Talk is cheap

A jornalista Miriam Leitão repercute pesquisa da Quaest junto a executivos do mercado financeiro. Nada menos do que 98% acham que a política econômica do governo Lula está no caminho errado.

Miriam não se conforma, e cita alguns dados para demonstrar que o mercado está errado. Por exemplo, o fato de o governo ter reonerado os combustíveis, como se a reoneração não tivesse sido parcial e misturada com um esdrúxulo imposto sobre exportações, e que será retirado depois que o novo presidente da Petrobras começar a manipular os preços dos combustíveis novamente. Mas, tudo bem, serve de narrativa para jornalista sabujo.

O que chama a atenção é que Miriam Leitão sempre foi, na média, crítica aos governos petistas. É só dar uma passeada em suas colunas, principalmente durante o governo Dilma, e se lerá críticas em bem maior número do que elogios. Não à toa, está rolando um vídeo pelas redes (ah, essa memória da Internet..), mostrando um Lula furibundo, dizendo que Miriam Leitão não acerta uma. O que mudou na capacidade crítica da jornalista? Meu palpite: Bolsonaro.

Miriam Leitão foi torturada durante a ditadura militar. Assim, é natural que ache qualquer coisa melhor do que o governo Bolsonaro, e o sucesso do governo Lula é visto como a garantia de que Bolsonaro não voltará. A jornalista pede objetividade aos executivos do mercado financeiro, mas claramente é a ela que falta esta qualidade. Miriam deixa clara essa leitura, quando chama o mercado de “bolsonarista”. Como se alguém estivesse disposto a perder dinheiro por alguma preferência ideológica. As palavras de Miriam não custam nada. As decisões de investimento, ao contrário, podem custar muito.

Aliás, se Miriam tivesse feito a sua lição de casa, poderia chamar a atenção para uma contradição, essa sim, digna de nota. Ao mesmo tempo que os executivos do mercado demonstram estar muito pessimistas em uma pesquisa, os preços do mercado, que são o indicador mais fidedigno do humor dos investidores, não parecem apontar para uma piora do ambiente: o dólar começou o ano em R$ 5,35 e fechou ontem a R$ 5,25. A bolsa caiu meros 3% neste ano, até ontem. E os juros futuros mostram até certo ganho: a taxa do prefixado com vencimento em jan/24 saiu de 13,55% no início do ano para 13,10% ontem, ao passo que o prefixado com vencimento em jan/27 saiu de 12,95% no início do ano para 12,60% ontem. São taxas de juros altas, mas não houve uma piora. Miriam prestaria um melhor serviço se explorasse essa dicotomia.

A beleza do mercado financeiro é que qualquer palpite pode ser transformado em uma aposta. Miriam Leitão acha que o mercado está muito pessimista. Então, ela pode ganhar dinheiro com esse palpite vendendo seus dólares, comprando bolsa ou títulos prefixados no Tesouro Direto. Escrever coluna descascando o mercado é fácil. Difícil é tomar decisão de investimento em nome dos clientes todos os dias.

A primeira entrevista de Haddad

Hoje, Fernando Haddad concede a sua primeira entrevista como futuro ministro da economia. A entrevistadora é Miriam Leitão, do Globo.

A entrevistadora é até dura em alguns momentos, cobrando pelos erros de condução de política econômica dos governos do PT. As respostas de Haddad se limitam ao que já sabemos: o governo Dilma errou ao não avaliar corretamente a mudança do cenário externo a partir de 2011. Tudo o que foi feito no governo Lula estava certo. Ok.

Mas, para quem gostaria de saber o que o futuro ministro pretende fazer, saiu frustrado. A manchete destaca a única fala ortodoxa de toda a entrevista, em que o futuro ministro fala em “cortar gastos” para “harmonizar as políticas fiscal e monetária”. Depois da aprovação de um pacote de gastos de R$ 150 bi além do teto, parece até piada. Mas ok.

Haddad afirmou que o déficit de R$220 bilhões, previsto no orçamento do ano que vem, não vai acontecer. Segundo ele, o governo vai apresentar medidas de cortes de desonerações e readequação de regras de benefícios (como o Auxílio Brasil) para reduzir despesas.

Com relação à sua equipe, disse que uma coisa é o que o sujeito escreve em um artigo acadêmico, outra bem diferente é implementar medidas no governo. Com isso, quis tirar o peso do curriculum de auxiliares como Galípolo e Guilherme Mello. Só faltou dizer “esqueçam o que escrevi”.

De resto, a entrevista foi uma coleção de invectivas contra o governo que sai (responsável pelo problema fiscal que enfrentamos, segundo ele) e de indefinições sobre o que será feito de concreto (até compreensível, dado que ele nem sentado na cadeira está).

Promessas de cortes de gastos é o que todo governo, sem exceção, faz em seu início. Lula, com suas falas, havia colocado esse ponto em dúvida, e Haddad tenta, nessa entrevista, passar a mensagem de que não é nada disso, vamos ser ortodoxos sim. O mercado está ressabiado e não vai comprar o discurso pelo seu valor de face a zero de jogo. Precisa ver ações concretas, até para pelo menos empatar um jogo que já começou perdendo, com a PEC da gastança. Haddad precisará fazer mais do que demonizar o governo que sai e prometer corte de gastos, se quiser “harmonizar políticas fiscal e monetária”. Vamos ver.

Confundindo simpatia com análise

Se há um pecado mortal em qualquer análise política, é o de não saber distinguir estratégia política de preferência pessoal. Uma coisa é achar isso ou aquilo dos candidatos, outra bem diferente é entender o que vai funcionar ou não para atingir determinado objetivo. Miriam Leitão cai nesse vício, ao determinar que qualquer candidatura de terceira via deveria reconhecer que Lula é superior a Bolsonaro no quesito “respeito à democracia”.

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Nem vou aqui entrar no mérito sobre a superioridade de um candidato ou outro sob qualquer aspecto. Tenho minha opinião pessoal, mas isso pouco importa para a análise. Meu ponto é apenas lógico: se o candidato é de “terceira via”, por definição deve considerar ambos os opostos como inadequadas SOB QUALQUER ASPECTO. Ao reconhecer alguma superioridade de um sobre o outro, já mostrou uma preferência que o transforma, automaticamente, em linha auxiliar de um dos polos. E, se é para votar na linha auxiliar, o eleitor ou vai escolher o polo principal ou o polo opositor, a depender de sua simpatia. FHC, ao tirar uma foto com Lula, fez mais pela campanha de Lula e de Bolsonaro do que qualquer aliado desses dois faria.

Miriam Leitão faz uma oposição atávica a Bolsonaro, o que é compreensível, dada a sua história pessoal. Isso é uma coisa. Outra coisa é dizer que qualquer candidato da terceira via deveria reconhecer a superioridade de Lula. Isso é uma rematada bobagem para quem realmente quer se colocar como alternativa. E vou além: se a estratégia do candidato é tirar Bolsonaro do segundo turno, deveria assumir uma postura anti-petista, pois este é o atributo mais importante em uma eleição polarizada. Ser anti-bolsonarista fará com que o candidato dispute votos com Lula, que é o anti-Bolsonaro da disputa. Atacar Bolsonaro esperando tirar Bolsonaro da disputa é fazer o jogo de Lula. Talvez seja esse o objetivo in pectore de Miriam Leitão.

Campanha vitoriosa

Miriam Leitão analisando o debate de ontem na Globo News, e dizendo que Boulos fez uma campanha vitoriosa dentro do objetivo que se propôs.

Não sabia que o objetivo do Boulos era chegar atrás do Cabo Daciolo.

A narrativa vence os fatos

Entrevista de Marcio Pochmann ao Estado, hoje.

Me faz lembrar o já histórico debate entre Guido Mantega e Arminio Fraga na campanha eleitoral de 2014, mediado por Miriam Leitão. Apesar de ser infinitamente melhor preparado que Mantega e contar com uma sutil ajuda da Miriam, Arminio foi jantado pelo então ministro da Fazenda.

Seu erro? Achar que a verdade se impõe sobre a narrativa pelo simples fato de ser a verdade.

Pochmann expõe uma narrativa de uma desonestidade intelectual sem limites. Espero que os economistas que apoiam as candidaturas liberais não caiam no mesmo erro.