A estrategista

Há não muito tempo, a colunista Eliane Catanhede protagonizou o que talvez tenha sido o mais famoso “cala boca Magda” da história do jornalismo brasileiro, ao sugerir, em sua coluna, que Lula poderia desistir de sua candidatura, ocupando uma vaga de vice-presidente em uma “chapa de união”. Lula, com a verve que Deus lhe deu, respondeu que Catanhêde poderia dar um golpe de mestre e parar de escrever bobagem, fazendo alusão ao título da coluna, “Golpe de mestre”.

Catanhêde, dessa vez, para não levar um outro “cala boca”, toma o cuidado de não assumir a maternidade de outra ideia genial. Em sua coluna de hoje, explica como Lula deveria conduzir a sua campanha se quiser ter alguma chance contra Bolsonaro, e atribui as suas ideias a uma suposta “ala moderada” do PT, como se isso existisse.

Em resumo, segundo a colunista, Lula deveria “caminhar para o centro”, “abrir mão da reeleição” e ”prometer reconstruir o país”. Na verdade, dessas três “ideias”, duas são meio que óbvias e uma (a da reeleição) é prima-irmã de assumir uma vaga de vice, além de ser, claro, uma promessa pouco crível. “Ser o presidente da reconstrução” é o que todos, com exceção do incumbente, prometem. E “caminhar para o centro” é o que Lula já começou a fazer, ao escolher Alckmin como vice. Aliás, na verdade, esse é um movimento quase dispensável, dado que todas as falas radicais do candidato, como revogar a reforma trabalhista ou acabar com o teto de gastos, são considerados pelos “centristas doidos para votar em Lula” como “discurso de campanha” que será abandonado pelo “pragmático Lula”.

A colunista, no último parágrafo, deixa entrever o seu objetivo: aconselhar o seu candidato in pectore a como enfrentar a “intensa pancadaria” que vai sofrer durante a campanha. Como se sofrer pancadaria fosse uma exclusividade de Lula e como se a pancadaria não fosse, de alguma forma, merecida. Para não ficar parecendo que Catanhêde virou estrategista da campanha do PT, aguardamos análise semelhante para os outros candidatos.

A fábula do articulador político

Neste curto artigo, Carlos Pereira faz picadinho da fama de Lula como grande articulador político, aquele que pode liderar um ”presidencialismo de conciliação”, no dizer do economista Nilson Teixeira. Mais uma fábula não suporta a luz fria da análise política. O que restará no final?

Chuchu na agricultura

Lula ofereceu o Ministério da Agricultura para Alckmin.

Essa ideia claramente não é boa, porque a piada já vem pronta, de tão óbvia: ninguém entende mais de plantio do que um chuchu.

Tenho uma ideia melhor: Lula deveria criar o Ministério das Privatizações e entregá-lo a Alckmin. Mataria dois coelhos com uma cajadada só.

Em primeiro lugar, iludiria a Faria Lima com a criação de um ministério todinho dedicado às privatizações. E, com a indicação de Alckmin, que, por algum motivo misterioso, é considerado um liberal pelos farialimers, essa ilusão ganharia credibilidade.

Ao mesmo tempo, Alckmin, envergando o jaleco das estatais, dedicaria toda a sua convicção e competência à nobre tarefa de encontrar desculpas convincentes para os eternos atrasos no cronograma das privatizações, assim como fez aqui em São Paulo nas obras do Rodoanel e do metrô. Ficaria a Faria Lima sempre na expectativa, à espera do Godot das privatizações. Não consigo pensar em função mais nobre do futuro ministro em um governo do PT.


A menção ao Ministério da Agricultura me fez lembrar um episódio dos estertores do regime militar. João Figueiredo havia sido escolhido para suceder a Ernesto Geisel como o quinto presidente do ciclo militar, e surpreendeu o mundo político e econômico ao escolher Delfim Netto, o todo poderoso Ministro da Fazenda do governo Médici, para comandar o Ministério da Agricultura

.A escolha deixou perplexo o mundo político e econômico da época, dada a notória falta de conhecimento do mundo agrícola do ex-czar da economia. Foi até objeto de um quadro do humorístico “Planeta dos Homens”, em que Jô Soares interpretava o Dr. Sardinha, uma paródia de Delfim às voltas com os problemas do setor agrícola. Seu mote era “meu negócio são os números!”.

Depois de apenas 5 meses, em meio a uma inflação galopante, Figueiredo substitui Mario Henrique Simonsen (ex-ministro da Fazenda de Geisel) por Delfim Netto no Ministério do Planejamento. Delfim estava de volta ao comando da economia, onde ficaria até o fim do governo Figueiredo.

Enfim, nenhum paralelo com uma eventual indicação de Alckmin para a Agricultura, a não ser o fato de que o ex-governador não é do ramo. Para quem gosta ou acredita em coincidências, este episódio do governo Figueiredo nos lembra que o Ministério da Agricultura já serviu como guarida provisória para um político que aspirava a voos maiores.

A natureza do escorpião

É o segundo domingo seguido que reproduzo aqui o editorial do Estadão. Não é mera coincidência.

Domingo é o dia mais nobre para o editorial de qualquer jornal. É aquele dia em que as pessoas têm mais tempo para gastar lendo “opinião”. Portanto, não é mera coincidência que o Estadão tenha escolhido dois domingos seguidos para desancar Lula, guardando o topo da página do editorial para tão nobre tarefa.

Se, no domingo passado, o editorial homenageou a digamos, capivara de Lula, hoje o assunto é a sua pauta econômica. Reproduzo, aqui, trecho lapidar: “Sem nenhum exagero, o governo de Dilma foi a gestão dos sonhos dos petistas, com a aplicação – sem freios, sem limites e sem diálogo – de todas as teorias, ultrapassa das e equivocadas, que o PT sempre defendeu e, pasmem, ainda defende”.

Claro que há quem acredite que Lula seja pragmático, e não vai dar ouvidos aos economistas do PT. A respeito dessa expectativa, nada mais útil do que lembrar a natureza do escorpião.

Lula está livre, mas não por ser inocente

Como era de se esperar, o caso triplex prescreveu. Os advogados de Lula escrevem que o caso “não tinha nenhuma materialidade”. No entanto, a anulação da sentença não tem nada a ver com o mérito da acusação, mas com a suposta parcialidade do juiz do caso.

Em 13 de janeiro de 2018, escrevi um longo texto, analisando a sentença de Sergio Moro, rebatendo, ponto por ponto, os argumentos da defesa de Lula. Não, não sou operador do direito, por isso não entro nas tecnicalidades do processo. Minha análise é apenas lógica, baseada nas evidências que serviram de base para a condenação. Não é preciso ser advogado ou juiz para entender quando um político recebe propina.

A passagem do tempo pode nublar a memória de algumas pessoas. Este texto serve como um lembrete de tudo o que aconteceu. Lula está livre, mas não por ser inocente.

A ilusão da agenda auto-evidente

Nilson Teixeira é um economista respeitado pela Faria Lima. Ficou famoso quando, em 2012, à época no Credit Suisse, arrumou uma treta com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao prever crescimento de apenas 1,5% para aquele ano. Era um número muito menor que a média do mercado, e o economista foi espinafrado por Mantega. No final, o PIB cresceu 1,8% naquele ano, mostrando o acerto do economista.

Hoje, Nilson Teixeira publica um artigo com a seguinte tese: o presidencialismo de coalização está morto, na medida em que as emendas parlamentares se tornaram impositivas. Dessa forma, precisamos de um presidencialismo de conciliação, em que o convencimento político torna-se central para a execução dos planos do governo. E, continua a tese, Lula seria o candidato melhor preparado para esse novo arranjo, pois conseguiu congregar vozes diferentes em seu governo anterior e sinalizou abertura a outros pontos de vista com o namoro com Alckmin.

Tendo a concordar com Nilson: Lula, de fato, é o candidato mais preparado para fazer uma grande “conciliação nacional”, com STF, com tudo. Seus métodos já são conhecidos. Mas não é este o ponto a que eu gostaria de chamar a atenção.

Nilson Teixeira, e ele não está sozinho na Faria Lima nessa percepção, entende que existe uma agenda que se autoimpõe, os “ajustes necessários” e as “transformações no país”, em suas palavras, contariam com uma espécie de unanimidade nacional. Bastaria um “conciliador” que conseguisse coordenar os esforços políticos na direção já definida por essa unanimidade auto-evidente.

Obviamente, não é o caso. Lula e o PT têm uma agenda própria, que não se cansam de divulgar para quem tem ouvidos de ouvir. Como qualquer agenda, deverá ter resistências no Congresso, e Lula precisará usar todas as suas habilidades de “conciliação” para fazer avançá-la. Mas o importante é entender que essa agenda não contempla os “ajustes necessários” que estão na cabeça de Nilson Teixeira e dos farialimers. Pode até ser aprovada uma coisa ou outra dessa agenda para “acalmar os mercados”, mas a direção é claramente outra.

Enfim, parece-me que Nilson Teixeira sofre da ilusão de que os mercados acabam por levar os governos para a direção certa. Se assim fosse, não haveria políticas econômicas equivocadas. A Argentina é exemplo de país em que os mercados esgoelaram até ficarem roucos, e não impediram políticas insanas. A única forma de termos políticas econômicas racionais é eleger políticos convencidos das virtudes dessas políticas. O resto é exercício de self denial.

A OCDE e o pragmático Lula

Além do Brasil, a OCDE convidou mais 5 países para entrarem no clube privê: Argentina e Peru na América Latina, e Bulgária, Croácia e Romênia, na Europa. Estamos bem acompanhados.

A Colômbia recebeu este mesmo convite em 2018. O Chile, em 2009. E o México, em 1994.Nós poderíamos ter sido convidados na mesma época do Chile. Com a economia em crescimento e com o selo de grau de investimento, o Brasil era o queridinho do mercado global. Mas o governo do PT esnobou o “clube dos ricos”, porque nos imporia “políticas neoliberais”. Afinal, tínhamos a nossa própria fórmula para o sucesso.

Este é apenas mais um capítulo em que o PT representou um atraso de vida para o país. No caso, um atraso de mais de 10 anos. O governo Temer tratou de recuperar o tempo perdido, mostrando, em 2017, interesse no ingresso do Brasil no clube. O governo Bolsonaro reiterou o interesse, resultando no convite formal. Algo que poderia ter acontecido em 2009.

Este é um processo que demora de 2 a 5 anos para ser concluído. Se um governo do PT for eleito, o mesmo viés que nos fez perder o bonde da história no passado pode novamente nos fazer reféns do atraso. Lembrando que foi no governo do pragmático Lula que nós esnobamos a OCDE. Será que o pragmático Lula mudou de ideia?