“Simplificação tributária”

Luciano Bivar, aquele que quer ser o vice de Moro, indicou um “técnico” para “conversar” com a equipe econômica do candidato do Podemos.

Trata-se, nada menos, de Marcos Cintra. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Cintra é o principal “teórico” do país por trás do “imposto único”. Leia-se CPMF.

Marcos Cintra foi levado por Paulo Guedes para o governo para assumir a Secretaria da Receita. Cheguei a escrever um post a respeito, dizendo que se tratava de uma “preferência revelada” de Guedes, termo técnico do economês para dizer que Guedes podia negar até a morte, mas o que ele queria mesmo era a volta da CPMF.

O professor da FGV foi defenestrado do governo por pressão de Bolsonaro, que não queria mais um assunto impopular sendo discutido a céu aberto. Isso não impediu que Guedes, várias vezes depois, voltasse a esse que é um de seus assuntos prediletos, acoplado à desoneração da folha de pagamentos.

Agora Cintra volta à cena pelas mãos de Bivar. Fico imaginando a conversa com Pastore. Se é que um dia um dos maiores economistas do país vai se dispor a discutir a genial ideia.

Quem paga a conta

Tenho criticado aqui duramente o corporativismo do funcionalismo público, que se aproveita de sua proximidade com o poder para arrancar privilégios negados ao restante do país. Mas o funcionalismo não é o único grupo que só olha para o seu umbigo. Os empresários que contam com capacidade de mobilização também se defendem.

É óbvio que, em uma reforma tributária, alguns sairão perdendo e outros sairão ganhando. A questão não é essa. A questão é se o status atual é eficiente ou não. Esses grupos de empresários que se unem contra a reforma tributária, na verdade conquistaram o direito de pagar menos impostos do que a média porque sempre tiveram proximidade com o poder. Seus lobbies tiveram muito sucesso, ao longo do tempo, em emplacar suas reivindicações. Agora, a reforma tributaria ameaça todas essas “conquistas”.

Quando vejo um Flavio Rocha defendendo a volta da CPMF para “desonerar a folha de pagamento”, chego à conclusão de que merecemos este país de loucos, com um sistema tributário repleto desses subsídios cruzados, penduricalhos que tornam um inferno a vida de quem empreende. Flávio Rocha, o rei do liberalismo, defendendo esse tipo de arranjo, é porque não há saída mesmo.

É simplesmente uma falácia dizer que a mensalidade da escola vai aumentar em 50% e, portanto, a reforma proposta é ruim. Não que seja mentira, mas é uma meia verdade, o que é pior. Na cesta de consumo de qualquer cidadão, consome-se escola, mas também se consome produtos que ficarão mais baratos. Para quem consome mais serviços, a cesta de consumo realmente ficará mais cara. Para quem consome mais alimentos e produtos industriais, ficará mais barata. Os mais pobres consomem proporcionalmente mais produtos, enquanto os mais ricos consomem proporcionalmente mais serviços. Uma reforma que nivele a cobrança de impostos entre os diversos setores fará justiça social. Ou é melhor os mais pobres pagarem proporcionalmente mais impostos, como ocorre hoje?

Ao contrário da reforma da Previdência, dessa vez certos empresários são contra a reforma tributária. Por que, ao contrário da Previdência, agora quem paga a conta são eles.

Cintra vai reestruturar o PSL

Retirado do jornal O Estado de São Paulo

Cintra foi escorraçado do governo por tocar o samba de uma CPMF só. Até agora não temos notícia de outra proposta de reforma tributária do governo.

Eis que, não mais que de repente, ressurge das cinzas o paladino do Imposto Único. Ficamos sabendo que Luciano Bivar, ele mesmo, é entusiasta da ideia. Cintra vai subsidiar o partido do governo com suas ideias.

Partido do governo?

Quer dizer que o partido do governo vai defender uma ideia de “reforma tributária” já supostamente morta e enterrada pelo próprio governo?

Os gatos continuam brigando dentro do saco.

A CPMF derruba o secretário da Receita

A única parte que não encaixa nessa história da demissão do Cintra é que o seu chefe imediato, Paulo Guedes, parecia genuinamente convencido de que a única saída para desonerar a folha de pagamentos era a criação da CPMF. Guedes chegou a falar que os congressistas deveriam escolher entre “o imposto ou o desemprego”, daquele jeitinho meigo dele de convencer as plateias.

Do jeito que Cintra foi demitido, parece que ele estava sozinho nessa, atropelando tudo e todos, inclusive o seu próprio chefe imediato.

Claro, a se tomar a valor de face o que Bolsonaro diz em seu tuíte, Cintra foi demitido como uma demonstração, digamos, em três dimensões, de que a CPMF está enterrada. Uma imagem vale mais do que mil palavras, diz o sábio ditado. A cabeça cortada do secretário da Receita exibida na entrada do ministério da Economia vale mais do que mil desmentidos. A única ideia que Cintra teve na vida foi o imposto único. Seu escalpo é o escalpo da CPMF.

Além disso tudo, Cintra não mostrou pulso no episódio das multas contra parentes de Bolsonaro. Sua cabeça já estava a prêmio. A fome com a vontade de comer se juntaram harmonicamente, no caso.

Sobra o enigma de Guedes. Ele estava genuinamente convencido sobre a CPMF. Mas prevaleceu a leitura política de Bolsonaro: a CPMF seria de tal forma um estelionato eleitoral, que ficou claro que não havia como banca-la. Guedes preferiu enfiar o rabo entre as pernas a confrontar o chefe, em uma demonstração clara sobre quem manda em quem no Planalto.

Pergunta que não quer calar

Bolsonaro não quer a CPMF. Maia não quer a CPMF. 99,99% dos economistas condenam a CPMF.

A única ideia de Marcos Cintra sobre tributação é uma CPMF gigante. Pergunta que não quer calar: o que este sujeito ainda está fazendo no governo?

Nova-mas-chama-de-outra-coisa CPMF

Não consigo pensar em nada mais regressivo do que isentar o trabalhador formal da contribuição ao INSS e tributar o informal para pagar aposentadorias. Pois é justamente isso o que propõe Marcos Cintra, em seu projeto da nova-mas-chama-de-outra-coisa CPMF.

Na pratica é o seguinte: o trabalhador formal, que já se aposenta mais cedo e com um salário maior, vai ser subsidiado pelo informal, que se aposenta mais tarde e com um salário menor. Isso é o que significa “alargar a base de arrecadação”.

Cintra deveria conversar com o pessoal da Previdência (e com o próprio Guedes), que estão propondo o sistema de capitalização. Por este sistema, cada um é responsável pela sua própria aposentadoria. O que Cintra propõe é justamente o oposto: mais gente será responsável pela minha própria aposentadoria. E mais gente, em média, muito mais pobre.

Cintra deveria conversar também com o chamado “grupo do Leblon”, time de economistas, sob a coordenação de Paulo Guedes, que vem estudando medidas para destravar o mercado de capitais. Hoje, Cláudia Safatle publica coluna no próprio Valor Econômico sobre os projetos desse grupo.

Pois bem: a nova-mas-chama-de-outra-coisa CPMF vai na contramão desse esforço, jogando ainda mais areia na engrenagem do mercado de capitais.

Enfim, vamos ver até quando o governo vai insistir nesse balão de ensaio dos insensatos.

A “nova” CPMF

Quando o tema “CPMF” apareceu na campanha de Bolsonaro, foi logo desmentido por Paulo Guedes, tal foi o barulho criado. Na época, antes do primeiro turno, Guedes argumentou que não se tratava de uma nova CPMF porque não seria um imposto adicional, mas um que substituiria todos os outros impostos. Ou seja, seria uma CPMF agigantada, com alíquota muito maior. Já entre o primeiro e o segundo turnos, Guedes afirmou que houvera uma grande mal entendido, que ele defendia a convergência de todos os impostos em um imposto único, não necessariamente sobre movimentações financeiras.

Eu mesmo critiquei aqui na época. Trata-se de um imposto que cria distorções nos mercados financeiro, de crédito e tem efeito cumulativo em toda a cadeia de produção. Não à toa, a União Europeia vem estudando a adoção de um imposto desse tipo há 10 anos, sem ter chegado a um desenho satisfatório.

Agora, o assunto volta, como a nos assombrar. Em boa hora a Câmara dos deputados acolheu o projeto de Bernardo Appy, alinhado com as melhores práticas internacionais. Não vamos reinventar a roda.