A performance de Lula em São Paulo

Pesquisa do instituo Ipespe, patrocinada pela XP, trouxe números de intenção de voto no estado de SP.

Fiquei um pouco desconfiado da intenção de voto em Lula em um dos estados mais anti-petistas da Federação, cerca de 28% já no 1o turno, a depender dos seus concorrentes. Fui olhar o histórico, para tentar entender a probabilidade de isso, de fato, ocorrer. O resultado está resumido no gráfico abaixo.

O PT obteve esse nível de votação no Estado nas eleições da década de 90 e, depois, com Dilma em 2014. Nas eleições em que Lula participou, teve votações expressivamente mais altas, aí incluindo a eleição de 2010, em que Dilma era a “mulher do Lula”.

Ou seja, há um potencial sim de votos em SP para Lula. Claro, há uma Lava-Jato no meio do caminho, o Petrolão e tudo o mais. A pergunta é: esse fator continuará pesando em 2022 como pesou em 2018, quando Haddad (que não era Lula) teve pífios 16% no Estado? É provável que sim, mas com menor intensidade. Muita coisa aconteceu depois, e essas lembranças vão se esmaecendo com o tempo. Lembrando que Dilma teve 26% dos votos no 1o turno em SP em 2014, mesmo já com o início do desgaste do Petrolão. E Dilma, assim como Haddad, não era Lula.

Tendo dito tudo isso, continuo com a tese de que pesquisas a um ano e meio das eleições são, na verdade, pesquisa de recall. Coloco aqui a pesquisa de intenção de voto feita em maio de 1993, em que Sarney aparece em segundo lugar, somente atrás de Lula. José Sarney, um dos presidentes mais impopulares da história!

Claramente, as pessoas se lembravam do nome e já haviam se passado 3 anos desde o fim do seu governo, com um impeachment no meio. Enfim, a lembrança de seu desastroso governo começava a se esmaecer.

Por outro lado, a pesquisa aproximou muito bem a votação de Lula no 1o turno.

Entre o ‘bandido’ e o ‘genocida’

Em 2018, fiquei rouco de dizer aqui que Alckmin estava polarizando com a pessoa errada. Em uma eleição marcada pelo anti-petismo, o candidato do PSDB deveria convencer o eleitorado de que era tão ou mais anti-petista do que Bolsonaro. Essa era a única (pequena) chance de chegar ao 2o turno, fosse contra Bolsonaro, fosse contra o candidato do PT. A campanha de Alckmin, na época, escolheu bater em Bolsonaro, inclusive mimetizando a agenda de costumes do PT. Sozinho no campo do anti-petismo, Bolsonaro nadou de braçada.

Em 2022, o anti-petismo terá um papel bem menor, mas ainda terá um papel. O papel será bem menor porque o tempo passa, as lembranças se confundem na memória, e hoje Bolsonaro é a vidraça. Mas, mesmo sendo menor, terá o seu papel. Muitos votarão em Bolsonaro para não devolver o poder ao PT.

Nesse sentido, a análise do professor Carlos Pereira é perfeita, e me lembra a análise que fiz sobre Alckmin em 2018. Essa tal “frente do Centro”, ao bater somente em Bolsonaro, implicitamente considera que Bolsonaro já está no 2o turno. Pretende, portanto, roubar a vaga de Lula. Mas essa é uma aposta arriscada, mesmo considerando que o anti-petismo perdeu força na sociedade. O risco é o candidato desse polo ser considerado uma “quinta coluna” do petismo e deixar o campo anti-petista novamente todo para Bolsonaro.

Esses “candidatos do centro” começariam bem, por exemplo, ao reconhecer que Bolsonaro não é a única ameaça à democracia. Lula e seu partido minaram as instituições democráticas de várias maneiras, e isso deve ser igualmente explicitado em seu posicionamento. Mas o seu “manifesto pela consciência democrática” passa a ideia de que somente agora a nossa democracia estaria sob risco. Ou ajustam o discurso, ou o seu candidato, qualquer que seja, terá os mesmos votos de Alckmin em 2018.

Entre Lula e Bolsonaro

“Entre Bolsonaro e Lula, eu voto no Lula”.

Ouvi esta frase hoje de uma senhora de seus mais de 70 anos, classe média baixa paulistana, que votou em Bolsonaro em 2018 meio desconfiada. Sua nova convicção nasceu dessa confusão toda da epidemia/vacinação.

Claro, faltam ainda muitos meses até colocar o voto na urna. Muita água vai rolar. Mas essa manifestação me fez pensar: uma parte daquele eleitorado que deu a vitória a Bolsonaro no 2o turno se foi. E pior, se virou para o seu adversário, qualquer que seja ele, até Lula. Isso indica rejeição.

Bolsonaro pode virar esses votos? Pode. Como? Adotando uma nova postura, mais conciliadora, mais colaborativa, menos beligerante. Sendo mais, digamos, presidencial. Vai adotar? Só o tempo dirá se o escorpião mudará sua natureza.

A exemplo do PT, que entregou o país a Bolsonaro de tanto errar, Bolsonaro entregará o país de volta ao PT, de tanto errar.

PS.: não adianta dizer que, por mais que ele faça, a mídia será contra ele, nada vai mudar. Bolsonaro ganhou a eleição de 2018 com essa mídia que está aí. E a explicação era que a velha mídia estava morta, o que importava era a presença nas redes sociais. Por que agora a vitória de Bolsonaro em 2022 dependeria de uma cobertura favorável da mídia?

A importância do disclaimer de conflito de interesses

Faz parte do trabalho no mercado financeiro a leitura de muitos relatórios. Uma regra básica de qualquer relatório é o “esclarecimento de conflito de interesses”, ou seja, se o autor do relatório tem algum interesse particular na empresa que está analisando. Esse interesse pode ser a detenção de ações da empresa analisada no relatório ou um parente que trabalhe naquela empresa ou, o que é mais comum, se a casa de análise onde o analista trabalha tem algum contrato firmado com a empresa analisada. Neste último caso, inclusive, é prática comum a casa de análise deixar de produzir relatórios sobre aquela empresa específica.

Todos esses cuidados têm uma razão óbvia: como confiar na análise de alguém “conflitado”, como se diz? Podem ser até análises isentas, mas sempre restará a dúvida sobre a sua lisura, dado o conflito de interesses presente.

Esse ponto me veio à mente quando me deparei com artigo no Estadão de hoje do advogado Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga.

Antes de ler qualquer artigo, a primeira coisa que faço é checar as credenciais de quem escreveu. Não se trata de fazer críticas ad hominem, gosto de ler contra-argumentos que desafiem minhas convicções, independentemente de quem escreve. Mas as credenciais fornecem dois elementos importantes para enquadrar o artigo: 1) o grau de conhecimento e especialização do autor do artigo e 2) seus potenciais conflitos de interesse.

Ao se qualificar tão somente como “advogado”, o Dr. Sérgio Alvarenga qualifica-se como alguém 1) especialista e 2) isento. Fui então ler o artigo, para daí tentar extrair algo que pudesse me fazer mudar de ideia a respeito das duas recém estapafúrdias decisões do STF: a mudança de foro e a suspeição de Moro. O que li foram afirmações a priori, interpretações particulares do direito, colocadas como verdades absolutas. E o que é pior, longe do alcance dos “leigos”, que não estariam aptos a entender as filigranas da ciência jurídica. Como se sob a capa do palavrório técnico dos operadores do direito não se escondesse uma realidade plenamente inteligível para quem é alfabetizado.

Depois de ler o artigo, fui atrás de saber quem era o “advogado”, autor do repto anti-Moro. Sérgio Alvarenga é genro e sócio de Mariz de Oliveira, do escritório de mesmo nome, que extrai seu sustento explorando competentemente as chicanas de nosso sistema judicial, com seus infinitos recursos à disposição de quem pode pagar caras bancas de advocacia. Além disso, foi (não sei se ainda é), advogado de Roberto Teixeira da Costa, compadre de Lula e seu “assessor” no rolo do sítio de Atibaia.

Advogar para Lula, para Teixeira da Costa ou para qualquer outro endinheirado não é crime, pelo contrário. Trata-se de uma profissão como outra qualquer. Afinal, todos têm direito ao devido processo legal com a ajuda de um advogado. O que não dá é escrever um artigo no jornal sem fazer o disclaimer de seus eventuais conflitos de interesse no caso, levando o leitor a achar que está diante de uma opinião isenta.

Fact checking do discurso do Lula

“O STF reconheceu minha inocência”

Falso. O STF mudou o foro, não entrou no mérito da decisão.“

A resposta do governo Bolsonaro à pandemia tem sido um desastre”.

Verdadeiro.

“O Brasil era a 6a economia do mundo no meu governo”.

Em termos. Foi verdade durante um curto período de tempo. Esqueceu de dizer que foi sua cria que nos jogou na lama da qual estamos tentando nos recuperar até hoje.

Não, péra

É compreensível. Afinal, a volta de Lula ao Palácio do Planalto significa usar estatais para “fins sociais”, paralisia nas privatizações, falta de reformas essenciais, defesa corporativista do funcionalismo público e enfraquecimento dos mecanismos anti-corrupção.

Não, péra…

Perseguição

“Perseguição”.

Ouvi muito esse substantivo da boca de Lula, de seu advogado e de petistas de maneira geral. Ao invés de se defender no mérito da acusação, o político pego com a boca na botija normalmente tira da manga a carta da “perseguição”, levando para o campo político um julgamento técnico.

Lembro quando Lula tentou se defender no mérito da questão do triplex. Segundo a defesa, o dono da OAS, Léo Pinheiro, teria tentado agradar Lula, oferecendo o triplex com várias melhorias. Mas, no final, o casal Lula decidiu não comprar o apartamento. Quer dizer, o dono da construtora compra uma cozinha Kitchen no valor de 150 mil, fora todas as outras reformas, só para seduzir um potencial comprador, sem garantia da venda. Ok.

O mesmo mambo jambo o filho 01 tentou fazer colar para explicar as movimentações de sua incrível loja de chocolates. Vimos novamente que, quando a coisa vai para o mérito, não se sustenta. Resta levar para a arena política.

Não me espanta que a tese da “perseguição” tenha vindo à tona novamente. Nada de novo debaixo do sol.

Também quero meu hacker!

Por que somente Lula? Com toda a razão, todo mundo quer ter acesso às mensagens roubadas. Eu também quero. Vai que meu nome também esteja citado lá.

O STF criou uma nova modalidade de chicana jurídica: a defesa baseada em mensagens raqueadas.

Você, advogado de defesa, está enfrentando dificuldades para contrapor as provas da acusação? Acabaram-se os seus problemas! Contrate um bom hacker, grampeie o juiz e os procuradores, deixe vazar conversas informais como se prova fossem e veja a mágica acontecer!

Kafka e o Estado Democrático de Direito

Defensores do Estado Democrático de Direito das mais diversas cores saudaram a decisão da 2a turma do STF de compartilhar os dados apreendidos na operação Spoofing com a defesa de Luís Inácio Lula da Silva.

O racional é o seguinte: todas as partes do processo precisam ter acesso aos mesmos dados. Se a PF, o MP e o juiz tiveram acesso aos vazamentos das conversas entre Moro e os procuradores, por que a defesa não haveria de ter? “Paridade de armas” é um dos pilares da justiça em um Estado Democrático de Direito, segundo seus defensores.

A confusão é grande aqui. Vamos focar apenas na questão formal, ou seja, na ação dos hackers em si. O conteúdo das mensagens e seu significado perde relevância diante da forma como foram obtidas, ainda que, em minha humilde opinião, não invalidem uma vírgula do processo contra Lula.

Imaginemos uma situação em que hackers invadam e sequestrem as comunicações entre Lula e o seu advogado de defesa, para deles obter vantagem. Em uma operação da PF, esses hackers são presos. O MP, então, entra no STF com o objetivo de ter acesso às conversas obtidas pelos hackers. O STF daria acesso em nome da “paridade de armas”?

Alguém poderia dizer que, neste caso, a relação entre réu e advogado é sagrada, e nada pode violá-la, enquanto a relação entre o juiz e os procuradores não é sagrada. No entanto, apesar de não sê-lo, a inviolabilidade da comunicação é princípio basilar em qualquer democracia digna do nome. No momento em que escutas não autorizadas servem como elementos em um processo, o sistema de justiça passa a ser terra de ninguém. Ou seja, inviolabilidade da comunicação também é sagrada, e só pode ser quebrada por ordem judicial em uma democracia.

O argumento de que todas as partes precisam ter acesso a todos os dados do processo é risível. As conversas entre o juiz e os promotores já eram de acesso destes ANTES dos hackers. Por definição. Afinal, são eles os autores das conversas. Imaginemos que os hackers não tivessem tido sucesso em sua empreitada. Qual seria a chance de êxito de uma injunção da defesa de Lula junto ao STF para ter acesso ao conteúdo dos celulares de Moro e procuradores? Nenhuma, por óbvio. E ninguém estaria aqui falando de “paridade de armas”. Quer dizer, foi a própria ação dos hackers que legitimou uma “prova” a ser usada no processo. É coisa de malucos. Ou mal-intencionados.

Do jeito que a defesa de Lula, os ministros do STF e todos os outros defensores do Estado Democrático de Direito colocam a coisa, parece que Lula é Josef K., personagem de Franz Kafka processado e condenado por crime não conhecido pelo próprio réu. Ora, Lula foi condenado por crimes bem conhecidos em processos abertos e com base em provas mais do que robustas, referendadas em duas instâncias adicionais à primeira. Alegar cerceamento de defesa ou parcialidade do juiz é somente mais uma chicana das inúmeras que nosso sistema de justiça é pródigo em oferecer a quem pode pagar bons advogados. A isso chamam Estado Democrático de Direito.