Lavando o dinheiro na água santa do bem

Lula tem uma cisma com viagens espaciais. Não é a primeira vez que toca no assunto. Em 2021, quando Luiza Trajano foi indicada pela revista Forbes como uma das 100 personalidades do ano, Lula escreveu um texto em sua homenagem. Entre outras coisas, disse: “Em um mundo onde bilionários queimam fortunas em aventuras espaciais e iates, Luiza se dedica a um tipo diferente de odisseia. Ela assumiu o desafio de construir um gigante comercial e ao mesmo tempo construir um Brasil melhor”.

Poder-se-ia pensar que, na cabecinha de Lula, viagens espaciais são “dinheiro jogado fora”. Mas não é bem isso. O seu próprio governo financiou a ida do astronauta Marcos Pontes para o espaço em 2006, gastando não pouco dinheiro com isso. A cisma de Lula está com os “bilionários” que “brincam” de ir ao espaço. Seria, assim, como uma espécie de hobby caro, como aquele dos bilionários que acabaram implodidos junto ao Titanic.

Não é que Lula não goste de bilionários. Luiza Trajano, por exemplo, é bilionária. A diferença é que usa a sua fortuna “para o bem”. Não “queima” com brinquedos caros, mas investe para “construir um gigante comercial e um Brasil melhor”.

E não adianta revoltar-se e espernear diante desse tipo de sandice. Não perca seu tempo tentando explicar que as viagens espaciais de Elon Musk e Richard Branson são um negócio tão legítimo quanto a cadeia de lojas de D. Luiza. Aliás, eles estão na fronteira da tecnologia, um lugar em que gostaríamos de estar.

Mas, indo um pouco além, o busílis parece estar na origem do dinheiro. O dinheiro privado é pecaminoso, e só encontra a sua redenção quando é usado com “fins bons”, para “diminuir a desigualdade”. Naquele mesmo texto da Forbes, Lula elogia D. Luiza por ter ajudado os pequenos comerciantes durante a pandemia, ao dar-lhes um lugar em seu marketplace. Note que os lucros que a Magazine Luiza obtém com essa operação são “lavados” na água santa da boa intenção de “ajudar os pequenos comerciantes”.

Por outro lado, mandar Marcos Pontes para o espaço com dinheiro público não precisa de justificativa. Trata-se de um investimento sem fins lucrativos, e isso basta. Pouco importa que esse dinheiro não tenha sido usado para “diminuir as desigualdades” ou “melhorar as condições de vida do povo”. O dinheiro público, ao não buscar o lucro, não precisa ser lavado na água santa do bem. Todo gasto público já está justificado em princípio.

Portanto, não perca o seu tempo tentando argumentar. O mindset é esse: o dinheiro privado precisa ser justificado, o dinheiro público, não. Tenha isso em mente, e tudo ficará mais claro.

Alguns são mais humanos do que os outros

O nosso ministro-astronauta já externou sua preocupação com os 100 mil funcionários dos Correios, que estariam ameaçados pela privatização. Afinal, são 100 mil famílias que dependem desse ganha-pão.

A mesma preocupação deve nortear a privatização das companhias de água e esgoto. Afinal, depois de privatizadas, as empresas vão demitir e achatar os salários, pois empregam muito menos gente para o mesmo nível de faturamento.

Se as encomendas estão sendo entregues ou se as casas estão sendo servidas por sistemas de esgotos, isso é um mero detalhe, que importa apenas para os milhões de brasileiros que usam os serviços dessa empresas. O que importa de fato é a manutenção do emprego improdutivo de alguns milhares de funcionários. Afinal, todos são seres humanos, mas alguns são mais humanos do que outros.

Bolsa-ineficiência

Marcos Pontes, o astronauta-ministro, é a favor da privatização dos Correios. Desde que preserve os 100 mil funcionários do elefante branco.

Minha sugestão é a seguinte: privatiza, e todos os funcionários dispensados pelo novo controlador, a União contrata pelos mesmos salários que recebiam nos Correios. Para fazer o que? Nada. Se foram dispensados, é porque sua função era dispensável. Portanto, serão contratados para ficar em casa.

Para tanto, será preciso que o Congresso aprove uma verba, que poderia ser chamada de “bolsa-ineficiência”, e que seria usada para explicitar o custo da ineficiência das estatais, que hoje fica escondido no balanço dos Correios. Isso valeria para todas as outras estatais.

Assim, todo brasileiro ficaria conhecendo quanto custava manter as estatais. Estará ali, transparente, nos gastos da “bolsa-ineficiência”. E Pontes e seus companheiros de ministério, tão ciosos dos “direitos dos trabalhadores”, não teriam do que reclamar.