Malvinas e Ucrânia: a história se repete?

Um governo autoritário se lança em uma aventura militar para galvanizar o sentimento patriótico da população e, assim, desviar a atenção de seus problemas internos. Não, não estamos nos referindo à invasão da Ucrânia pela Russia. Essa é a descrição da invasão das Malvinas pela Argentina em 1982.

Claro que todo paralelo histórico tem seus defeitos. No caso, a Ucrânia é um país soberano, ao passo que as Falklands (vou usar os dois nomes das ilhas para não parecer que estou tomando partido rsrsrs) são uma possessão do Reino Unido. Assim, a marinha da rainha veio em defesa do território invadido, ao passo que a Ucrânia precisa se virar sozinha, pois nem a OTAN pode lhe vir em socorro nessa hora. No entanto, os países do ocidente determinaram sanções que, no dizer de Putin, equivalem a uma declaração de guerra. Portanto, na prática, mesmo sendo um país soberano e não uma possessão, a Ucrânia pode contar, em certa medida, com o esforço de guerra do ocidente.

Outra característica que aparentemente enfraquece o paralelo são as motivações. Enquanto os generais argentinos enfrentavam crescente descontentamento interno e usaram a guerra para prolongar a sua sobrevida, Putin, em tese, contava com razoável apoio interno e, segundo uma parcela significativa dos analistas ocidentais, teria feito esse movimento para proteger seu território contra o avanço da OTAN. O curioso, no entanto, é que o discurso de Putin não tem sido esse. Naquela longa aparição na semana da invasão, o líder russo gasta a sua saliva para contar a história da grande Mãe Rússia, e de como a Ucrânia faz parte inseparável dessa história. Longe, portanto, de uma posição defensiva. Assim como Galtieri não levantou a possibilidade de uma invasão da Argentina pelo Reino Unido para justificar a operação, da mesma forma Putin não usou a carta da defesa como justificativa para a invasão da Ucrânia. Mesmo porque, a possibilidade de uma invasão da Rússia pela OTAN é tão alta como a possibilidade de uma invasão da Argentina pelo Reino Unido. O contrário, como se viu, não é verdadeiro.

Mas, apesar dessas possíveis falhas no paralelo (e que, como vimos, com um pouco de esforço podem ser superadas), há uma semelhança entre os dois eventos a que seria bom estarmos todos atentos: um dos dois lados necessariamente sairá derrotado e humilhado deste evento. A não ser que a Ucrânia seja um país de schrödinger, ao final da guerra os ucranianos terão um país soberano ou um país submetido às regras de Moscou. No primeiro caso, Putin, assim como ocorreu com Galtieri, cairá e, com ele, o seu sistema de governo. No segundo caso, os governos ocidentais observarão, constrangidos e sem margem de manobra, a Rússia com o domínio sobre um país antes soberano.

Claro que há nuances. A hipotética vitória russa não será tão clara em um primeiro momento. As tropas de Putin podem tomar Kiev e instalar um governo fantoche sem que os governos ocidentais reconheçam a sua vitória. Neste caso, as sanções econômicas poderiam perdurar por anos, sem que nenhum dos dois lados cedesse (vide os casos de Venezuela e Irã). Não se trata de uma perspectiva muito boa para a economia global, mas é uma possibilidade real.

Outra nuance importante é que, hipoteticamente, pode se chegar a uma solução de compromisso, com a Ucrânia cedendo os territórios do sudeste mais a Crimeia para a Rússia, além do compromisso de não aderir à OTAN, em troca de sua soberania para aderir à União Europeia. No entanto, neste caso, a aparente saída honrosa, na verdade, seria uma vitória superlativa da Rússia. Com a força das armas, arrancou territórios e o compromisso de um país soberano sobre o seu próprio destino. Antes da guerra, a Ucrânia poderia fazer o que bem entendesse. Depois da guerra, a Ucrânia não pode aderir à OTAN e, ainda mais, perdeu territórios. Gostaria de ver algum país ocidental defendendo que essa solução não significa uma derrota humilhante. Além disso, existe uma fila de países no mundo com vontade de aumentar os seus territórios pela força das armas, a começar pela China.

Dadas as consequências, o melhor resultado é a derrota da Rússia e a queda do regime. No entanto, é difícil saber como se comportará um país derrotado de forma humilhante pela segunda vez em 30 anos. Não seria um problema, não fosse a presença do segundo maior arsenal nuclear do planeta.