Perdendo a virgindade

Todos conhecem a piada do namorado que, tentando convencer a namorada virgem a transar, a tranquiliza dizendo algo que não vou repetir aqui para não ferir suscetibilidades.

Quando o ministro da Fazenda, que é, em tese, o guardião da disciplina fiscal, usa o mesmo artifício do namorado, sabemos que a virgindade foi para o espaço. No caso, o teto de gastos, para todos os efeitos, não existe mais.

Lula está esfregando as mãos. Com sua capa de defensor dos pobres, exige que o auxílio seja de R$600.

Por que não? Afinal, como sabe qualquer casal de namorados, uma vez iniciado o ato, é impossível qualquer tipo de controle. Por que só R$ 30 bilhões? Por que não 60 ou 100 ou 200? Afinal, os pobres estão precisando, e não podemos nos tornar escravos do mercado, como afirmou o sábio Mourão.

O Congresso já está falando de um auxílio de R$500, e para chegar nos R$600 de Lula é um pulinho. Lula não se importa com os eventuais ganhos eleitorais de Bolsonaro porque é reconhecido como o pai do programa, desde sempre vilipendiado por Bolsonaro. Além disso, a deterioração das condições macroeconômicas, com o aumento dos juros, dólar e inflação, pode significar uma perda líquida de popularidade para o presidente no final do dia.

Há um suposto embate ideológico encomendado para o ano que vem, com candidatos de esquerda e de direita polarizando as eleições. Nada mais falso. O inimigo do Brasil não é o comunismo ou o capitalismo. O verdadeiro inimigo do Brasil é o populismo, terreno em que a esquerda e a direita tupiniquim se encontram festivamente.

A esquerda não está rachada

“A esquerda está rachada”.

Não, meus amigos. A esquerda não está rachada. A esquerda está bem unida em torno de Lula. Até o PSOL, que sempre tem candidato à presidência, deve abrir mão de candidatura própria para apoiar o ex-presidiário.

Ciro, com o apoio inestimável do mago das eleições João Santana, sabe que a única via possível para chegar ao 2o turno é a via do anti-petismo. Até o momento, esse lugar era ocupado soberanamente por Bolsonaro. O pessoal precisa pegar senha para entrar na fila para bater em Bolsonaro. Mas, para bater em Lula, tratado como um estadista por todos os candidatos da “terceira via”, Bolsonaro estava sozinho. Estava.

A bem da verdade, esse posicionamento já vinha sendo construído desde o “Lula está preso, babaca!” de Cid Gomes na eleição de 2018. Foi reforçado pela “fuga para Paris” de Ciro no 2o turno e, desde então, vem num crescendo. Mas o que antes parecia ser uma vingança pessoal, agora toma ares de estratégia eleitoral.

Ciro não está batendo em Lula para tomar os votos dos petistas. Estes estão fechados com Lula. Ciro está batendo em Lula para tomar o voto dos anti-petistas, que hoje estão com Bolsonaro em um eventual 2o turno. Existe uma massa de eleitores arrependidos de Bolsonaro, mas que não deixaram de ser antipetistas. É essa massa que está sendo desprezada por todos os outros candidatos e que Ciro quer conquistar.

Last but not least, bastou Lula abrir a boca pra tropeçar na língua, chamando todos os que pegaram Covid de lesados do cérebro. Ciro teve a virtude de tirar Lula da toca, e seus pontos fracos começam a aparecer. Os outros candidatos da “terceira via” vão esperar quanto tempo para fazer o mesmo?

A função social dos empresários

Príncipe William dá lição de moral em Jeff Bezos e Elon Musk.

Outro dia (publiquei aqui), Lula escreveu o texto que acompanhou a indicação da empresária Luiza Trajano como uma das 100 personalidades mais influentes da revista Time. Lá pelas tantas, o ex-presidente saca o elogio máximo: Luiza não é desses empresários que queimam dinheiro em brinquedos espaciais. Não! Ela tem consciência social.

Príncipe William e Lula podem se dar as mãos. Ambos sabem melhor do que Bezos e Musk onde eles devem aplicar o seu dinheiro. Os dois estão entre os caras mais ricos do mundo, mas é o príncipe e o ex-presidiário que determinam onde é moralmente permitido investir.

Desde a década de 60, sabemos que o investimento em viagens espaciais têm relevância em muitas outras áreas. A tecnologia desenvolvida para levar um foguete até a órbita da Terra é usada em muitas outras atividades.

Além disso, o princípio da diversificação dos investimentos sugere que alguns empresários investirem em viagens espaciais é saudável. Afinal, pode ser que os investimentos para tornar a Terra habitável falhem, então é melhor ter um plano B. Se ninguém investir em viagens espaciais, lá na frente pode fazer falta.

Mas esses argumentos, apesar de importantes, são secundários. O principal é que ninguém designou príncipe William ou Lula como juízes morais dos investimentos de ninguém. Quem são eles para julgarem como Bezos, Musk ou qualquer outro empresário gera valor para a humanidade? Por trás desse julgamento há uma mal disfarçada ojeriza à atividade empresarial, que somente pode ser perdoada se cumprir uma “função social”. Função social esta, claro, definida pelos oráculos do bem, como príncipe William e Lula.

Claro que Jeff Bezos e Elon Musk estão C&A para o que pensam o príncipe e o plebeu. Ainda bem.

Notícias boas e verdadeiras

Lauro Jardim nos faz saber que Haddad se reuniu com alguns empresários em São Paulo. Empresário, como sabemos, é um bicho pragmático. Pode até ter suas opiniões, mas prepara seus negócios para qualquer cenário. E um cenário possível é a volta de Lula ao poder.

Alguém anotou as “contribuições” de Haddad para o esclarecimento dos empresários e repassou-os ao jornalista.

Comento cada uma a seguir.

1) “O PT não é um partido de esquerda, mas de centro-esquerda.

”O PT quer ocupar o lugar do “centro”, aquele que não faz mal a ninguém. De fato, visto do PSTU, o PT é um partido de centro-esquerda. O problema é que, visto do centro, o PT é de esquerda mesmo.

2) “A culpa é da Dilma”

Já escrevi aqui que Dilma colheu o que Lula plantou. Na verdade, deu azar, porque a farra das commodities foi acabar justo no seu governo. Sem dinheiro para sustentar os gastos mastodônticos patrocinados desde o governo Lula, foi a pique. Mas ela não está sozinha nessa. Aliás, vemos que Haddad concorda com o Ciro.

3) “A grande vingança do Lula será fazer o Brasil crescer novamente”

A fala é uma bobagem, mas é interessante o tema da “vingança” aparecer na conversa. Há uma sensação ruim de que Lula de volta ao poder não deixará pedra sobre pedra. Mas pode ser só uma sensação ruim.

4) “Lula não sabia da corrupção na Petrobras.”

O esquema era 1/3 para o PT, 1/3 para o PMDB e 1/3 para o PP. Mas Lula não sabia de nada.

5) “Autonomia do BC, não”

Finalmente uma verdade. Parece aquela piada: “trago notícias boas e notícias verdadeiras. O problema é que as boas não são verdadeiras e as verdadeiras não são boas”.

É dura a vida do Haddad.

Não é preciso ser bolsonarista para atacar Lula

Esqueçamos por um instante as brigas internas do Novo, as posições do “dono” do partido e tudo mais. Luís Felipe D’Ávila foi escolhido o candidato do Novo à presidência.

Em entrevista hoje, D’Ávila mostrou uma virtude rara: não gastou vela boa com defunto ruim. Não houve uma menção sequer a impeachment ou “defesa da democracia”, apesar de não terem faltado críticas ao atual estado de coisas. Mas, corretamente, o candidato faz menção à estagnação econômica dos “últimos 10 anos”, e não somente dos últimos dois anos e meio.

Sobretudo, D’Ávila coloca Lula em seu devido lugar: não dá pra fazer uma reconstrução moral e ética do país com Lula na presidência. Ele não diz, mas eu complemento: a defesa da democracia inclui também evitar que Lula volte à presidência.

O candidato do Novo demonstra que não é preciso ser bolsonarista para atacar Lula. Este deveria ser o caminho de todos os candidatos da chamada “3a via”.

Acredita quem quiser

Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e respeitado consultor do mercado financeiro, bem longe de ser um petista comunista, aposta que o mercado vai preferir Lula a Bolsonaro, caso sejam essas as duas opções que restarem em 2022.

Lembro das eleições de 2006. Lula vinha de um primeiro mandato que, do ponto de vista econômico, havia sido um sucesso. Apesar de marcado pelo mensalão, o primeiro termo de Lula é sempre lembrado pelas suas medidas ortodoxas e pelo timaço de craques na Fazenda e no BC. Claro, teve a ajuda da China, mas o governo petista se ajudou, fazendo a coisa certa. Foi apenas no segundo mandato que o governo Lula mostrou a sua verdadeira cara, inchando o Estado, intervindo cada vez mais na atividade econômica e cevando o desastre que o governo Dilma iria colher.

Pois bem. Mesmo tendo sido um sucesso do ponto de vista econômico, a ida de Alckmin para o 2o turno, em uma eleição que, tudo indicava, seria vencida por Lula no 1o turno, fez com que o mercado, no dizer de um consultor político, ficasse alegre como “pinto no lixo”. Entre o Lula ortodoxo e Geraldo Alckmin, não havia dúvida sobre quem o mercado preferia.

Passaram-se 15 anos desde então. O mercado viu o 2o mandato de Lula, o Petrolão, as lambanças no BNDES e na Petrobras e, sobretudo, o desastre do governo Dilma, onde a agenda econômica do PT foi aplicada em sua plenitude. O mercado aprendeu nesses anos todos.

Pode ser que o mercado se deixe enganar pelos “sinais” enviados por Lula, e dê um voto de confiança no início de seu hipotético terceiro mandato. Além disso, o governo Bolsonaro pode estar sendo ruim para a atividade econômica, pela instabilidade institucional constante. Mas daí a tirar que o mercado preferirá, durante as eleições, um novo mandato petista, vai uma distância cósmica. Neste ponto, discordo de Mailson.

Para a economia, nada pode ser pior do que o programa de governo do PT. Cabe ao mercado acreditar que Lula jogará o programa do seu próprio partido no lixo, como fez provisoriamente no seu primeiro mandato. Acredita quem quiser.

Lula e Luíza

A Time incluiu a empresária Luiza Trajano, fundadora da Magazine Luíza, entre as 100 personalidades mais influentes do mundo. Ao que parece, é o único conterrâneo na lista este ano.

Assim como na escolha da “personalidade do ano”, a Time tem seus próprios critérios para escolher os 100 mais influentes. A capa, por exemplo, traz o príncipe Harry e sua esposa, Meghan. Devem estar no top influencer índex para merecerem a capa, o que nos dá uma ideia dos critérios. Mas não quero aqui passar a impresso de minimização do feito. Aparecer em uma lista global de top influencers, ainda mais estando em um país periférico como o Brasil, é para poucos. No entanto, o que me chamou a atenção foi outra coisa, que tem implicações políticas.

Cada personalidade tem um pequeno texto da revista, escrito por uma outra personalidade convidada. No caso de Luiza Trajano, o texto foi escrito pelo ex-hóspede da carceragem da PF, Lula da Silva.

Diz a assessoria de Luiza Trajano que não sabia quem escreveria o texto. Pode ser. De qualquer maneira, sempre se trata, no final, de uma escolha editorial da revista. Fico cá imaginando como chegaram ao nome de Lula para escrever o perfil da ex-presidente da Magazine Luiza. As notórias ligações de Luiza Trajano com a ex-presidente Dilma fariam da ex-presidenta um nome mais óbvio. Mas Dilma virou nome tóxico para a próxima eleição e Lula é quem é o candidato, não é mesmo? E quem será o vice de Lula? Estaria a Time antecipando a chapa?

Lula não decepcionou quem dele espera mistificações. Segundo o ex-presidiário, Luiza se destaca pela sua consciência social, e não queima o seu dinheiro com viagens espaciais e iates. Uma verdadeira madre Tereza do empresariado global.

De qualquer forma, não é o que ele escreveu o que importa. O que realmente importa é que Lula foi escolhido para escrever para uma das mais importantes revistas do mundo, demonstrando que a sua prisão em nada mudou o seu status de respeitado líder global. É preciso tirar o chapéu para o serviço de relações públicas levado a cabo pelo PT e pela intelectualidade brasileira. Conseguiram enganar direitinho os gringos.

Aqui dentro, no entanto, sabemos o que Lula fez no verão passado. Para o bem de seus negócios, Luiza Trajano ficaria melhor sem associar seu nome ao do ex-condenado. Assim como a Havan pode eventualmente perder clientes pela associação política do “veio da Havan” com Bolsonaro, a Magazine Luiza pode enfrentar algum tipo de boicote ao se ver associada ao chefe de uma facção política. Pode até não prejudicar, mas ajudar, certamente, não ajuda.

Guinada à esquerda

Como assim, “presidente dá guinada à esquerda”??? O sujeito é o Guilherme Boulos deles, está fazendo exatamente aquilo que disse que iria fazer, e o mundo político e econômico peruano está espantado com a “guinada à esquerda” de Pedro Castillo?

Temos sempre a ilusão de que um radical vai caminhar para o centro, de modo a manter a governabilidade. O mercado costuma dar pouca importância à retórica dos candidatos porque, pensa, na hora do vamos ver, o candidato eleito precisará caminhar para o centro para não ficar isolado e colocar o seu governo em risco.

Ocorre que a retórica, se não é simplesmente promessa populista de campanha, define o candidato. Ao que parece, Pedro Castillo, neófito do poder, foi com muita sede ao pote. Deveria aprender com Lula, que conseguiu enganar o mercado durante alguns anos, até ter segurança para implementar a sua verdadeira agenda. A troca de Pallocci por Mantega marca esse momento, que atingiu o seu ápice com Dilma.

Quando Lula diz que vai acabar com o teto de gastos, ou desenvolve ideias de economia do manual da Unicamp, o mercado ouve essas palavras com o filtro do “no final, ele vai caminhar para o centro”. Compreensível, dado que Lula já fez isso no primeiro mandato. Só esquecem os 10 anos de terror que se seguiram àqueles três primeiros anos do “Lula centrista”.

É possível sim que, Lula eleito, não cometa o erro primário do seu congênere peruano. Muito mais experiente, ele sabe que, para cozinhar o sapo, é preciso aumentar o fogo lentamente, caso contrário, o sapo pula da panela. E ele sabe como ninguém cozinhar o sapo do mercado financeiro.