Argumento de autoridade do bem

Não gosto disso, mas vou usar argumento de autoridade aqui. Alguns dos economistas que mais respeito assinaram um manifesto em apoio ao projeto de reforma tributária. São eles:

  • Afonso Celso Pastore
  • Armínio Fraga
  • Bráulio Borges
  • Bruno Carazza
  • Edmar Bacha
  • Fábio Giambiagi
  • Mailson da Nóbrega
  • Manoel Pires
  • Márcio Garcia
  • Marco Bonomo
  • Marcos Mendes
  • Otaviano Canuto
  • Samuel Pessôa

São pessoas que entendem do que estão falando e não têm interesses próprios na defesa da tese. Não vi, até o momento, qualquer manifesto em contrário, a não ser patrocinado por entidades de classe ou políticos defendendo o seu pedaço.

Para não esquecer

Estou lendo o excelente livro de Marcos Mendes, “Para Não Esquecer: Políticas Públicas Que Empobrecem o Brasil”, em que o autor compila artigos de economistas com críticas qualificadas a várias políticas públicas adotadas nas últimas duas décadas.

Acabei de ler o capítulo sobre Fundos Garantidores de Crédito, que usa como exemplos o Fundo de Garantia da Construção Naval, que garantiu as operações da Sete Brasil, e o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo, que garantiu as operações do FIES. Com relação a este último, o programa custou, entre 2010 e 2017, R$ 117 bilhões aos cofres públicos. E mais: o Relatório de Riscos Fiscais do Tesouro prevê, para este ano de 2023, custos de R$ 2 bilhões e subsídio implícito (dado pelo diferencial de taxas de juros) de R$ 4 bilhões. Isso porque o programa, nos moldes antigos, terminou em 2017! Ou seja, continuamos a pagar a conta ainda hoje.

A ideia do Desenrola é justamente essa: um fundo de garantia de crédito. Ou seja, substituir os bancos e financeiras que já fecharam a torneira do crédito. O mecanismo seria o seguinte: o banco ou financeira venderiam o crédito com desconto para um banco operador do Desenrola (provavelmente BB ou Caixa), e este passaria a cobrar a dívida descontada do devedor, a juros módicos. Se o devedor não pagar nem essa dívida com desconto, o preju seria coberto pelo Tesouro, por meio de um fundo garantidor de crédito.

Tem moral hazard para todos os gostos aqui. Primeiro, em relação aos bancos, que provavelmente aproveitariam para vender seus créditos podres por um preço maior do que obteriam em operações desse tipo no mercado. Sim, porque esse tipo de operação (venda de créditos com deságio) já existe. A entrada do governo neste mercado, com o viés político de “fazer a coisa funcionar” certamente distorceria os preços, para a alegria dos bancos e financeiras.

Outro moral hazard é dos próprios devedores. Ao ter suas dívidas praticamente perdoadas, provavelmente sua propensão a tomar empréstimos aumentaria, sem necessariamente ser acompanhada de um aumento de capacidade de pagá-los. Trata-se apenas de dar mais uma volta na roda da bicicleta, para voltar a emperrar logo mais à frente, quando a inadimplência dos novos empréstimos voltar a aumentar. Já prevejo um Desenrola II – A Missão.

O FIES, apesar de suas muitas falhas de implementação, ao menos tinha um fim nobre, qual seja, aumentar a capacitação profissional dos brasileiros. Este programa, Desenrola, nem isso. A ideia é manter a roda da economia girando a qualquer preço. E aqui vai a nota cômica da reportagem: a preocupação do ministro é com a contração do crédito por conta da Selic muito alta.

Ora, o BC aumenta a Selic justamente para contrair o crédito, esse é um dos efeitos esperados para esfriar a economia e, assim, trazer a inflação de volta para a meta. Ao, candidamente, afirmar que quer expandir o crédito, o ministro da Fazenda admite que está remando na direção contrária ao da autoridade monetária. O Desenrola, ao onerar o Tesouro, significará expansão fiscal, o que poderia levar o BC a manter a taxa de juros alta durante mais tempo.

Daqui a alguns anos, quando Marcos Mendes estiver compilando o segundo volume do seu “Para Não Esquecer”, certamente o Desenrola estará ocupando um lugar de honra.

Para não esquecer

Marcos Mendes manda a real sobre a tentativa de reabilitar o PT pelo lado econômico, esforço em paralelo à reabilitação política.

Um belo resumo do desastre dos anos petistas na condução da economia, vale a leitura.

Ninguém mexe no meu queijo!

O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, genuinamente preocupado com o destino dos pobres do Brasil, escreve artigo sugerindo oito potenciais fontes de receitas para financiar a extensão do auxílio emergencial:

  1. Corte nas emendas parlamentares
  2. Corte temporário de gastos no judiciário e legislativo
  3. Participação de estados e municípios no financiamento do auxílio
  4. Prorrogação do congelamento do salário do funcionalismo público
  5. Corte de isenções fiscais do Imposto de Renda da Pessoa Física
  6. Revogação da desoneração da folha de pagamentos
  7. Revogação de benefícios fiscais a setores específicos
  8. Extinção ou privatização de estatais menos relevantes

Obviamente, grande parte dessas medidas tem zero chance de passar no Congresso, ou mesmo de ser proposta pelo Executivo. E, mesmo que conseguisse passar por esses dois obstáculos, seriam derrubadas pelo Judiciário.

Entendo este artigo do Marcos Mendes como uma provocação. Todo mundo se apieda da situação daqueles que não têm onde caírem mortos, e acha muito justo que o Estado pague um auxílio. Não conheço hoje, no Brasil, quem seja contra a esta ideia. Mas desde que a conta seja do outro.

Vamos pegar o item que acho o menos controverso desta lista: as emendas parlamentares. Menos controverso no sentido de que, se fizermos uma enquete, a grande maioria dos brasileiros vai concordar que se trata de um item que deve ser cortado mesmo. Mas, os parlamentares dirão que se trata de verbas para obras importantes em comunidades muito pobres. Vamos deixar essas comunidades sem esses benefícios?

E assim, vamos avançar nesta lista, e todos esses gastos têm objetivos muito nobres. Todos eles. Preservação de empregos, desenvolvimento econômico, justiça tributária etc etc etc. Todo mundo sempre tem um bom e justo motivo para defender a sua teta no Estado.

É nesse sentido que o artigo é provocativo: todo mundo quer resolver o problema dos pobres, desde que não se mexa no meu queijo. Qual a solução? Aumentar a dívida pública.

O aumento da dívida pública joga o problema para o futuro. No futuro, alguém vai pagar essa conta. Talvez não seja nem essa geração. E adivinha quem vai pagar a conta?

Se, hoje, ninguém quer abrir mão de um milímetro que seja de seus benefícios, porque abririam mão no futuro? Não vão abrir igualmente. Essa conta será dividida entre todos os brasileiros, afundados em estagnação econômica e inflação. Todos os brasileiros pagarão a conta, os mais ricos e os mais pobres, aqueles que têm como pagar e aqueles que não têm. E, óbvio, quem não tem como pagar a conta sofrerá mais.

Ou o auxílio emergencial é pago com outras fontes do orçamento, ou será pago pelos mais pobres no futuro.