assim, não são vistos como um dos 1.214 malucos que querem chegar à Casa Branca de forma independente. Pelo contrário: suas pretensões são levadas à sério pelos políticos e pela mídia.

Bolsonaro chegou ao poder em um partido de aluguel, ao qual não está mais afiliado. Nunca teve vida partidária, sempre foi um lobo solitário. A operação Lava-Jato desnudou um esquema de corrupção de tal envergadura, entranhada de tal forma nas máquinas partidárias e no financiamento eleitoral, que a ideia mesma de partido político tornou-se sinônimo de falcatrua. Bolsonaro surfou essa onda.

A questão de fundo, no entanto, é a seguinte: existe democracia sem partidos políticos fortes? Observando-se a experiência das maiores e mais estáveis democracias ocidentais, a resposta é um rotundo não. Ou, por outra: não temos experiência de democracias estáveis sem partidos políticos fortes.

O que é um partido? Um partido é um agrupamento de pessoas com ideias semelhantes e que trabalham de forma mais ou menos unida para chegar ao poder e implementar essas ideias. Um sistema de poder sem partidos fica refém de personalismos: o líder carismático, cuja palavra se torna lei.

No Brasil, temos dezenas de partidos políticos, assim como nos EUA, onde existem 52 partidos além dos democratas e republicanos. Apesar dessa miríade de partidos, somente alguns poucos realmente podem ter a pretensão de chegar ao poder máximo da República.

Um partido político não serve apenas para eleger o presidente. Há um sem número de cargos executivos e legislativos que formam a teia de sustentação de uma candidatura presidencial. Quer dizer, além do dinheiro, estamos falando também de apoio político para a campanha.

O fenômeno Bolsonaro foi único, em um momento particular da história brasileira. Pode até ser reeleito em 2022, com base em seus atributos pessoais, mas dificilmente fará o seu sucessor se não montar uma máquina partidária digna do nome. As dificuldades em montar o Aliança não autorizam muito otimismo nesse campo.

Achar que a democracia brasileira será uma exceção à regra das democracias ocidentais é uma ilusão. Aqui os partidos políticos continuarão a formar a infraestrutura do poder político. Bolsonaro já reconheceu esse fato implicitamente, ao liberar espaços para o Centrão em seu governo.

Huck e Moro, portanto, antes de pretenderem alguma coisa, precisarão encontrar partidos políticos que lhes deem base para a sua pretensão. Como disse acima, o fenômeno Bolsonaro foi único em um momento muito particular da história brasileira. Muito difícil se repetir, a não ser que outro fenômeno do porte da Lava-Jato ocorra novamente.

Uma verdadeira chapa de centro

“Conversa com Moro irrita aliados de Huck”.

Daí, você vai ler a reportagem, e o único “aliado” entrevistado é Flávio Dino, governador do Maranhão e “cotado” para compor chapa com Huck. A reportagem vai além, dizendo que Dino já defendeu publicamente a aproximação de Huck com Lula.

Estamos a 2 anos das eleições. Luciano Huck é apenas uma possibilidade eleitoral. Uma possibilidade remota. A esquerda sonhava com um cavalo de Tróia que a levasse de volta ao poder, e Huck podia fazer esse papel. Ao entabular diálogo com Moro, Huck desmancha ilusões.

O que é uma chapa de centro? Basicamente é uma que é vista como de esquerda por quem é de direita, e vista como de direita por quem é de esquerda. Huck e Moro desagradam bolsonaristas e lulistas. Talvez esteja nascendo aí uma verdadeira chapa de centro.

O encontro de dois luminares

Luciano Huck entrevista o economista francês Thomas Piketti, hoje, no Estadão.

Quando o badalado Capitalismo do Século XXI foi lançado em 2013, a Amazon tinha uma estatística (não sei se ainda tem) de “marcação de livros”. Essa estatística mostrava quais os trechos dos diversos livros disponíveis na plataforma Kindle eram mais marcados pelos leitores. Esses trechos nos dariam uma ideia das principais ideias do livro, na visão dos leitores.

Pois bem, no caso da bíblia de Piketti, as marcações eram muito numerosas no início, passando a ser mais esparsas na medida em que o livro avançava, o que indicava que poucos realmente tinham lido o livro até o final. Eu fui um deles, de modo que posso dizer que sou um especialista em Piketti. O mesmo não posso dizer de Huck, pois se assisti a dois trechos de seu programa, foi muito.

Bem, na primeira parte de sua obra, Piketti faz um trabalho soberbo de compilação de dados com base nos informativos das receitas federais de diversos países. O problema vem na 2a parte, onde o autor francês envereda pela ideologia: ele conclui, com base em sua própria cabeça (os dados não lhe permitem chegar a essa conclusão) que o problema do crescimento econômico é um problema não somente de desigualdade, mas da existência de grandes fortunas. Essa é a sua fixação. O trecho que destaco abaixo sobre Bill Gates está ipsis literis na pg 444 da versão em inglês do seu livro. Este trecho merece outro post.

Abaixo, destaco um trecho em que ele dá uma amostra da sua desonestidade intelectual, que permeia a 2a parte do seu livro. Uma alíquota de imposto sobre um bem não pode ser nominalmente comparada com a alíquota sobre o estoque de riqueza. São coisas completamente diferentes. É como comparar o valor das empresas com o PIB dos países, coisa que já critiquei aqui.

Por fim, gostaria de saber o que Piketti pensaria se soubesse que Huck financiou seu jatinho com juros subsidiados do BNDES, uma espécie de imposto negativo sobre fortunas. Não deixa de ser muito irônico.

Campanha em roupagem de análise

Eliane Catanhêde escreve artigo em que cita “pesquisa caseira” do senador Ciro Nogueira em duas micro cidades do Piauí, que teriam detectado forte crescimento de Luciano Huck.

No final, recomenda que os jornalistas não menosprezem as chances do apresentador, como fizeram com Bolsonaro. Mas, o que pode parecer um “mea culpa”, na verdade não passa de torcida.

A afirmação de que “a massificação de uma inverdade – a de que só Bolsonaro bateria o PT” é em si uma inverdade, além de desnudar a cegueira que ainda acomete a classe.

Se algo ocorreu, foi justamente o inverso: a tentativa de nos convencer de que somente Bolsonaro perderia de Haddad no 2o turno. Essa foi a tática de campanha de Alckmin, além do que diziam todos os analistas (incluindo Catanhêde) e todas as pesquisas. Era óbvio, para quem tinha dois olhos para ver, que o voto anti-PT e anti-sistema era majoritário, mas continuaram insistindo nessa lenda urbana até o dia em que saiu a primeira pesquisa para o 2o turno. Ao atribuir a vitória de Bolsonaro a uma campanha de desinformação, Catanhêde, na verdade, está afirmando que os jornalistas e analistas não erraram, foram apenas vítimas da massificação de uma inverdade. O que faz com que o chamado a “não desprezar Huck” soe mais como campanha do que como análise. Afinal, se os “especialistas” não erraram, qual o objetivo de chamá-los a não errar novamente, a não ser um pretexto para levantar a bola de Huck?

Catanhêde e seus colegas continuam a fazer campanha, não análise.

Só não culpem o liberalismo

Extraído do Estado de São Paulo, 26/10/2019

Luciano Huck dando “lições” aos liberais. Faltaria “afetividade” ao modelo liberal. Sem “olhar as pessoas” vamos implodir, como o Chile.

É realmente do balacobaco.

Huck fala como se o Brasil fosse um exemplo de “modelo liberal” há décadas, e estivéssemos agora enfrentando a desigualdade criada por esse modelo “insensível”. É o justo oposto! Somos um exemplo de país onde o Estado se mete a fazer tudo, onde todos esperam a solução de seus problemas do Estado, e onde incontáveis grupos de sangue-sugas se acoplam ao Estado-Pai-De-Todos para garantir seus privilégios de rent-seeking.

Mais na frente na matéria, Luciano Huck elogia Lula por ter tido esse “olhar para as pessoas”. É o nordestino do sertão que tem uma cisterna e eletricidade e uma geladeira e o bolsa-família, tudo graças ao “Pai-Lula”. Migalhas que caíram da mesa dos privilégios e da roubalheira, somente possível porque Lula teve a sorte de pegar a China crescendo 12% ao ano e comprando tudo o que o Brasil tinha para produzir e vender. Quando acabou o dinheiro da China, acabou a mágica. Temer, e agora Bolsonaro, pegaram um país em frangalhos, depois de anos de políticas públicas de governos que “olhavam as pessoas”. O povo sente a nostalgia de um tempo em que o Brasil tinha dinheiro pra gastar, e do tempo subsequente, em que viveu no cheque especial para manter a ilusão de fartura.

Há uma dicotomia falsa, falsissima (não sei se existe esse aumentativo) entre liberalismo e distribuição de renda. Vou dar um exemplo: saneamento básico. Está para ser votado no Congresso um novo marco regulatório para o setor que permitiria investimento privado de bilhões de reais nessa necessidade zero para o bem-estar das pessoas. Esse projeto de lei está parado há anos no Congresso porque os Estados não querem largar o osso de suas empresas estatais do setor. As estatais, por óbvio, não têm capacidade de investimento. Não investem e não deixam a iniciativa privada investir. Enquanto isso, as crianças brincam no esgoto a céu aberto. Pergunto: quem mesmo não está “olhando as pessoas”?

Huck e seus amigos costumam fazer menção à “boa gestão” aliada a boas políticas públicas como a combinação ideal para “melhorar a vida das pessoas”. Sim, boa gestão. O que é simplesmente impossível em um Estado mastodôntico. É da natureza da máquina pública criar vida própria e sugar recursos que deveriam ser dirigidos a “melhorar a vida das pessoas”. Só existe uma forma de fazer políticas públicas eficientes e perenes: diminuindo o tamanho do Estado e focando-o no que interessa. O bolsa-família, a mais festejada política pública do país, custa R$30 bilhões/ano, contra despesas do governo da ordem de R$3,2 trilhões. Os liberais não querem acabar com o bolsa-família. Os liberais só querem saber para onde vão os outros R$3,17 trilhões.

Huck, como bom empresário que é, sabe de tudo isso. Mas é cool defender a “igualdade” e demonizar o “liberalismo selvagem” pela má distribuição de renda. Tudo marketing político.

O país pode implodir sim. Só não culpem o liberalismo por isso.